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Endocrinologia3 março 2025

Uso de esteroides anabolizantes androgênicos e risco cardiovascular

Estudo de coorte avaliou a incidência de eventos cardiovasculares em usuários de AASs em comparação a indivíduos não expostos, num seguimento prolongado

Os esteroides anabolizantes androgênicos (AASs) são amplamente utilizados para aumento da massa muscular e melhora do desempenho físico, tanto em contextos recreativos quanto competitivos. Há um sem-fim de evidências associando seu uso crônico a efeitos adversos cardiovasculares significativos, incluindo hipertrofia ventricular esquerda, disfunção endotelial, aumento da viscosidade sanguínea e aterosclerose acelerada. Além dessas alterações estruturais e funcionais, os usuários de AAS apresentam maior risco de infarto do miocárdio, insuficiência cardíaca, arritmias e eventos tromboembólicos. 

Embora existam relatos clínicos e estudos de menor escala demonstrando tais associações, há uma escassez de pesquisas epidemiológicas robustas que avaliem os impactos cardiovasculares dessas substâncias em longo prazo. 

Para preencher essa lacuna e fortalecer o corpo de evidência a respeito do tema, foi conduzido um estudo de coorte retrospectivo utilizando registros nacionais da Dinamarca, com o objetivo de avaliar a incidência de eventos cardiovasculares em usuários de AASs em comparação a indivíduos não expostos, num seguimento prolongado. Pela relevância do tema, o estudo foi publicado na Circulation, jornal da American Heart Association. 

Leia mais: Mortalidade entre os usuários de anabolizantes esteroides  

esteroide

Métodos do estudo 

O estudo foi uma coorte retrospectiva baseada em registros nacionais, utilizando dados do Danish National Patient Registry, uma das bases de dados mais completas sobre atendimentos hospitalares e prescrições médicas na Dinamarca. Os indivíduos expostos a AASs foram identificados por meio de um programa nacional de antidoping em academias, que identificou usuários dessas substâncias entre os anos de 2006 e 2018.  

A amostra final foi composta por 1.189 homens que fizeram uso de AASs, que foram comparados a um grupo controle de 59.450 indivíduos da população geral, pareados por idade e sexo em uma proporção de 50 controles para cada usuário de AASs. 

Os usuários de AASs eram predominantemente jovens adultos, com idade média de 27,4 anos no momento da seleção, e não possuíam histórico prévio de prática esportiva profissional, reforçando que o uso dessas substâncias estava relacionado ao ambiente recreativo de academias. O seguimento médio do estudo foi de 11 anos, permitindo a análise dos efeitos cardiovasculares dessas substâncias a longo prazo. 

Em relação ao perfil metabólico e presença de comorbidades, a prevalência de diabetes ou outros fatores de risco foi extremamente baixa e equiparável entre os grupos. Do ponto de vista cardiovascular, os usuários de AASs não apresentavam diagnóstico prévio de doenças cardiovasculares ao início do estudo, permitindo que os desfechos avaliados refletissem o impacto do uso dessas substâncias ao longo do tempo 

Os principais desfechos cardiovasculares analisados incluíram Infarto agudo do miocárdio (IAM), revascularização do miocárdio (ICP ou CRM), tromboembolismo venoso (TEV) (embolia pulmonar e trombose venosa profunda), arritmias (fibrilação atrial, taquicardias ventriculares e outros distúrbios do ritmo), cardiomiopatia (incluindo hipertrofia ventricular e cardiomiopatia dilatada) ou insuficiência cardíaca 

Os eventos cardiovasculares foram identificados a partir dos registros médicos do Danish National Patient Registry, utilizando códigos da Classificação Internacional de Doenças (CID-10).  

Resultados 

Os achados do estudo demonstraram que o uso de esteroides anabolizantes androgênicos foi associado a um aumento substancial do risco cardiovascular, com maior incidência de eventos cardíacos e tromboembólicos em comparação à população geral. 

O infarto agudo do miocárdio ocorreu em 1,0% dos usuários de AASs, enquanto apenas 0,3% da população controle apresentou esse evento, resultando em um risco três vezes maior no grupo exposto (HR ajustado: 3,00; IC95%: 1,67–5,39). De forma semelhante, a necessidade de revascularização miocárdica foi 2,95 vezes maior entre os usuários de AASs em comparação aos controles (HR ajustado: 2,95; IC95%: 1,68–5,18). 

O risco de tromboembolismo venoso também foi significativamente elevado nos usuários de AASs, com uma incidência mais de duas vezes maior do que nos controles (HR ajustado: 2,42; IC95%: 1,54–3,80). Além disso, houve um aumento expressivo na incidência de arritmias, especialmente fibrilação atrial e taquicardias ventriculares, com um risco 2,26 vezes maior no grupo exposto (HR ajustado: 2,26; IC95%: 1,53–3,32). 

Mas a “cereja do bolo” foi a relação entre AASs e cardiomiopatia, que foi ainda mais evidente. O risco foi aproximadamente nove vezes maior entre os usuários de AASs em comparação com os controles (HR ajustado: 8,90; IC95%: 4,99–15,88). A cardiomiopatia hipertrófica não obstrutiva foi a forma mais prevalente, sugerindo que essas substâncias induzem remodelamento cardíaco patológico. Por fim, o risco de insuficiência cardíaca foi 3,63 vezes maior nos usuários de AASs  (HR ajustado: 3,63; IC95%: 2,01–6,55), reforçando que o uso dessas substâncias pode comprometer progressivamente a função cardíaca. 

Uma limitação importante do estudo foi, além do desenho observacional retrospectivo, a falta de informação individual a respeito de doses utilizadas e duração do uso dos AASs, que comumente é um fator limitante na análise de dose x resposta nos estudos acerca dos eventos adversos do uso de AASs. 

Insights a respeito dos resultados 

O estudo reforçou que o uso de esteroides anabolizantes androgênicos está fortemente associado a um aumento expressivo do risco cardiovascular, evidenciando que essas substâncias não apenas alteram a estrutura cardíaca, mas também predispõem a eventos clínicos graves, como infarto, insuficiência cardíaca e tromboembolismo. 

No Brasil, onde o uso de AASs é comum na população que frequenta academias, esses achados são altamente relevantes. A ampla disponibilidade dessas substâncias, muitas vezes adquiridas sem prescrição médica, torna essencial a implementação de estratégias de conscientização e regulamentação mais rigorosas, além do monitoramento clínico contínuo de indivíduos com histórico de uso de AASs e estratégias de mitigação de danos, além do suporte àqueles que desejam parar seu uso. Atualmente, programas da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) visam conscientizar a população, porém o impacto clínico dessas iniciativas ainda é muito baixo. Ainda, há o desafio da crescente desinformação propagada sobretudo nas redes sociais, muitas vezes por profissionais mal-intencionados, que abre margens para discussões ainda mais amplas sobre ética médica acerca do tema. 

Veja também: Estudo HAARLEM: os riscos do uso de esteroides anabolizantes

Conclusão e mensagem prática 

Estudos futuros devem investigar se a interrupção dos AASs pode reverter os danos estruturais e funcionais ao coração, além de explorar intervenções médicas para minimizar as complicações induzidas por essas substâncias. Porém, no momento, o que importa é a clareza de que seu uso não é isento de riscos e que ainda não há “formas seguras” de se fazer uso dessas substâncias. 

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Referências bibliográficas

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