Recentemente, no final de 2024, a American Diabetes Association (ADA) atualizou seu consenso sobre diabetes e direção, cuja última publicação havia acontecido em 2013. Diabetes e direção é um tema que é comumente esquecido, porém deve ser motivo de atenção não apenas aos endocrinologistas, mas a todos os clínicos e médicos de família que acompanham indivíduos com diabetes, visto a prevalência da doença na população geral e que boa parte desses indivíduos se encontra em fases ativas tanto do ponto de vista econômico como social, por vezes até mesmo tendo a direção como seu instrumento de trabalho.
O posicionamento traz sugestões e orientações interessantes com objetivo de garantir a segurança dos motoristas com diabetes e das pessoas ao seu redor. Ela também aborda os desafios clínicos e regulamentares nos Estados Unidos (EUA), deixando recomendações sobre as melhores práticas no tema para profissionais de saúde e até mesmo sugestões para legisladores.
Pela importância do tema e falta de literatura a respeito, trazemos uma revisão no portal sobre a publicação que, apesar de norte americana, claramente se aplica também à nossa realidade nacional.
Riscos relacionados ao diabetes para a direção
O primeiro tópico abordado (e mais importante) retrata os riscos relacionados ao diabetes para a direção. Os autores do documento visam deixar claro desde o início que o diabetes em si não é um problema e não devemos restringir tais pacientes de dirigir, afinal uma minoria vai ter fatores de riscos adicionais que podem comprometer sua segurança.
Mesmo esses pacientes não devem ter sua carteira de motorista suspensa indefinidamente, mas o objetivo na verdade é conseguir identificar os riscos para que sejam mitigados e resolvidos, na grande maioria dos casos.
Os principais riscos na direção relacionados ao diabetes podem ser divididos em 3:
- Hipoglicemia
É o principal fator de risco para acidentes, afetando reflexos e cognição. Crises graves podem levar a perda de consciência ou convulsões. Mesmo níveis intermediários podem impactar na capacidade de decisão, aumentando o risco de acidentes. Estudos mostram que episódios frequentes de hipoglicemia aumentam significativamente o risco de acidentes de trânsito.
2. Neuropatia periférica
A presença de neuropatia diabética periférica (NDP) pode afetar a sensibilidade dos pés e prejudicar o controle dos pedais. Além disso, amputações podem limitar fisicamente a capacidade de direção.
3. Retinopatia
Talvez a complicação mais óbvia e que não escapa da avaliação dos órgãos regulatórios seja a presença de retinopatia, influenciando na capacidade visual, diminuição da visão periférica e percepção de profundidade, que afetam de forma significativa a segurança na direção.
Além destas 3 variáveis importantes, os autores do consenso ainda chamam a atenção para o próprio impacto psicossocial causado pela ansiedade relacionada ao medo de novos episódios de hipoglicemia, que pode levar à redução da confiança para dirigir e à limitação da mobilidade.
Reduzindo os riscos
O consenso traz algumas recomendações para a redução de riscos relacionados à direção em pacientes com diabetes, visando sobretudo a detecção dos 3 grandes grupos de complicações relacionadas à maior chance de eventos adversos. É importante destacar a diferença da abordagem com fins regulatórios vs. a abordagem clínica. Enquanto a primeira tem um intuito mais restritivo, a segunda é voltada para a segurança do paciente e é potencialmente mais eficaz, ainda que não tenhamos disposição de grandes ensaios clínicos sobre o tema. Um fator apontado pelos autores é o medo de sofrer sanções (como por exemplo ter sua carteira de motorista confiscada), que pode levar o paciente a esconder a presença de hipoglicemias frequentes ou mesmo sintomas subjetivos de neuropatia, como alterações na sensibilidade.
Recomendações clínicas
- Monitoramento Glicêmico:
- Os motoristas devem verificar a glicemia antes de dirigir e durante viagens longas.
- Monitores de glicose contínuos (CGMs), são altamente recomendados, especialmente para pacientes com histórico de hipoglicemia grave.
- Monitorar é ainda mais importante para indivíduos que estão em terapias com maior risco de hipoglicemias, como insulinas ou secretagogos.
- Preparação antes de dirigir
- Devemos recomendar aos pacientes sempre levar carboidratos de ação rápida (ex.: suco, balas ou glicose) no veículo.
- Parar o veículo imediatamente ao perceber sinais de hipoglicemia, checar e corrigir os níveis de glicose e aguardar até a normalização.
- Nunca iniciar a direção com valores de glicemia abaixo de 70 mg/dL
- Reconhecimento da hipoglicemia
- Treinar e orientar os pacientes para reconhecer sinais de alerta precoce de hipoglicemia.
- Explicar diferentes formas de correção da mesma e só retornar à direção após resolução do quadro.
Políticas públicas
O consenso também traz algumas sugestões direcionadas aos possíveis órgãos regulatórios a respeito de como abordar motoristas com diabetes e seu risco para direção.
Para motoristas de veículos pessoais, não é necessário nos Estados Unidos a emissão de relatórios médicos formais para renovação da carteira, mas recomenda-se estabilidade glicêmica documentada. Porém é ressaltado que motoristas com complicações crônicas graves devem ser avaliados individualmente, considerando a suspensão temporária da direção em casos em que haja risco para o paciente ou outros indivíduos até pelo menos o motivo ser adequadamente avaliado e tratado.
Já para motoristas comerciais, a sugestão é de exigências regulamentares mais rigorosas, com estabilidade clínica obrigatória, relatórios médicos regulares e, em alguns casos, monitoramento mais intensivo. Nos Estados Unidos, o Federal Motor Carrier Safety Administration (FMCSA) supervisiona motoristas comerciais e estabelece critérios para segurança.
Conclusão e mensagem prática
O consenso da ADA sobre diabetes e direção é um recurso interessante para guiar a orientação de pacientes, profissionais de saúde e legisladores. Ao integrar estratégias clínicas, tecnológicas e educacionais, busca-se melhorar a segurança na direção e a qualidade de vida de pessoas com diabetes. Ainda, vale destacar que a ADA defende que as restrições à direção devem ser baseadas em evidências, evitando discriminação contra motoristas com diabetes. As diretrizes enfatizam o equilíbrio entre segurança pública e a autonomia dos pacientes, focando nas melhores práticas e recomendações capazes de mitigar danos.
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