A puberdade precoce central (PPC) resulta da ativação prematura do eixo hipotálamo–hipófise–gonadal, levando ao aparecimento antecipado de caracteres sexuais secundários, aceleração da idade óssea e potencial prejuízo na estatura adulta final. O tratamento padrão continua sendo o bloqueio puberal com análogos de GnRH (GnRHa), como a leuprorrelina, que estabilizam o avanço puberal e retardam a maturação esquelética. Entretanto, o impacto do tratamento sobre o aumento da estatura final permanece inconsistente, especialmente em meninas diagnosticadas mais tardiamente ou com idade óssea muito avançada no início da terapia.
Diante da hipótese de compensar a redução da velocidade de crescimento causada pela supressão hormonal, surgiu a possibilidade em associar o hormônio do crescimento (GH) ao bloqueio puberal. O GH estimula o crescimento longitudinal por meio do IGF-1 e poderia em teoria recuperar parte do potencial de estatura perdido. No entanto, apesar de algum ganho em velocidade de crescimento e em marcadores intermediários, ainda não existe uma evidência científica clara sobre benefícios reais dessa associação.
Saiba mais: Puberdade precoce central: associação do GH com análogos de GnRH é terapia eficaz?
Metodologia:
Essa revisão sistemática incluiu estudos realizados em humanos publicados até maio de 2025. A intervenção avaliada foi GnRHa associado ao GH, comparada à monoterapia com GnRHa. O trabalho combinou um único ensaio clínico randomizado e oito estudos retrospectivos ou caso-controle, selecionados a partir de 1.698 registros iniciais. Foram excluídas publicações sem grupo comparador, estudos com causas orgânicas de puberdade precoce, uso de outras terapias que interferem no crescimento ou com dados insuficientes.
Os estudos incluídos foram conduzidos majoritariamente na Ásia (Coreia, China), além de Itália e Holanda. O principal desfecho analisado foi a estatura final, acompanhado por desfechos secundários como altura final menos altura alvo (FH–TH), altura adulta prevista (PAH), ganho de estatura, velocidade de crescimento e maturação óssea.
A revisão apresenta boa abrangência de busca, critérios claros e análise estatística adequada. Entretanto, a presença de apenas um RCT, a predominância de estudos retrospectivos, heterogeneidade elevada em resultados cruciais e ausência de registro prévio de protocolo limitam a confiança global.
Resultados e Discussão:
A população dos estudos era relativamente semelhante entre os grupos, com idades médias de 7,8 a 9,6 anos no início do tratamento e características clínicas comparáveis. A dose média de GH variou entre 0,25 mg/kg/semana até 4 ui/m²/dia, e o tempo de tratamento combinado ficou entre 1,9 e 3 anos.
A análise conjunta mostra que a associação GnRHa + GH melhorou consistentemente marcadores intermediários, como FH–TH, PAH, ganho de estatura, velocidade de crescimento e crescimento durante o tratamento. A maturação óssea não se mostrou acelerada, o que é um achado clinicamente tranquilizador quanto à segurança.
Por outro lado, o desfecho primário avaliado e o mais importante para a prática clínica, a estatura final, não apresentou diferença significativa (0,14 cm). Mesmo nos subgrupos mais favoráveis, o ganho potencial ficou aquém de uma magnitude clinicamente relevante. Além disso, estudos retrospectivos chegaram a sugerir resultado pior na estatura quando GH foi associado, possivelmente por viés de seleção. Assim, embora o GH demonstre benefício claro em parâmetros intermediários, o impacto real naquilo que mais importa permanece inconsistente
Conclusão:
A metanálise reforça que a associação de GH ao bloqueio puberal pode melhorar velocidade de crescimento, sem acelerar a idade óssea. Porém, esses benefícios são de curto prazo e não se traduzem de forma consistente em maior estatura final na fase adulta. Do ponto de vista prático, a indicação rotineira de GH para meninas com PPC continua não recomendada. Além da incerteza do benefício, é uma terapia onerosa, prolongada e com impacto significativo no sistema de saúde.
Apesar de metodologicamente sólida, esta revisão ainda é limitada pela inclusão de um único RCT e pela evidente heterogeneidade dos estudos observacionais. Os resultados, embora animadores em marcadores intermediários, não justificam o uso sistemático do GH em associação ao GnRHa. Precisamos de novos ensaios clínicos, bem desenhados, que definam claramente quais subgrupos realmente se beneficiam.
Autoria
Paulo Melo
Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Ceará. Residência Médica em Clínica Médica pela Universidade Federal do Piauí e Residência Médica em Endocrinologia e Metabologia pela Santa Casa de Belo Horizonte. Possui título de especialista pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. É mestrando e professor da área de endocrinologia na Afya Educação Médica.
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