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Endocrinologia20 julho 2025

Semaglutida até 16 mg: estudo mostra em qual cenário há maior eficácia

Este ensaio fornece uma contribuição importante ao demonstrar que há um limite para o ganho glicêmico com doses elevadas de semaglutida, Saiba mais.

O diabetes tipo 2 (DM2) e a obesidade são doenças crônicas interligadas que avançam de forma alarmante no cenário global. Ambas compartilham mecanismos fisiopatológicos comuns, e a obesidade é um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento do DM2. Frente a essa relação íntima entre as condições, o tratamento do excesso de peso passou a ser parte essencial no manejo da hiperglicemia, com impacto direto na redução do risco de complicações macro e microvasculares. 

Entre as classes terapêuticas disponíveis, os agonistas do receptor de GLP-1 se destacaram pela capacidade de promover simultaneamente controle glicêmico, perda ponderal e redução do risco cardiovascular. A semaglutida, particularmente, estabeleceu-se como uma das opções mais eficazes, com doses semanais de 1 mg já aprovadas para o tratamento do DM2 e doses de 2,4 mg/semana para o tratamento da obesidade. Estudos anteriores sugerem que existe uma relação dose-resposta tanto para a redução de HbA1c quanto para perda de peso — mas permanece a dúvida: até onde vale a pena aumentar a dose?  

Para responder esta questão, a Novo Nordisk, indústria responsável pela semaglutida, vem elaborando novos estudos para a investigação de doses mais altas de semaglutida e seu impacto no tratamento da obesidade e diabetes. Recentemente, foi publicado um estudo de fase 2 que buscou responder a essa pergunta, explorando o perfil de eficácia e segurança da medicação em doses que vão além daquelas atualmente aprovadas, chegando até 16 mg por semana. O estudo, por sua relevância, foi publicado no Diabetes Care, periódico da American Diabetes Association (ADA). 

Métodos do estudo

O estudo foi um ensaio clínico multicêntrico, randomizado, duplo-cego e controlado por placebo, conduzido em 82 centros nos Estados Unidos, Grécia, Hungria e Polônia, com o objetivo de avaliar os efeitos de diferentes doses de semaglutida (2 mg, 8 mg e 16 mg semanais) em adultos com diabetes tipo 2 e sobrepeso ou obesidade (IMC ≥ 27 kg/m²). Todos os participantes estavam em uso estável de metformina há pelo menos três meses, apresentavam HbA1c entre 7,0% e 10,5%, e tinham entre 18 e 64 anos. Ao todo, 245 indivíduos foram randomizados. 

O desenho do estudo previu um escalonamento progressivo da dose a cada quatro semanas até atingir a dose-alvo de cada grupo, com posterior fase de manutenção. A titulação não permitia modificações, atrasos ou reduções de dose em caso de intolerância. Isso refletiu diretamente na taxa de descontinuação, principalmente nos grupos de dose mais alta. 

Após o período de 40 semanas de tratamento, foram avaliadas duas abordagens analíticas: o estimand “treatment policy” (considerando todos os dados disponíveis durante o estudo, mesmo após uso de medicação de resgate ou descontinuação do tratamento) e o estimand “hipotético” (avaliando apenas os dados dos participantes que seguiram o tratamento como planejado, sem resgate). O desfecho primário foi a alteração da HbA1c entre o início e a semana 40, enquanto o desfecho secundário confirmatório foi a variação de peso corporal. 

A população do estudo refletia bem a realidade clínica de pessoas com DM2 e obesidade moderada a grave: idade média de 52,8 anos, peso médio de 110 kg, HbA1c de 8,3%, com mais da metade dos participantes apresentando IMC acima de 35 kg/m². A distribuição dos participantes entre os braços foi balanceada, e mais de 85% dos indivíduos completaram o estudo. 

Resultados

Os resultados revelaram um padrão claro: o benefício glicêmico da semaglutida parece atingir um platô a partir da dose de 2 mg/semana, enquanto a perda de peso continuou a se acentuar com doses mais elevadas. 

No desfecho primário, a redução média da HbA1c após 40 semanas foi de –1,8% com 2 mg, –1,8% com 8 mg e –2,1% com 16 mg no “estimand treatment policy”. A diferença entre 16 mg e 2 mg foi de apenas –0,3 pontos percentuais (não estatisticamente significativa). Já na análise “hipotética” (in trial), que exclui efeitos do uso de medicação de resgate, essa diferença subiu para –0,5 pontos percentuais, alcançando significância estatística (p = 0,015), mas ainda assim com impacto clínico modesto. Esses achados sugerem que, para o controle glicêmico, a dose de 2 mg já é altamente eficaz, e aumentar além disso traz ganhos apenas marginais. 

Por outro lado, a perda de peso apresentou uma relação mais linear com a dose. No estimand principal, a semaglutida 2 mg promoveu uma redução média de 7,3% do peso corporal, contra 8,3% com 8 mg e 10,8% com 16 mg (placebo: – 2,0%). Em termos absolutos, isso correspondeu a uma diferença de até 4,5 kg entre os grupos 16 mg e 2 mg (p < 0,01). A taxa de pacientes que perderam mais de 10% do peso corporal também foi significativamente maior nos grupos de dose alta. A modelagem de dose-resposta confirmou essa tendência, mostrando que, enquanto o efeito glicêmico se estabiliza, a perda de peso segue aumentando com a dose. Vale lembrar, para aqueles que estão estranhando os percentuais de perda relativamente mais baixos, que este foi um estudo de fase 2, com duração de apenas 40 semanas (enquanto estudos de fase 3 como os estudos STEP tem em média 70-80 semanas) e realizado em indivíduos com diabetes, que tendem a apresentar menores perdas ponderais. 

Essa dissociação entre efeitos glicêmicos e ponderais levanta uma hipótese fisiológica interessante: os mecanismos centrais que regulam o peso parecem requerer níveis mais elevados de exposição à semaglutida do que aqueles envolvidos no controle glicêmico. Isso pode estar relacionado a diferentes distribuições de receptores de GLP-1 no sistema nervoso central vs periférico. 

Contudo, os benefícios adicionais de perda de peso vieram acompanhados de aumento nos eventos adversos. As taxas de descontinuação por efeitos colaterais foram de 7% no grupo 2 mg, mas subiram para até 29% com 8 mg e 22% com 16 mg. Os efeitos mais comuns foram gastrointestinais (náuseas, diarreia, vômitos), especialmente nos primeiros meses de tratamento. Além disso, um achado inesperado foi o surgimento de disestesias (formigamento, sensações cutâneas anormais), relatadas em até 18% dos pacientes que usaram a dose de 16 mg — um efeito colateral não observado em estudos prévios com as doses convencionais da semaglutida subcutânea. 

Vale ressaltar que o esquema rígido de escalonamento, sem possibilidade de ajustes conforme a tolerância individual, pode ter contribuído para a menor adesão. Em estudos como o SUSTAIN FORTE e o STEP 2, que permitiram mais flexibilidade, a taxa de conclusão do tratamento foi superior a 88%. 

Do ponto de vista clínico, os dados são interessantes: o aumento da dose para além de 2 mg não se justifica com o objetivo principal de melhorar o controle glicêmico em pacientes com DM2, uma vez que os benefícios são limitados e o risco de eventos adversos aumenta. Por outro lado, em pacientes com obesidade significativa, especialmente aqueles com IMC elevado que não respondem adequadamente à dose de 2 mg, o aumento da dose pode ser uma estratégia razoável, desde que tolerado e monitorado de perto. 

Estudos de fase 3 com maior duração e titulação flexível já estão em andamento para investigar esse cenário com maior robustez (como o estudo NCT05649137, que avalia doses de 7,2 mg). 

Conclusão e mensagem prática

Este ensaio fornece uma contribuição importante ao demonstrar que há um limite para o ganho glicêmico com doses elevadas de semaglutida, e que os maiores benefícios ocorrem em relação à perda de peso, embora acompanhados por aumento de efeitos adversos gastrointestinais e neurológicos. Para a prática médica, ainda é necessário a confirmação dos dados em maiores estudos, de fase 3. 

No entanto, mesmo após estudos mais amplos, qualquer decisão nesse sentido deve ser embasada em avaliação de custo-benefício, risco de descontinuação, capacidade de adesão e perfil clínico do paciente. A semaglutida 2 mg já se mostra altamente eficaz para o controle da HbA1c e traz uma perda de peso clinicamente relevante para a maioria dos pacientes. Ultrapassar esse patamar deve ser reservado para casos específicos, com monitoramento próximo e individualização da titulação. 

Em suma, este estudo nos mostra que mais dose não é sinônimo de mais controle glicêmico — mas pode ser, sim, sinônimo de maior perda de peso, porém com maior incidência de eventos adversos. A tomada de decisão deve, portanto, considerar o equilíbrio entre eficácia, segurança e objetivo terapêutico prioritário em cada caso. 

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Referências bibliográficas

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