A polineuropatia diabética (PND) é uma das complicações mais comuns relacionadas ao diabetes e acomete o sistema nervoso à nível de fibras nervosas finas e grossas, sendo definida segundo a Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) como dor resultante de anormalidades periféricas ou centrais. Clinicamente, manifesta-se com queimação, choques, pontadas e sensação de formigamento com piora noturna, comprometendo sono, humor e funcionalidade. O diagnóstico costuma ser essencialmente clínico e combina a anamnese, testes sensoriais e escalas validadas de dor.
O tratamento convencional da PND segue três pilares: controle metabólico intensivo, manejo de fatores de risco e terapias sintomáticas. Na prática, utilizamos antidepressivos tricíclicos ou inibidores da recaptação de serotonina, anticonvulsivantes como gabapentina ou pregabalina e analgésicos simples ou opioides em casos selecionados, todos com eficácia parcial e perfis de efeitos adversos relevantes. Estudos observacionais vêm sugerindo que a deficiência de vitamina D pode estar associada à fisiopatologia da dor neuropática, embora essa correlação ainda seja pouco compreendida.
Diante desse contexto, a revisão sistemática e metanálise em análise buscou responder à pergunta central: a suplementação de vitamina D reduz a dor na neuropatia diabética? Os autores avaliaram ensaios clínicos randomizados, comparados ao placebo, examinando como desfecho primário a intensidade da dor e como desfechos secundários os impacto sobre sintomas específicos da neuropatia, qualidade de vida e segurança.
Metodologia:
A metanálise seguiu o Cochrane Handbook e o protocolo PRISMA, com busca abrangente em múltiplas bases de dados. Foram incluídos exclusivamente ensaios clínicos randomizados com comparação por placebo em adultos com PND. Dos 73 estudos inicialmente identificados, apenas cinco preencheram os critérios de elegibilidade para a revisão, e quatro forneceram dados suficientes para metanálise. As principais razões para exclusão foram ausência de grupo controle adequado, desfechos incompatíveis ou desenho não randomizado.
Os autores abordaram os riscos de viés e identificaram problemas principalmente relacionados à ocultação da alocação e à ausência de duplo-cego em alguns estudos. A qualidade metodológica da revisão sistemática é classificada como moderada. Apesar disso, cumpriu adequadamente itens essenciais como busca abrangente, critérios claros de seleção e avaliação de risco de viés dos estudos incluídos.
Resultados e Discussão:
No total dos quatro estudos selecionados, foram incluídos 320 participantes com características basais semelhantes entre os grupos intervenção e placebo. Todos os ensaios recrutaram apenas indivíduos com deficiência de vitamina D, avaliados por escalas validadas (Escala Analógica Visual, Escala de Dor Neuropática e Pontuação de Sintomas de Neuropatia). As doses de suplementação variaram de 2000 UI/dia a 50.000 UI/semana, sempre por via oral. Em todos os estudos, a suplementação promoveu aumento significativo dos níveis séricos de vitamina D.
No desfecho primário, houve melhora consistente da dor neuropática no curto prazo (8–12 semanas). O efeito combinado mostrou redução moderada a acentuada da intensidade dolorosa, equivalente a cerca de 10–12 pontos em escalas usuais. No entanto, vale ressaltar que não houve estudos com pacientes apresentando níveis normais de vitamina D antes da intervenção, portanto não é possível concluir benefício universal, pois essa melhora ocorreu apenas em indivíduos com níveis deficientes. Os efeitos adversos não diferiram do placebo e não houve relatos de toxicidade.
A suplementação não demonstrou dados suficientes para conclusões sobre médio ou longo prazo, já que nenhum estudo ultrapassou 12 semanas. Ainda assim, os achados apontam potencial impacto na redução da dor, ganho de funcionalidade e possível melhora em qualidade de vida. Embora ainda frágil, a evidência é promissora e reforça a importância da triagem de vitamina D em pacientes com PND, grupo sabidamente de alto risco.
Conclusão:
A metanálise mostra que a suplementação de vitamina D reduz a dor neuropática em pacientes com PND e deficiência de vitamina D, com boa tolerabilidade e efeito clinicamente relevante no curto prazo. Contudo, as diretrizes nacionais e internacionais ainda não recomendam a suplementação universal como terapia analgésica específica devido à limitação dos estudos que em sua maioria são pequenos, heterogêneos e de curta duração. Mesmo assim, as evidências atuais sustentam a importância da avaliação rotineira dos níveis de vitamina D nesse grupo de pacientes, que pode se beneficiar do tratamento.
A suplementação de vitamina D não deve ser prescrita rotineiramente como analgesia para neuropatia diabética. Entretanto, considero apropriado suplementar em pacientes que apresentem deficiência, sobretudo aqueles com dor persistente apesar do tratamento convencional. Além do potencial benefício adjuvante no controle da dor, esses indivíduos frequentemente apresentam risco aumentado para doenças osteometabólicas, como a osteoporose, o que torna a correção da deficiência não apenas razoável, mas recomendada do ponto de vista endocrinológico.
Autoria
Paulo Melo
Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Ceará. Residência Médica em Clínica Médica pela Universidade Federal do Piauí e Residência Médica em Endocrinologia e Metabologia pela Santa Casa de Belo Horizonte. Possui título de especialista pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. É mestrando e professor da área de endocrinologia na Afya Educação Médica.
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