Logotipo Afya
Anúncio
Endocrinologia24 julho 2023

União Europeia promove análise de segurança da semaglutida e liraglutida 

Apesar de nos estudos de fase 3 da semaglutida não haver sinais de aumento de ideação suicida, o FDA colocou na bula do Wegovy um aviso.

Na última semana, diversas notícias apareceram na mídia nacional e internacional a respeito de uma possível associação das medicações Ozempic (semaglutida, NovoNordisk) e Saxenda (liraglutida, NovoNordisk) com um maior risco de ideação suicida ou automutilação. Tal preocupação se iniciou a partir do relato de três casos na Islândia, identificados pela agência reguladora Islandesa (uma espécie de Anvisa local), que motivou a análise pela European Medicines Agency (EMA), órgão de controle europeu.  

Leia mais: Novas possibilidades detratamento para risco cardiovascularresidual em diabetes

semaglutida

Fases de um estudo clínico e farmacovigilância  

Para compreendermos o ocorrido e gerarmos uma análise crítica, é fundamental entendermos quais são as fases de uma pesquisa clínica e porque pode se dizer que uma medicação pode estar constantemente “em estudo”.  

Além da fase pré-clínica, onde se avalia os efeitos em animais, propriedades farmacológicas, uma vez provado sua segurança e eficácia nessa fase a medicação passa para as fases clínicas, onde é testada em seres humanos. Na fase 1, a medicação é analisada em um grupo pequeno de pessoas com o objetivo de avaliar dados como segurança, tolerabilidade e farmacocinética.

Assim que aprovada, passa para a fase 2, onde uma quantidade maior de participantes é selecionada, com objetivo de avaliar segurança e também eficácia. As medicações consideradas seguras e com potencial de impacto positivo passam à fase 3 (cerca de um terço apenas). A fase 3 costuma ser publicada como um “ensaio clínico randomizado”, que costumamos ver em grandes revistas, mostrando dados do tratamento comparado com padrões já existentes ou placebo, analisando os resultados num grande número de participantes e permitindo maior compreensão sobre eficácia e segurança.  

Esses estudos são utilizados por exemplo para informações na bula, mas também para identificar contraindicações e eventos adversos mais frequentes. Contudo, ainda assim é possível que eventos mais raros não sejam identificados nessa fase. Após estudos de fase 3, é comum que as medicações sejam aprovadas para uso por órgãos como o FDA (Agência de regulação e vigilância dos Estados Unidos). 

Aí chegamos na fase final, a fase 4. A fase 4 engloba estudos de vida real, farmacovigilância e permite a análise de eventos que não foi possível identificar num estudo de fase 3. Também serve para ampliar as indicações da medicação, quando se observam outros efeitos que inicialmente não eram planejados. 

Basicamente podemos considerar que a análise da EMA faz parte do processo de farmacovigilância, onde dados de mundo real sugerem que é preciso ter atenção com eventos adversos específicos e suscitam uma investigação sobre possíveis efeitos não antes percebidos. É nesse “pé” que se encontra a situação. A EMA ainda considera que a análise deve englobar não apenas essas medicações, mas todos os agonistas de GLP-1. 

Vale lembrar que tal vigilância é crucial e a EMA também investiga atualmente a relação entre os agonistas de GLP-1 e câncer de tireoide.  

Tratamento antiobesidade  

Apesar de nos estudos de fase 3 da semaglutida não haver sinais de aumento de ideação suicida, o FDA colocou na bula do Wegovy (semaglutida 2,4 mg, ainda indisponível no Brasil) um aviso sobre a possibilidade de maior risco de ideação. A justificativa para tal medida é o background histórico de medicações antiobesidade e possíveis efeitos adversos neuropsiquiátricos.

Uma medicação chamada Rimonabanto (Acomplia), um agonista inverso de receptor endocanabinoide CB1, foi lançado em 2006 e retirado do mercado em 2008 devido ao maior risco de eventos psiquiátricos associados à medicação, porém naquela situação havia de fato um risco cerca de 2 vezes maior de ansiedade, depressão e ideação suicida. 

Posição das sociedades brasileiras (SBEM E ABESO)   

A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e a Associação Brasileira para Estudo Sobre a Obesidade (ABESO) divulgaram uma nota oficial conjunta explicando o procedimento realizado pela EMA, afirmando que os estudos de fase 3 não mostraram indícios de maior risco de ideação suicida e que de fato se trata de um procedimento de vigilância, ressaltando que no momento não há qualquer recomendação para interrupções em tratamentos. 

Como ficam o Ozempic e o Saxenda?  

Em suma, relatos de eventos adversos são geralmente feitos por médicos assistentes devido a eventos isolados observados. É um procedimento essencial, porém a simples observação de um evento não pode gerar qualquer conclusão sem uma minuciosa investigação, já que é muito difícil estabelecer uma relação causal em estudos de vida real. Podemos enfrentar diversos vieses e vários cenários se impõem como diferenciais para a situação:  

  • O evento ocorreu ao acaso; 
  • O evento está associado, porém de forma não causal. Por exemplo, indivíduos com excesso de peso na Islândia podem ter maior risco de ideação suicida que a população geral e também usam Ozempic. A causa não seria o Ozempic em si. 
  • O evento de fato está relacionado à medicação, mas apenas numa subpopulação de maior risco (o que também é importante, uma vez que podemos encontrar uma nova contraindicação à medicação, mas que não necessariamente implica na suspensão de seu uso para a população geral). 
  • O evento de fato está relacionado à medicação e o risco é maior para toda a população (o que geraria um debate sobre risco e benefícios do seu uso, dado que é uma medicação que em pacientes com diabetes já demonstrou redução de risco de eventos cardiovasculares incluindo morte por causas cardiovasculares).

Veja também: O impacto da obesidade nos resultados da histerectomia vaginal

Conclusão e mensagem prática 

Resumindo: a tarefa árdua dos órgãos de controle é o estabelecimento de uma relação causal, o que é fundamental para poder considerar que tais eventos são de fato gerados pela medicação. No momento, devemos ficar atentos a novidades, porém esse procedimento que está sendo realizado pela EMA é padrão dentro dos órgãos de fiscalização mundiais e não deve levar à interrupção do tratamento vigente no momento. 

Anúncio

Assine nossa newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Ao assinar a newsletter, você está de acordo com a Política de Privacidade.

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Referências bibliográficas

Compartilhar artigo