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Endocrinologia22 outubro 2025

Suplementação de selênio na tireoidite de Hashimoto: quais as evidências atuais?

A suplementação de selênio pode reduzir anti-TPO na tireoidite de Hashimoto? Veja o que mostram as evidências recentes.
Por Paulo Melo

O hipotireoidismo é caracterizado pela redução dos níveis séricos dos hormônios tireoidianos, sendo a tireoidite de Hashimoto (TH) sua principal etiologia em países com ingestão adequada de iodo. A TH é uma doença autoimune crônica marcada pela infiltração linfocitária da glândula, aumento dos níveis séricos de anticorpos antiperoxidase (anti-TPO) e antitireoglobulina (anti-Tg), o que resulta em destruição progressiva do parênquima tireoidiano. A prevalência global situa-se entre 1% e 2% da população, tendência também observada no Brasil. 

A etiopatogenia da TH é multifatorial, combinando predisposição genética e fatores ambientais. Entre esses últimos, a deficiência de selênio (Se) tem sido apontada como um possível modulador da resposta autoimune, visto que o mineral atua como cofator de enzimas antioxidantes, como a glutationa peroxidase, e deiodinases, essenciais à conversão dos hormônios tireoidianos. Apesar disso, a relação entre deficiência de Se e a patogênese do hipotireoidismo autoimune permanece incerta. 

Diante desse contexto, a revisão sistemática em análise teve como objetivo avaliar a eficácia clínica da suplementação de selênio em pacientes com tireoidite de Hashimoto, observando sua influência nos níveis séricos de anticorpos (anti-TPO e anti-Tg), parâmetros hormonais (TSH, FT3, FT4) e sintomas subjetivos de bem-estar. O desfecho primário foi a variação nos títulos de anti-TPO, e os secundários incluíram hormônios tireoidianos e efeitos adversos. 

Metodologia: 

A revisão seguiu as diretrizes PRISMA e incluiu 21 ensaios clínicos randomizados com 1.610 pacientes, após triagem de 761 estudos. Foram excluídos publicações duplicadas, revisões, relatos de caso e estudos com doenças sistêmicas ou uso prévio de selênio. Apenas ensaios clínicos randomizados com grupo controle placebo ou sem intervenção foram considerados. 

Os estudos abrangeram populações de diferentes países (China, Brasil, Irã, Itália, Alemanha, Polônia, entre outros) e utilizaram formulações variadas de suplementação: selenometionina, selenito de sódio e levedura enriquecida com selênio em doses médias de 200 µg/dia por 3 a 6 meses. 

Quanto à qualidade metodológica, a revisão mostra baixo risco de viés de publicação e adequada descrição dos critérios de randomização, embora nem todos os estudos tenham detalhado o cegamento. Seguindo os critérios AMSTAR 2, a qualidade geral da metanálise pode ser classificada como moderada, sem falhas críticas, mas com limitações na padronização laboratorial dos anticorpos e na avaliação de desfechos clínicos diretos. 

Resultados e Discussão: 

Os grupos intervenção e placebo apresentavam características semelhantes. A suplementação de selênio, especialmente na forma selenometionina, promoveu redução significativa dos níveis de anti-TPO após 3 e 6 meses e discreta redução do TSH aos 6 meses, sugerindo efeito benéfico na função tireoidiana. Já os níveis de anti-Tg diminuíram apenas no curto prazo e não mantiveram significância em períodos mais longos. Não houve diferença relevante nos níveis de FT3 e FT4, e a melhora clínica relatada limitou-se à percepção subjetiva de bem-estar e humor. 

Ao analisar de forma crítica os resultados, temos alguns pontos de atenção, pois é importante destacar que a maioria dos estudos não estratificou os pacientes conforme deficiência ou suficiência basal de selênio, o que dificulta generalizações e pode explicar parte da heterogeneidade dos achados. Além disso, a redução dos títulos de anticorpos não necessariamente reflete melhora clínica, já que a destruição folicular é mediada por linfócitos T e não apenas por autoanticorpos. Assim, a queda de anti-TPO deve ser interpretada com cautela, em conjunto com marcadores de função tireoidiana e sintomas do paciente. 

Embora os resultados sugiram benefício laboratorial, as diretrizes atuais não recomendam suplementação rotineira de selênio no hipotireoidismo autoimune, principalmente devido à estreita margem entre a dose terapêutica e o risco de selenose, com manifestações como alopecia, alterações ungueais e distúrbios neurológicos em doses superiores a 400–700 µg/dia. 

Conclusão: 

A metanálise reforça que a suplementação de selênio, particularmente na forma de selenometionina 200 µg/dia, pode reduzir títulos de anti-TPO e TSH em pacientes com Tireoidite de Hashimoto. Contudo, os efeitos sobre a função tireoidiana e sintomas clínicos permanecem incertos, e os estudos disponíveis carecem de padronização quanto ao status nutricional prévio de selênio. 

No Brasil, a deficiência do mineral não é habitual, logo a recomendação de suplementação oral não deve ser rotina. Estratégias dietéticas simples, como o consumo regular de 2 a 3 unidades de castanhas-do-pará, são suficientes para atingir a necessidade diária recomendada (55 µg), sem risco de toxicidade. 

A evidência atual não sustenta o uso sistemático de suplementos de selênio no tratamento do hipotireoidismo, mas sinaliza um campo promissor de pesquisa para casos selecionados, especialmente em populações carentes do micronutriente. A conduta deve continuar centrada na reposição hormonal com levotiroxina e em uma alimentação saúdavel com adequada distribuição de macro e micronutrientes, até que novos estudos comprovem impacto real sobre desfechos clínicos e qualidade de vida.

Autoria

Foto de Paulo Melo

Paulo Melo

Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Ceará. Residência Médica em Clínica Médica pela Universidade Federal do Piauí e Residência Médica em Endocrinologia e Metabologia pela Santa Casa de Belo Horizonte. Possui título de especialista pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. É mestrando e professor da área de endocrinologia na Afya Educação Médica.

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