A relação entre testosterona, saúde metabólica e qualidade de vida tem sido amplamente debatida, particularmente em homens com testosterona baixa mas sem hipogonadismo patológico. Há uma expectativa muito grande pelos pacientes em resolver diversos sintomas inespecíficos através da reposição de testosterona, sobretudo quando os níveis laboratoriais se encontram mais próximos do limite inferior, ainda que estudos até mesmo com indivíduos com testosterona abaixo do limite inferior sem sintomas sexuais falham em demonstrar benefícios claros na resolução de sintomas inespecíficos como fraqueza, cansaço e melhora global de qualidade de vida.
Um estudo publicado no Lancet em 2022, chamado T4D, investigou o impacto da reposição da testosterona em indivíduos com testosterona baixa (sem hipogonadismo) e seu efeito no metabolismo glicêmico, demonstrando que nesses indivíduos, houve redução do risco de evolução do pré diabetes para o diabetes. Contudo, tal evidência ainda não é suficiente para se recomendar a testosterona nesse cenário, visto a necessidade de se balancear benefícios e riscos e comprovação dos achados em populações mais heterogêneas.
Visto as lacunas na literatura sobre o tema, o mesmo grupo investigou os efeitos da terapia com testosterona, associada a um programa de estilo de vida, sobre a qualidade de vida e função psicossocial, em homens com risco elevado de diabetes tipo 2. O estudo também explorou se alterações nessas variáveis poderiam influenciar os desfechos glicêmicos. O estudo foi publicado no JCEM, jornal da Endocrine Society (ES) este ano.
Saiba mais: ACP 2024: Reposição de testosterona para o clínico
Métodos
O estudo foi uma análise secundária do estudo T4D, multicêntrico, realizado na Austrália, que originalmente incluiu 1007 homens com idade entre 50 e 74 anos, testosterona sérica ≤14 nmol/L (equivalente a 403 ng/dL), circunferência abdominal ≥ 95 cm, e tolerância à glicose diminuída ou diabetes tipo 2 diagnosticado recentemente. Os participantes haviam sido randomizados para receber 1000 mg de undecanoato de testosterona intramuscular ou placebo, a cada 3 meses, por dois anos, em combinação com o programa de estilo de vida WW (Weight Watchers). Dos 1007 participantes do T4D, 648 (64%) tinham dados sobre a função psicossocial e qualidade de vida e foram incluídos nesta análise secundária. Pacientes com diagnóstico firmado de hipogonadismo ou jovens com testosterona abaixo dos limites com sintomas de deficiência androgênica foram excluídos do estudo.
A avaliação incluiu diversas ferramentas como o SF-12 (componentes físico e mental da qualidade de vida), status social (MAC-1), mastery (controle percebido sobre a própria vida), SOC (coerência e resiliência psicossociais) e CES-D (quantificação de sintomas depressivos). As análises estatísticas utilizaram modelos lineares generalizados para avaliar mudanças ao longo do tempo e interações entre variáveis. Alterações no peso e circunferência da cintura foram avaliadas como fatores moduladores dos desfechos.
A população selecionada para esta análise secundária apresentou média de idade de 60 anos, peso médio de 108 kg, sendo 12% com IMC acima de 40 kg/m² e 30% com IMC acima de 35. Os níveis de testosterona foram estratificados como baixo (< 230 ng/dL), “intermediário” (230 a 317 ng/dL) e “alto” (entre 317 e 403 ng/dL), sendo que entre 5 e 9% estavam no grupo baixo, 18 a 24% no grupo intermediário e 71-73% no grupo “alto”, demonstrando que a grande maioria dos participantes de fato tinha testosterona normal. Cerca de 20% dos indivíduos tinham diabetes tipo 2 (DM2) e 80% tinham níveis glicêmicos de pré diabetes na randomização.
Resultados
Não houve diferenças significativas nos componentes físico e mental do SF-12, Mastery ou CES-D entre os grupos testosterona e placebo (P > 0,20). Melhorias transitórias no SOC (P-interação = 0,03) e MAC1 (P-interação = 0,04) foram observadas no grupo testosterona entre as semanas 54 e 78, mas não persistiram até o final do estudo, mostrando melhoras transitórias e não sustentadas em resiliência psicossocial e status social.
Uma observação muito interessante foi de que alterações na qualidade de vida de fato foram predominantemente associadas à perda de peso, independentemente do tratamento com testosterona ou não. Perdas de peso maiores (>10 kg) resultaram em melhorias significativas na saúde mental (SF-12 mental) e SOC, particularmente nos primeiros 6 meses do estudo. Uma redução de peso de 25 kg correspondeu a um aumento médio de 3 unidades no SF-12 mental.
Já com relação aos desfechos glicêmicos, não foi encontrada interação entre a terapia com testosterona, medidas de qualidade de vida e desfechos glicêmicos, como glicemia de jejum e teste de tolerância oral à glicose (OGTT). Isso sugere que os efeitos metabólicos observados no estudo original (T4D) foram mediados de fato por alterações na composição corporal, e não por mudanças psicossociais.
Considerações
Os resultados reforçam a importância da perda de peso como principal fator para melhorias na qualidade de vida e função psicossocial em homens com obesidade ou risco de diabetes tipo 2. As melhorias associadas à testosterona foram modestas e transitórias, levantando questões sobre o custo-benefício do uso de testosterona como terapia de longo prazo em populações sem hipogonadismo patológico. Os achados sustentam que intervenções de estilo de vida devem ser priorizadas no manejo de homens com testosterona baixa, mas sem hipogonadismo orgânico.
Vale lembrar que essas conclusões são baseadas em pacientes com alterações glicêmicas e não podem (nem devem) ser generalizadas para outras populações. Outro ponto é a análise post hoc de algumas das variáveis e o fato de não ter havido algum tipo de estratificação pela presença ou não de sintomas psicológicos antes do início do tratamento, o que pode ter “diluído” o efeito da reposição. Contudo, o dado ainda é interessante pois comprova que a mera reposição baseada em níveis de testosterona não agrega melhora na qualidade de vida.
Conclusão e mensagem prática
A terapia com testosterona, combinada com um programa de estilo de vida, mostrou benefícios limitados em sintomas relacionados à qualidade de vida e aspectos psicossociais, enquanto a perda de peso demonstrou impactos mais robustos e sustentáveis. Para homens obesos com risco de diabetes, uma abordagem holística focada na saúde física e mental, com ênfase em perda de peso, deve ser a prioridade terapêutica.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.