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Endocrinologia14 março 2025

Terapia com sistema híbrido em alça fechada em jovens com HbA1c elevada

Estudo avaliou a eficácia dos AHCL em um subgrupo específico de pacientes com diabetes tipo 1 de difícil controle

A introdução de sistemas automatizados de infusão contínuos de insulina (SICI) vem revolucionando o tratamento do diabetes tipo 1 (DM1), permitindo maior estabilidade glicêmica e redução da variabilidade da glicose, sobretudo com os sistemas fechados híbridos avançados (AHCL).  

Brevemente, sistemas em alça fechada, como por exemplo o sistema MiniMed 780g (Medtronic) e OMNIPod 5 (insulet) são capazes de fazer a programação da insulina basal de forma autônoma. Tais dispositivos são acoplados em sistemas CGMs (monitores contínuos de glicose intersticial) e, de acordo com o nível aferido, conseguem modular a taxa de infusão. A dose de bolus precisa ser ajustada de acordo com a contagem de carboidratos, realizada manualmente pelos pacientes. A modulação da taxa de infusão de acordo com os níveis de glicose é a grande diferença para os dispositivos comuns. 

Os dados advindos de ensaios randomizados a respeito dessa tecnologia normalmente advém de populações altamente selecionadas, com boa adesão ao tratamento e controle glicêmico relativamente adequado, o que não reflete a maioria dos indivíduos com DM1. Na prática clínica, grande parte dos adolescentes e jovens adultos com a condição não atingem as metas glicêmicas recomendadas, sendo que cerca de 80% dos indivíduos com essa condição apresentam níveis de HbA1c superiores ao ideal, o que os coloca em risco elevado para complicações crônicas. 

O impacto da hiperglicemia persistente nessa população é substancial, não apenas pelo aumento do risco de complicações micro e macrovasculares, mas também pelo impacto negativo sobre a qualidade de vida, saúde mental e carga emocional do tratamento diário. O DM1 está associado a altas taxas de burnout, ansiedade e depressão, o que pode comprometer ainda mais a adesão às terapias tecnológicas. Dessa forma, existe uma necessidade crítica de investigar se o AHCL pode beneficiar pacientes com HbA1c persistentemente elevada, explorando tanto os desfechos glicêmicos quanto o impacto psicossocial do uso dessa tecnologia. 

Para responder tal pergunta, foi elaborado um estudo com o objetivo de avaliar a eficácia dos AHCL em um subgrupo específico de pacientes com diabetes tipo 1 de difícil controle. Por sua relevância, o estudo foi publicado na Diabetes Care (ADA) e trazemos para discussão aqui, no portal. 

Métodos 

O estudo foi um ensaio clínico multicêntrico e randomizado, open label, conduzido em quatro centros especializados em diabetes pediátrico na Austrália, com duração de 24 semanas. O foco principal foi avaliar se a transição para um sistema fechado híbrido avançado (AHCL) poderia melhorar significativamente o controle glicêmico e os desfechos psicossociais em jovens com HbA1c persistentemente elevada. 

Para garantir que a amostra refletisse uma população de alto risco metabólico, os critérios de inclusão foram idade entre 12 e 25 anos, com diagnóstico de diabetes tipo 1 há pelo menos um ano, que já utilizavam bomba de infusão contínua de insulina (CSII) com ou sem monitoramento contínuo de glicose (CGM). O critério principal de seleção foram níveis persistentemente elevados de HbA1c (≥8,5%) nos últimos seis meses antes da randomização. Foram excluídos pacientes que apresentaram cetoacidose diabética (CAD) ou hipoglicemia severa nos seis meses anteriores, aqueles que já haviam utilizado previamente um sistema de loop fechado híbrido, indivíduos com doenças intercorrentes graves, gestantes e aqueles que não tinham capacidade de aderir ao protocolo do estudo. 

Ao final, a amostra incluiu 42 participantes, com idade média de 16,2 anos (DP ±2,5 anos) e tempo médio de diagnóstico do diabetes de 9,7 anos (DP ±4,2 anos). O nível médio basal de HbA1c foi de 9,8% (±1,1%), refletindo um estado crônico de descompensação glicêmica. 

Vários participantes já apresentavam sinais de complicações iniciais do diabetes, como neuropatia periférica leve e variabilidade glicêmica elevada. Além disso, o estudo identificou altos níveis de estresse relacionado ao diabetes, com pontuações elevadas no questionário PAID (Problem Areas in Diabetes), um indicativo da carga emocional significativa associada ao manejo da doença. 

Resultados 

Os participantes foram randomizados em dois grupos principais: 

  • Grupo AHCL: recebeu a terapia com sistema fechado híbrido avançado MiniMed 780G, que utiliza um algoritmo automatizado de ajuste da infusão de insulina e possui correção de glicose preditiva. 
  • Grupo controle (CSII ± CGM): continuou com o tratamento padrão, baseado na infusão contínua de insulina subcutânea convencional. 

O desfecho primário foi a variação da HbA1c após 24 semanas, enquanto os desfechos secundários incluíram mudanças no tempo na faixa glicêmica alvo (70–180 mg/dL), tempo em hiperglicemia (>180 mg/dL), tempo em hipoglicemia (<70 mg/dL), e variabilidade glicêmica e a avaliação psicossocial por meio de questionários validados sobre qualidade de vida, estresse e impacto do diabetes na rotina diária. ]

Leia mais: Quais condições clínicas podem interferir no resultado da hemoglobina glicada?

Sistema em alça fechada 

O sistema em alça fechada (AHCL) foi capaz de melhorar significativamente o controle glicêmico. A HbA1c no grupo AHCL caiu de 9,5% para 8,8%, uma redução estatisticamente significativa de 0,7% (p = 0,027). No grupo controle, a HbA1c permaneceu praticamente inalterada, variando de 10,0% para 9,9%. A diferença ajustada entre os grupos foi de -0,77% (IC 95%; -1,45 a -0,09). 

Os parâmetros do CGM revelaram melhora expressiva no tempo na faixa glicêmica alvo, que aumentou de 36,7% para 51,9% no grupo AHCL, enquanto no grupo controle houve um leve declínio. O tempo acima de 180 mg/dL foi reduzido em 17,7% no grupo AHCL, sem aumento significativo no tempo em hipoglicemia. 

Desfechos psicossociais 

Em relação aos desfechos psicossociais, não houve melhora estatisticamente significativa nos escores de ansiedade, depressão ou qualidade de vida, sugerindo que o uso do AHCL, por si só, pode não ser suficiente para reduzir o impacto emocional do diabetes. No entanto, o tempo de 24 semanas do estudo pode ter sido insuficiente para flagrar maiores impactos. 

O estudo também identificou desafios importantes na adesão ao sistema híbrido, com uma redução progressiva no tempo de uso do modo automático, que caiu de 83% no primeiro mês para 49% no sexto mês, indicando que a adaptação à tecnologia pode ser uma barreira adicional para esse subgrupo de pacientes. 

Conclusão e mensagem prática 

O estudo traz contribuições importantes sobre o papel do AHCL em populações de alto risco, destacando que, mesmo pacientes com grande descompensação glicêmica, podem se beneficiar da tecnologia. No entanto, a magnitude da melhora glicêmica foi inferior à observada em estudos prévios com pacientes menos descompensados, onde reduções de um a dois pontos percentuais na HbA1c foram registradas. 

O engajamento tecnológico é um fator crítico para o sucesso da terapia automatizada. No presente estudo, a adesão ao uso do sensor CGM e ao sistema AHCL ao final foi baixa, com apenas 49% do tempo efetivamente passado em modo automático ao final do acompanhamento. Isso sugere que, além da tecnologia, suporte educacional e psicológico são fundamentais para maximizar os benefícios desses sistemas. Tal fator pode ser visto de duas formas: primeiro, pode ter reduzido o impacto na diferença do controle glicêmico entre os grupos (que, apesar de presente, poderia ter sido maior, como discutido anteriormente), mas também abre para a discussão da dificuldade em se manter a aderência ao tratamento, mesmo em uso de uma tecnologia que possa auxiliar significativamente no controle do DM. Não foi abordado o motivo pelo qual os pacientes reduziram o uso do modo automático do AHCL. 

Este estudo traz mais evidências a favor do uso dos AHCL, que se demonstra como uma ferramenta valiosa para melhorar o controle glicêmico de jovens com diabetes tipo 1 e HbA1c persistentemente elevada, mas evidencia que barreiras comportamentais e emocionais continuam sendo desafios significativos. A expansão do acesso ao AHCL deve vir acompanhada de estratégias de suporte contínuo, abordando tanto aspectos clínicos quanto psicossociais, garantindo que essa população de alto risco possa atingir os benefícios esperados dessa tecnologia. 

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Referências bibliográficas

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