A obesidade continua a crescer em proporções epidêmicas, afetando bilhões de pessoas e reduzindo significativamente a expectativa de vida global. A dificuldade de atingir e manter a perda de peso apenas com dieta e exercício levou ao avanço das terapias farmacológicas, entre as quais os agonistas do receptor de GLP-1 (glucagon-like peptide-1) transformaram o manejo clínico da obesidade e do diabetes tipo 2.
A semaglutida (agonista de GLP-1) já havia demonstrado em estudos prévios (como o STEP-1) reduções de peso em torno de 15% quando administrada na forma subcutânea semanal (2,4 mg). Mais recentemente, estudos com a formulação oral de alta dose (50 mg) num estudo de fase 2 (OASIS-1) demonstrou também um potencial significativo de perda de peso, levando a perdas médias de 15,1% em pacientes sem diabetes. No entanto, doses mais baixas poderiam oferecer uma alternativa equilibrada entre eficácia, tolerabilidade e custo, sobretudo em regiões onde a adesão a regimes injetáveis é menor.
Para avaliar tal hipótese, foi elaborado o estudo OASIS-4, publicado no New England Journal of Medicine em setembro de 2025, que investigou a semaglutida oral 25 mg/dia em adultos com sobrepeso ou obesidade, sem diabetes, buscando verificar se essa dose intermediária manteria a eficácia ponderal com um perfil de segurança mais favorável. Pela importância do tema, trazemos o estudo para discussão no portal.
O estudo
O OASIS-4 foi um ensaio clínico fase 3, randomizado, duplo-cego, controlado por placebo, conduzido em 22 centros distribuídos por Canadá, Alemanha, Polônia e Estados Unidos. O estudo incluiu 307 adultos, com IMC ≥30 kg/m² ou ≥27 kg/m² com pelo menos uma comorbidade associada (hipertensão, dislipidemia, apneia obstrutiva do sono ou doença cardiovascular), clássico desse tipo de estudo.
Semaglutida oral 25 mg para tratamento da obesidade: novos dados!
Os participantes foram randomizados em proporção 2:1 para receber semaglutida oral 25 mg ou placebo uma vez ao dia, além de intervenções de estilo de vida (dieta com déficit calórico de 500 kcal e ≥150 minutos semanais de atividade física).
A população do estudo tinha idade média de 48 anos, com predomínio de mulheres (79%) e brancos (91%). O peso médio inicial era de aproximadamente 106 kg, com IMC médio de 37,6 kg/m² e a circunferência abdominal de cerca de 114 cm. Nenhum participante tinha diabetes diagnosticado; 47% apresentavam pré-diabetes e a média de HbA1c de toda a população era de 5,7%.
O escalonamento da dose seguiu um regime fixo: 3 mg nas 4 primeiras semanas, 7 mg nas seguintes, 14 mg até a semana 8 e 25 mg a partir da semana 12, mantida até a semana 64. Os pacientes ingeriam o comprimido pela manhã, em jejum, com até 120 ml de água, e aguardavam 30 minutos antes da alimentação. O estudo teve duração total de 71 semanas, incluindo 64 semanas de tratamento ativo e 7 de acompanhamento.
Os desfechos co-primários foram a mudança percentual no peso corporal e a proporção de pacientes com perda ≥ 5% do peso basal. Entre os desfechos secundários confirmatórios estavam as proporções de perda ≥ 10%, ≥ 15% e ≥ 20%, e a variação no escore de função física do questionário IWQOL-Lite-CT (Impact of Weight on Quality of Life — versão para ensaios clínicos).
Resultados destacam a perda média de peso em 13,6%
A perda média de peso atingida com a semaglutida oral 25 mg/dia foi de 13,6%, comparado a −2,2% com placebo (diferença: −11,4%; IC 95% −13,9 a −9,0; p<0,001).
A proporção de pacientes que atingiram diferentes metas ponderais foram as seguintes (comparadas ao placebo): ≥ 5% de perda: 79,2% vs 31,1%; ≥ 10%: 63,0% vs 14,4%; ≥ 15%: 50,0% vs 5,6%; ≥ 20%: 29,7% vs 3,3%.
A redução de peso foi consistente entre subgrupos de sexo, idade e IMC basal. Além da perda ponderal expressiva, a semaglutida oral 25 mg promoveu melhoras metabólicas interessantes, como redução média de −12,2 cm na circunferência abdominal; Redução de triglicérides em 18% e da proteína C-reativa em 44%; Diminuição de −0,3% na HbA1c e de −7 mg/dL na glicemia de jejum (lembrando que eram indivíduos com pré diabetes ou normoglicêmicos).
Entre os participantes com pré-diabetes, 71% alcançaram normoglicemia ao final do estudo, comparado a 33% no grupo placebo — reforçando o potencial preventivo para diabetes tipo 2.
Já a função física, medida pelo IWQOL-Lite-CT, também melhorou significativamente: aumento médio de +16,2 pontos vs +8,4 no placebo (diferença: +7,7; p<0,001), com 55% dos pacientes apresentando melhora clinicamente relevante (≥14,6 pontos).
Perfil de segurança variável
Os eventos adversos ocorreram em 93% dos pacientes com semaglutida e 85% com placebo, sendo predominantemente gastrointestinais (náusea 46%, vômitos 31%, constipação 20%, dispepsia 18%). A maioria foi leve ou moderada e transitória, concentrando-se durante o escalonamento inicial. A descontinuação por eventos adversos foi 6,9% vs 5,9%. Não houve mortes, nem sinais de hepatotoxicidade ou eventos cardiovasculares graves. A disestesia, observada em 13% no OASIS-1 (50 mg), foi menos frequente com a dose de 25 mg/d (4,9%).
Conclusão e mensagem prática
O OASIS-4 mostra que a semaglutida oral 25 mg pode ser uma opção eficaz e prática para o manejo da obesidade, com resultados discretamente aquém das formulações subcutâneas, ainda que ainda não existam estudos de comparação direta. A redução média de 13,6% do peso corporal e o fato de um em cada três pacientes perder mais de 15% do peso reforçam a potência terapêutica dessa dose, com uma tolerabilidade superior à observada com 50 mg nos estudos de fase 2.
Do ponto de vista clínico, este estudo tem implicações diretas para a prática médica. A formulação oral, mesmo exigindo jejum matinal, amplia o acesso e a aceitabilidade dos agonistas de GLP-1, especialmente em contextos onde as injeções representam barreiras psicológicas, logísticas ou financeiras. O impacto metabólico — particularmente a conversão de pré-diabetes para normoglicemia — sugere que o fármaco pode atuar também na prevenção do diabetes tipo 2, uma prioridade em saúde pública, como mencionamos em alguns dos textos aqui do portal. Lembrando que este é o primeiro estudo de fase 3 com a semaglutida oral para tratamento para obesidade, reforçando o caráter até então off label do uso de doses menores com esse intuito.
Em termos de segurança, a semaglutida oral 25 mg manteve o perfil gastrointestinal previsível, sem novos sinais preocupantes. Isso reforça a viabilidade de introduzir esta dose como opção inicial ou intermediária para pacientes que buscam terapia oral antes de avançar para doses maiores ou formulações injetáveis. Vale lembrar a necessidade do jejum para a semaglutida, não exigida por exemplo pelo orforglipron.
O OASIS-4 mostra que estamos diante de uma nova fase na farmacologia da obesidade, marcada por medicamentos orais de alta eficácia, o que poderá transformar as estratégias de adesão e acessibilidade global.
Autoria

Luiz Fernando Fonseca Vieira
Endocrinologista pelo HCFMUSP ⦁ Telemedicina no Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE) ⦁ Residência médica em Clínica médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) - Faculdade de Medicina de Botucatu
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