Logotipo Afya
Anúncio
Endocrinologia27 janeiro 2025

Tecido adiposo guarda memória epigenética mesmo após perda de peso

Estudo investigou como o tecido adiposo (TA) mantém uma memória epigenética da obesidade, mesmo após perda substancial de peso

A obesidade, uma das condições metabólicas mais prevalentes, está associada a comorbidades significativas e elevados riscos de saúde. Estratégias de manejo frequentemente incluem intervenções dietéticas, farmacológicas e cirúrgicas para alcançar a perda de peso e melhorar o estado metabólico. No entanto, a manutenção da perda de peso é um desafio devido ao efeito “sanfona”, no qual o peso perdido pode ser rapidamente recuperado.  

O efeito sanfona é esperado independentemente do método através do qual a perda de peso foi atingida quando esse método é interrompido, seja tratamento medicamentoso ou cirúrgico, motivo pelo qual, por exemplo, o balão gástrico é uma estratégia muito associada a tal efeito. Os motivos que levam a esse fenômeno não são completamente compreendidos, mas se sabe que a redução do metabolismo basal e o aumento do apetite são fatores intrinsecamente relacionados. 

Recentemente, foi publicado na Nature Endocrinology um estudo que investigou outro mecanismo: como o tecido adiposo (TA) mantém uma memória epigenética da obesidade, mesmo após perda substancial de peso, contribuindo para a recuperação ponderal e complicações metabólicas subsequentes. 

Utilizando técnicas de sequenciamento de RNA de núcleo único (snRNA-seq) e análises epigenéticas em humanos e modelos murinos, os autores demonstraram que alterações transcricionais presentes em adipócitos e outras células do TA de pacientes com obesidade persistiram mesmo após a perda de peso. O mesmo ocorreu com as modificações epigenéticas presentes em modelos murinos com obesidade, persistindo após a perda de peso. Esses achados fornecem evidências de que a memória obesogênica também é mediada por mecanismos epigenéticos que moldam a resposta futura às dietas ricas em gordura. Pela importância do estudo, trazemos aqui para discussão no portal. 

Métodos 

O estudo avaliou amostras de TA subcutâneo (scAT) e omental (omAT) de indivíduos com obesidade antes (T0) e dois anos após (T1) a cirurgia bariátrica, bem como de indivíduos magros como controles. Foram analisadas amostras do omAT de dez indivíduos magros e 13 com obesidade (as amostras advieram de dois estudos, o MTSS e o LTSS). 

Os critérios de inclusão dos indivíduos com obesidade incluíram a redução mínima de 25% do índice de massa corporal (IMC) após a cirurgia. Modelos murinos complementaram os achados humanos, avaliando a obesidade induzida por dieta rica em gordura (DRG) e subsequente normalização do peso com dieta padrão. 

Resultados 

Através de análises transcricionais, os autores mostraram que várias alterações genéticas associadas à obesidade permanecem desreguladas após a perda de peso em ambos os tecidos humanos e murinos. No omAT humano, genes metabólicos como IGF1, LPIN1 e PDE3A apresentaram expressão reduzida (log2FC > 0,5; p<0,01), refletindo comprometimento funcional, enquanto no scAT, genes relacionados ao metabolismo de ácidos graxos e estresse oxidativo, como DUSP1 e GPX3, mantiveram-se desregulados. 

Esses padrões, de acordo com os autores, indicam que a memória obesogênica persiste predominantemente nos adipócitos e células progenitoras adipocitárias (APCs), mesmo após perda substancial de peso. 

Nos camundongos, análises detalhadas de adipócitos epididimais (epiAT) confirmaram alterações epigenéticas persistentes em promotores de genes-chave, como Gpam e Cyp2e1, que apresentaram marcas epigenéticas repressoras (H3K27me3) ou ativas (H3K4me3), mesmo após a normalização do peso. Mais de 60% das alterações transcricionais observadas após a perda de peso estavam associadas a marcas epigenéticas. 

Os autores ainda observaram que adipócitos murinos previamente expostos à obesidade exibiram maior captação de glicose e palmitato em comparação aos controles, além de uma capacidade de diferenciação reduzida em resposta à insulina, indicando disfunção metabólica. Quando reexpostos a uma dieta rica em gordura, camundongos com memória obesogênica apresentaram ganho de peso acelerado e aumento da infiltração de macrófagos no tecido adiposo, com predomínio de macrófagos associados a lipídios e depósitos maiores de gordura epididimal e subcutânea, além de esteatose hepática. 

Considerações 

Os achados destacam que a obesidade deixa uma assinatura molecular duradoura no TA, especialmente nos adipócitos. A memória epigenética contribui para a desregulação persistente de vias metabólicas e inflamatórias, tornando os indivíduos mais suscetíveis ao ganho de peso e complicações metabólicas após a perda de peso. Tal fato pode contribuir para explicar a falha de intervenções dietéticas e farmacológicas a longo prazo e o alto índice de recuperação ponderal pós-dieta.  

Conclusão e mensagem prática 

Este estudo em modelos fornece evidências robustas de que a obesidade induz mudanças epigenéticas duradouras no tecido adiposo, que persistem mesmo após a perda substancial de peso. Essas alterações, que moldam a resposta metabólica futura, podem ser centrais para o fenômeno do efeito “sanfona”.  

A importância dessa pesquisa reside em descobrir novos caminhos para permitir que outros alvos terapêuticos que revertam tais alterações possam representar uma abordagem inovadora para melhorar os resultados do manejo da obesidade a longo prazo.

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Compartilhar artigo

Referências bibliográficas

Newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Anúncio

Leia também em Endocrinologia