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Endocrinologia10 novembro 2025

Risco de retinopatia diabética ameaçadora à visão na gestação em pacientes com DM1

Gestantes com DM1 precisam de acompanhamento especial e este estudo publicado no Diabetes Care trata do risco de retinopatia diabética.

A retinopatia diabética (RD) é uma das principais causas de cegueira evitável em adultos jovens e constitui uma preocupação especial durante a gestação em mulheres com diabetes tipo 1 (DM1). O risco de progressão rápida da RD durante a gestação é um motivo histórico de preocupação, levando, no passado, até à recomendação de se evitar ou adiar a gravidez em casos de retinopatia proliferativa.  

A própria fisiologia da gestação, com aumento da resistência insulínica, maior variabilidade glicêmica e modificações hemodinâmicas contribui para o conceito. Estudos mais antigos, como o Diabetes Control and Complications Trial (DCCT), mostraram que a gestação poderia aumentar de 1,6 a 2,5 vezes o risco de progressão da RD em comparação a mulheres não grávidas, especialmente em contextos de controle glicêmico insuficiente. Entretanto, esses estudos tinham limitações significativas para conclusões nesse contexto, como amostras pequenas, populações não comparáveis e ausência de matching adequado por gravidade inicial da RD. 

Com o advento do controle glicêmico intensivo, do uso rotineiro de bombas de insulina, dos sistemas de monitoração contínua da glicose (CGM) e de programas nacionais de rastreamento, a evolução da RD em gestantes com DM1 passou a necessitar de uma reavaliação. Para endereçar tal lacuna, foi conduzido recentemente um estudo dinamarquês, publicado na Diabetes Care em 2025, que utilizou o grande Registro Nacional Dinamarquês de Retinopatia Diabética (DiaBase) para investigar se a gestação, em mulheres com DM1 acompanhadas dentro de um sistema de rastreamento universal e padronizado, realmente aumenta o risco de retinopatia ameaçadora à visão em comparação a mulheres não grávidas com o mesmo grau de doença ocular de base. Vamos ao estudo. 

Métodos do estudo

O estudo foi uma coorte retrospectiva, pareada e baseada em registros nacionais,  incluindo 1.041 mulheres grávidas com DM1 que deram à luz entre 2013 e 2022 e 1.041 controles não grávidas, cuidadosamente pareadas pelo nível basal de retinopatia. Todas as participantes faziam parte do programa de rastreamento de retinopatia diabética da Dinamarca, o qual possui cobertura quase total e alta confiabilidade (acordo interobservador de 93%). 

A duração mediana do diabetes era de cerca de 13 anos nas gestantes e 10 anos nas controles. O controle glicêmico pré-gestacional era significativamente melhor nas mulheres grávidas (HbA1c 7,4% vs. 8%, p < 0,001). A maioria apresentava ausência ou RD leve (57%) no início do acompanhamento, e cerca de 35% utilizavam bomba de insulina. 

Os pesquisadores avaliaram o risco de tratamento de RD ameaçadora à visão, definido como: 

  • Fotocoagulação panretiniana para RD proliferativa; 
  • Injeções intraoculares anti-VEGF para edema macular diabético (DME). 

A observação compreendeu o período de 36 meses antes da gestação até 36 meses após o parto, comparando-se as taxas de tratamento e progressão de RD com as de controles no mesmo intervalo. 

Resultados

Curiosamente, os resultados deste estudo atual mostraram que a gestação não aumentou o risco de RD ameaçadora à visão. Durante a gravidez, 1,2% das gestantes receberam tratamento com fotocoagulação panretiniana, comparado a 1,1% das não grávidas (OR 1,18; IC95% 0,53–2,66). No período pós-parto, as taxas foram 2,7% versus 2,9% (OR 0,93; IC95% 0,55–1,57). O uso de anti–VEGF para DME foi raro durante a gestação (<0,5%) e semelhante após o parto (1,4% vs. 1,2%, OR 1,25; IC95% 0,58–2,69). 

O risco ajustado de progressão para RD proliferativa também foi semelhante entre os grupos (HR ajustado 0,64; IC95% 0,32–1,31). Entre as gestantes, 24% apresentaram alguma progressão no grau da retinopatia, e 8% mostraram regressão, proporções comparáveis às observadas nas mulheres não gestantes. 

Um dado relevante é que as mulheres que necessitaram de tratamento a laser apresentavam diabetes de maior duração (mediana de 20 anos), níveis mais altos de RD no início e maior prevalência de edema macular (21,9%). Já o controle glicêmico, a idade e o uso de bomba de insulina não se associaram independentemente ao risco de necessidade de tratamento. 

A curva de HbA1c das gestantes mostrou uma queda expressiva durante a gestação — de 7,4% antes da concepção para 6,2% no segundo e terceiro trimestres — retornando ao patamar prévio cerca de um ano após o parto. Essa melhora rápida do controle glicêmico não se associou a aumento de risco de progressão da RD, sugerindo que a redução aguda da HbA1c em gestantes com DM1, quando bem manejada, não implica risco clínico significativo para complicações oculares. 

Pontos de atenção

Os resultados deste estudo contrastam com as evidências históricas que indicavam maior risco de progressão da RD durante a gestação. Ao utilizar uma coorte nacional ampla, pareada por nível de retinopatia e acompanhada por 36 meses após o parto, os autores mostraram que a gestação, em contexto de bom controle metabólico e acesso a cuidados oftalmológicos regulares, não aumenta o risco de RD proliferativa ou edema macular diabético que ameacem a visão. 

Os achados reforçam que os principais determinantes de progressão continuam sendo o nível de RD prévio e a duração do diabetes, mais do que a gestação em si. A HbA1c basal e o uso de bomba de insulina não foram preditores independentes. 

Outro aspecto importante é o impacto potencial dos avanços tecnológicos, como o uso dos CGMs, sistemas híbridos em alça fechada e educação, na estabilidade da RD durante a gestação. A Dinamarca, com um sistema universal de saúde e ampla cobertura de rastreamento, oferece condições ideais para observar o efeito dessas estratégias modernas de manejo. Ainda assim, os resultados sugerem que a conclusão é aplicável a populações com controle glicêmico médio ≤7,4%; em contextos de maior descompensação, o risco de progressão pode ser diferente. 

Do ponto de vista de saúde pública, os dados poderiam trazer implicações diretas sobre as recomendações de rastreamento de RD na gestação. Tradicionalmente, diretrizes como as da ADA, NICE e Diabetes Canada recomendam duas ou mais triagens oftalmológicas durante a gravidez e acompanhamento próximo no pós-parto. Contudo, apesar de interessante e servir como um ponto de maior tranquilidade, ainda necessitamos de muito cuidado para não generalizarmos tais dados para nossa população brasileira, onde a SBD recomenda o rastreio antes da gestação, a cada trimestre e após o parto. 

Conclusão e mensagem prática

Os resultados desse extenso estudo populacional reforçam a importância de individualizar o cuidado oftalmológico na gestação de mulheres com DM1. Em pacientes com controle glicêmico adequado e RD ausente ou leve, a gravidez não parece de fato representar um fator de risco adicional para retinopatia ameaçadora à visão, pelo menos num contexto de amplo acesso aos recursos em saúde e bom controle metabólico. Isso permite adotar uma abordagem mais racional e menos onerosa de rastreamento, sem comprometer a segurança materna nessas situações. 

Para a prática clínica, a principal mensagem é que o risco ocular durante a gestação parece depender mais do “status inicial” de alteração da retina do que da gestação em si. Mulheres que já possuem RD moderada ou grave continuam a demandar vigilância estrita e controle glicêmico rigoroso. Já aquelas com retina normal ou mínima alteração podem ser acompanhadas com menor frequência, priorizando-se o monitoramento metabólico intensivo e a prevenção global de complicações obstétricas. 

Novas evidências com dados nacionais podem ser muito bem vindas para entender se tais achados poderiam se estender para a população brasileira, potencialmente gerando recomendações mais brandas de rastreamento e maior tranquilidade para as próprias pacientes. 

 

 

Autoria

Foto de Luiz Fernando Fonseca Vieira

Luiz Fernando Fonseca Vieira

Endocrinologista pelo HCFMUSP ⦁ Telemedicina no Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE) ⦁ Residência médica em Clínica médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) - Faculdade de Medicina de Botucatu

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Referências bibliográficas

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