Restrição alimentar e exercício físico antes e durante a gestação

Com o aumento de doenças crônicas cardiovasculares, cresce também a preocupação do surgimento delas durante a gestação. Recentemente, foi lançado um artigo que visou avaliar se o efeito de algumas mudanças específicas de estilo de vida pré-gestacionais teriam impacto na redução da intolerância à glicose em pacientes com alto risco de desenvolver diabetes mellitus durante a gestação (Diabetes Mellitus Gestacional – DMG). 

Vamos ver o que o artigo nos trouxe de informações interessantes. 

Introdução 

O DMG é definido como hiperglicemia diagnosticada durante a gestação, afetando aproximadamente um a cada sete nascimentos ao redor do mundo. Alguns dos fatores de risco incluem elevado índice de massa corporal (IMC), ganho de peso excessivo durante a gestação, idade materna avançada, DMG em gestação prévia, histórico familiar de diabetes e etnia não europeia.  

O DMG, por sua vez, está associado com aumento de risco de complicações a longo prazo tais como surgimento de DM2, síndrome metabólica e outras doenças cardiovasculares. Para os fetos de mães com DMG, aumenta-se o risco de disfunções cardíacas ao nascimento, obesidade infantil e surgimento de DM2 no futuro. 

Sendo assim, o presente estudo visou avaliar se outras medidas menos convencionais de mudanças de hábitos teriam impacto glicêmico quando realizadas antes e durante a gestação. 

Foi levantada então a hipótese de que restrição alimentar combinada com exercício físico iniciado antes e continuado durante a gestação melhoraria a tolerância à glicose até a 28 semana de gestação em mulheres com risco elevado de desenvolver DMG. 

Metodologia 

O estudo ocorreu na Noruega, no período entre 2 de outubro de 2020 e 12 de maio de 2023, onde foram selecionadas 167 mulheres entre 18 e 39 anos com pelo menos 1 fator de risco para desenvolver DMG e que planejavam gestar.  

Critérios de exclusão envolviam: gestação em curso, tentativa de gestar há mais de 6 ciclos antes de entrar no estudo, trabalhos que incluíam plantões noturnos em pelo menos 2x na semana, hiperêmese gravídica prévia, doença cardiovascular bem estabelecida, atividade física intensa em pelo menos 2x/semana nos últimos 3 meses, hábito prévio de fazer restrição alimentar por pelo menos 12 horas e cirurgia bariátrica prévia. 

Após a exclusão, elas foram alocadas de modo randomizado (1:1) em grupo controle e grupo intervenção.  

O grupo intervenção consistia em exercícios+ tempo de restrição alimentar iniciados antes e continuados durante a gestação. Elas foram aconselhadas a restringir a janela de tempo diário de ingestão energética a menos de 10 horas, terminando no máximo às 19h por no mínimo 5 dias por semana. O programa de atividade física foi baseado na inteligência de atividade física pessoal, traduzindo a frequência cardíaca durante a atividade física em uma pontuação. Sendo assim, as participantes do grupo intervenção foram orientadas a receber > 100 pontos semanais durante o período de estudo. 

Resultados 

Das 167 participantes, 84 ficaram no grupo intervenção de 83 no grupo controle e no total 111 engravidaram (56 no grupo intervenção de 55 no grupo controle). 

As pacientes foram avaliadas duas vezes antes de gestar e duas vezes durante a gestação (semana 12 e semana 28). 

O principal desfecho analisado foi a medida glicêmica de 2h no teste de tolerância à glicose na semana 28 de gestação.  

Para surpresa do estudo, o grupo intervenção não teve efeito significativo na medida de 2h do teste de tolerância oral à glicose na semana 28 de gestação quando comparada ao grupo controle. Também não houve melhora significativa em outros parâmetros como: glicemia de jejum, insulina, Hba1c e índice HOMA-IR.  

No entanto, o grupo intervenção apresentou menor ganho de peso (diferença de 2kg a menos quando comparado ao grupo controle) e menos ganho de massa de gordura (diferença de 1,5kg a menos quando comparado ao grupo controle). A adesão ao tratamento do grupo intervenção também não foi elevada (42% no primeiro trimestre, 31% no segundo e 38% no terceiro). 

Discussão 

O presente estudo visou avaliar a combinação de tempo de restrição alimentar com plano de treinamento físico e seu impacto na saúde glicêmica de gestantes com risco elevado para desenvolver DMG. 

Ao contrário da hipótese levantada, tais medidas não impactaram de maneira significativa o perfil glicêmico dessas pacientes apesar do menor ganho ponderal apresentado no grupo intervenção. 

Como qualquer estudo, esse também contou com inúmeras limitações tais como: elevado nível social das participantes, o que pode ter gerado viés no entendimento de bons hábitos de vida. Além disso, a maioria era branca, o que impossibilitou a generalização dos achados para demais etnias. Também houve pouca melhora nos demais parâmetros metabólicos avaliados quando comparados ao grupo controle. E, por fim, provavelmente o tempo de restrição alimentar escolhido pelo estudo não foi suficiente para gerar impacto glicêmico relevante nas pacientes estudadas. 

Conclusão e mensagem prática 

A combinação de tempo de restrição alimentar e planos de treinamento físico que começaram antes e duraram durante a gestação tiveram impacto limitado sobre a tolerância à glicose em pacientes com alto risco de DMG. 

Apesar dos desafios com adesão à intervenção, o grupo intervenção apresentou menor ganho de peso e massa de gordura até a semana 28 quando comparados ao grupo controle. 

Há evidências de que o período pré-gestacional é o mais crucial para prevenção e intervenção das doenças metabólicas. No entanto, ainda faltam estudos que comprovem quais são as melhores estratégias que permitam maior adesão das pacientes para que as intervenções sejam bem-sucedidas.