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Endocrinologia8 outubro 2024

Obesidade sarcopênica em idosos

A obesidade sarcopênica chega a acometer cerca de 28% dos indivíduos com mais de 60 anos nos Estados Unidos da América (EUA).

A pandemia da obesidade não acomete apenas indivíduos jovens. Cada vez mais vemos o aumento de indivíduos na terceira idade com IMC elevado. Uma grande preocupação nessa faixa etária é a obesidade sarcopênica, uma vez que a perda da musculatura associada ao excesso de adiposidade, além de apresentar características fisiopatológicas próprias, promove um ciclo vicioso que frequentemente culmina na fragilidade e perda de capacidade funcional, além de todas as consequências ligadas ao excesso de adiposidade em si. 

A importância do tema vem ganhando espaço dentro do estudo da obesidade, tanto que em 2022 foi publicado um consenso a respeito do tema, visando a padronização de definições e síntese de evidências, o que pode auxiliar no desenho de futuros estudos e na abordagem do assunto de forma geral. 

O manejo da condição é desafiador, visto que recomendações comuns como a restrição calórica podem colocar em risco a preservação da musculatura resquicial e comprometer o processo de hipertrofia. 

Devido à importância desse tema cada vez mais visto na prática clínica, trazemos uma revisão sobre o tema que foi publicada recentemente na Nature Endocrine Reviews. O foco da revisão, de acordo com os autores, foram estudos como revisões sistemáticas e metanálises, ensaios clínicos e estudos observacionais abordando o tema em indivíduos idosos, com mais de 65 anos. 

obesidade em idoso

Importância clínica e fisiopatologia 

A obesidade sarcopênica foi definida pela primeira vez em 1996, como uma síndrome definida pelo aumento da adiposidade em concomitância à redução de massa muscular. A definição evoluiu para a incorporação da função muscular, sendo que a força muscular passou a fazer parte da sua avaliação. 

A situação é muito mais comum em idosos. Para se ter uma ideia da importância crescente do tema, a obesidade sarcopênica chega a acometer cerca de 28% dos indivíduos com mais de 60 anos nos Estados Unidos da América (EUA), com maior acometimento de populações específicas, como os hispanoamericanos.   

Os autores da revisão destacam que o esperado para um indivíduo com obesidade, de forma geral, não é ter sarcopenia, já que normalmente o excesso de peso é um dos fatores capazes de estimular síntese muscular e óssea através de mecanorreceptores. Porém, naqueles que se apresentam com sarcopenia, tais mecanismos estão por algum motivo atenuados, levando a apenas o acúmulo de gordura sem esse efeito.  

Leia mais: Obesidade sarcopênica: entenda o que é e como se manifesta

Dentro da fisiopatologia que leva a perda muscular durante o processo de ganho de peso, alguns merecem destaque: 

1. Dieta e estilo de vida 

Obviamente, dieta e estilo de vida desempenham um papel crucial também na obesidade sarcopênica. A sarcopenia promove redução do metabolismo basal, o que contribui para um ciclo vicioso entre hiperalimentação e baixo gasto metabólico (mesmo dietas “normais” em termos de calorias para um indivíduo com metabolismo preservado podem induzir ganho de peso se houver esse desequilíbrio entre consumo x gasto). O ganho de peso, por sua vez, leva a piora do desempenho físico, levando a um maior acúmulo de gordura.  

Não apenas a quantidade mas também o tipo de nutriente impacta na progressão da sarcopenia. Idosos comumente consomem menor quantidade de proteínas.  

2. Fatores genéticos 

Por mais que se postule que fatores genéticos, sobretudo poligênicos, possam influenciar na obesidade sarcopênica, o tema ainda carece de maiores evidências. Contudo, os autores pontuam que fenótipos musculares tem grande associação com herança genética, influenciando o risco individual de desenvolvimento da condição. 

3. Envelhecimento 

Logo a partir dos 30 anos de idade existe uma tendência a perda de massa magra, em cerca de 3-8%, devido uma redução tanto em quantidade de fibras musculares como em seu tamanho. Além disso, intensifica-se um processo chamado de mioesteatose, isto é, a deposição de gordura entre as fibras musculares (intermuscular) e também por acúmulo intramiocelular, o que promove também perda de “qualidade”, ou seja, piorando a composição muscular e sua função. Também soma-se ao fato uma perda da função neuromuscular, levando a redução no número de unidades motoras ativas e menor acoplamento excitação-contração. 

O tecido adiposo também sofre alterações durante o envelhecimento, havendo uma piora metabólica em termos de sua distribuição (aumento de gordura visceral), promovendo maior resistência insulínica. Ademais, há uma tendência natural à maior adiposidade, com aumento de forma global do tecido adiposo. 

4. Fatores hormonais 

O envelhecimento também promove mudanças hormonais sutis que, ainda que não configurem doença e sim façam parte do processo natural da idade, podem contribuir para a instalação da obesidade sarcopênica. Há uma queda natural em níveis de GH e IGF-1, além da testosterona em homens, que pode levar a perda de massa magra e menor síntese proteica. 

O aumento dos níveis séricos de hormônios catabólicos como cortisol, resultante de processos inflamatórios crônicos, também podem impactar a perda de massa magra, ainda que não existam critérios a partir dos quais se estabeleça um valor de corte ou uma condição clínica específica. 

Além dos “clássicos”, estudos demonstram também o papel da miostatina, elevada em indivíduos com obesidade sarcopênica. A miostatina é uma miocina capaz de levar a inibição do anabolismo muscular. Concomitantemente, a irisina, estimuladora do crescimento muscular, parece ter seu nível reduzido. Esse desequilíbrio parece fazer parte da fisiopatologia, ainda que não de forma 100% clara. 

5. Óxido nítrico 

O envelhecimento está associado a uma redução de níveis circulantes de óxido nítrico e menor fluxo sanguíneo muscular. Além de desempenhar um papel na vasculatura, o óxido nítrico exerce influência direta na resistência insulínica muscular, melhorando a sensibilidade insulínica tecidual. 

6. Perda de peso induzindo perda de massa magra 

Não é incomum que indivíduos com obesidade tenham passado por processos de perda de peso prévios nos quais houve uma perda intensa também de massa magra, classicamente em indivíduos que perderam muito peso (mais comumente observado na obesidade grau III).  

7. Imobilidade 

Sobretudo em idosos, pacientes com obesidade que enfrentam momentos de menor mobilidade como tratamento de doenças crônicas, quedas e fraturas, AVC, que podem desencadear fatores como resposta inflamatória crônica e estresse oxidativo, levando a perda de massa magra. 

Avaliação e diagnóstico 

A avaliação da condição é um desafio em si, visto a disponibilidade de diversos testes com poucos estudos de validação. O painel de 2022 estabelecido pela Sarcopenic Obesity Global Leadership Initiative (SOGLI), European Society for Clinical Nutrition and Metabolism (ESPEN) e European Association for the Study of Obesity (EASO) representou um avanço justamente por tentar padronizar as ferramentas a se utilizar durante o diagnóstico da obesidade sarcopênica. De forma didática, os autores da revisão sugerem uma abordagem estruturada, com base no painel: 

1. Screening 

Métodos de screening podem incluir o uso de métricas simples como IMC e circunferência abdominal e marcadores de sarcopenia (sinais clínicos e fatores de risco) como idade > 70a, doenças crônicas, doença aguda recente, fadiga e limitações funcionais, além de questionários para screening de sarcopenia, como o SARC-F ou SARC-calf, que inclui a medida da circunferência da panturrilha (que é um surrogate para massa muscular) 

É importante lembrar que métodos de screening podem ter limitações, visto que nem toda obesidade sarcopênica terá IMC elevado ou aumento da circunferência abdominal, por exemplo, mas sim uma alteração marcada da composição corporal com aumento de adiposidade e redução de massa e função muscular. 

2. Diagnóstico 

Após um screening positivo, o processo diagnóstico deve englobar dois passos sequenciais: avaliação da função muscular seguido pela análise da composição corporal. 

Para avaliação da função muscular, alguns testes funcionais podem ser empregados, tais como: 

  • Testes de força como handgrip 
  • Teste da cadeira (Chair stand test 30 seconds) 

Quanto à análise da composição corporal, os métodos que podem ser empregados são: 

  • Bioimpedância 
  • Densitometria de corpo inteiro (DEXA) 

O objetivo da avaliação da composição é a detecção de percentuais elevados de massa gorda (MG) e reduzidos de massa magra (MM). Nas situações onde tais métodos complementares não puderem ser realizados, medidas antropométricas podem ser empregadas, sobretudo a análise da circunferência da panturrilha: 

  • Medidas específicas para mulheres (< 33 cm) e homens (<34 cm) devem ser empregadas como valor de corte sugerindo sarcopenia; 
  • Após a medida, os valores obtidos devem ser corrigidos em pacientes com obesidade ou sobrepeso (para descontar a gordura), reduzindo em 3 cm se sobrepeso, 7 cm se obesidade grau I ou II e 12 cm se obesidade grau III. 

O painel de 2022 ainda recomenda a estratificação em estágio 1 para aqueles que não apresentam complicações e estágio 2 aqueles que tem alguma complicação atribuível à obesidade sarcopênica, tais como doenças metabólicas, incapacidade funcional, doenças cardiovasculares ou respiratórias, por exemplo. 

Veja também: Abordagem da obesidade em adultos

Manejo 

O manejo da obesidade sarcopênica representa outro ponto onde há maior necessidade de estudos. O tratamento comum da obesidade em si pode promover melhora da adiposidade, porém se realizado sem a associação de medidas nutricionais específicas ou atividade física, sobretudo resistida, pode agravar a perda de massa magra. Portanto, medidas que visem a proteção muscular e mesmo seu estímulo são essenciais no processo. 

Há poucos estudos que avaliam especificamente a população com obesidade sarcopênica, com evidências advindas sobretudo de análises Post-Hoc de grandes estudos realizados para obesidade de maneira geral. Dentre as evidências, destaca-se: 

  • Atividade física (resistida e aeróbica, HIIT) para promoção de melhora da qualidade e quantidade de massa muscular; 
  • Dieta: Déficits calóricos mais modestos (entre – 200 a 700 kcal/dia) com objetivo de perda moderada de peso (0,5 a 1 kg por semana ou 8-10% peso corporal após 6 meses) 
  • Ingestão proteica de 1,0 a 1,2g/kg/dia e ainda maior (1,2 a 1,5 g/kg/d) em indivíduos com comorbidades 
  • Terapias medicamentosas: O tratamento medicamentoso é extremamente útil. A perda de peso promove não apenas redução do tecido adiposo, mas também melhora o perfil de mioesteatose, impactando positivamente também a função muscular.  
  • Anabólicos: Há pouquíssimos dados de qualidade envolvendo o uso de testosterona nessa população e os estudos elaborados apontam para evidências conflitantes, sendo que alguns não encontraram associação entre a terapia de reposição e melhora da saúde muscular. Ainda carecemos de grandes evidências sobre o tema. O mesmo serve para o uso de moduladores seletivos de receptores androgênicos (SARMs), de forma que tais terapias não são indicadas no momento.  
  • Inibidores de miostatina: Essa classe de medicações é de grande interesse no cenário da obesidade sarcopênica, uma vez que pelo seu mecanismo de ação, pode promover até mesmo aumento da massa muscular. Uma medicação que vem sendo estudada é o Bimagrumab (um anticorpo bloqueador do receptor de ativina tipo 2B), que em estudos envolvendo indivíduos com mais de 70 anos com sarcopenia, se demonstrou capaz de melhorar parâmetros funcionais e massa magra. Outros estudos demonstraram também redução de adiposidade. Novas evidências futuras trarão luz à sua empregabilidade na prática clínica.  

Uma “regra” proposta para se acompanhar o processo de perda de peso saudável e adequado trazida pelos autores é o de “regra do um quarto de massa magra”, onde idealmente qualquer tratamento não promova uma perda de massa magra acima de 25% do peso perdido. Análises do STEP-1, estudo da semaglutida na obesidade, por exemplo, identificaram que a perda nos pacientes desse estudo ultrapassaram esse limite, com uma perda de massa magra de 38%, o que suscita a necessidade de maior atenção à preservação da massa muscular, sobretudo em indivíduos idosos. 

Perspectivas 

O tratamento da obesidade sarcopênica é um desafio, tanto em diagnóstico como em manejo. A padronização de critérios permitirá maiores estudos e evidências sobre o assunto. Hoje, na luz das evidências atuais, é fundamental que a população mais idosa com obesidade sarcopênica tenha uma abordagem personalizada, visando maior consumo de proteínas, déficits calóricos mais brandos e estímulo à atividade física, que frequentemente é esquecida nessa faixa etária. 

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Referências bibliográficas

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