A obesidade é reconhecida pela European Association for the Study of Obesity (EASO) como uma doença crônica, multifatorial e recidivante, caracterizada pelo acúmulo excessivo e/ou disfuncional de tecido adiposo. Esse excesso de gordura não é apenas um problema estético ou de balanço energético, mas representa um fator patológico que pode comprometer órgãos, gerar complicações metabólicas e cardiovasculares e reduzir a qualidade de vida. Nesse contexto, a EASO publicou este mês um novo algoritmo de tratamento farmacológico, fundamentado em evidências atualizadas até janeiro de 2025, com o objetivo de orientar a escolha de medicamentos para a obesidade de acordo com a presença ou ausência de complicações específicas.
O documento diferencia dois grandes eixos de complicações:
- Fat mass disease: condições resultantes do excesso mecânico de gordura, como apneia obstrutiva do sono (AOS) e osteoartrite de joelho.
- Sick fat disease: complicações decorrentes da disfunção metabólica e inflamatória do tecido adiposo, incluindo diabetes tipo 2, pré-diabetes, doenças cardiovasculares, insuficiência cardíaca e doença hepática gordurosa associada à disfunção metabólica (MASLD/MASH).
Estratégia em pacientes sem complicações
Nos pacientes com obesidade, mas sem complicações estabelecidas, o objetivo principal continua sendo a perda ponderal total, com impacto preventivo na redução do risco futuro de eventos clínicos. Entre os fármacos disponíveis, tirzepatida e semaglutida se destacam como as opções mais eficazes, alcançando perdas médias superiores a 10% do peso corporal em ensaios clínicos. Outros agentes, como fentermina–topiramato (não disponível no Brasil), liraglutida, bupropiona-naltrexona e orlistate, promovem perdas mais modestas e podem ser considerados em situações específicas ou quando o acesso aos medicamentos mais potentes não é viável.
Manejo em presença de complicações
Quando há complicações associadas, a escolha deve priorizar o fármaco com maior evidência de benefício direto sobre a condição clínica:
- Apneia obstrutiva do sono: apenas a tirzepatida demonstrou, em ensaio clínico dedicado, redução significativa do índice de apneia–hipopneia e maior taxa de remissão da AOS. É considerada primeira linha.
- Osteoartrite de joelho: estudos comparativos mostraram que a semaglutida promoveu maior redução da dor do que a liraglutida. Assim, a semaglutida é recomendada como primeira linha para pessoas com obesidade e osteoartrite.
- Pré-diabetes e diabetes tipo 2: tirzepatida, semaglutida e liraglutida reduziram significativamente o risco de progressão do pré-diabetes e aumentaram taxas de remissão do diabetes. Tirzepatida e semaglutida são primeira escolha, enquanto liraglutida e bupropiona-naltrexona ocupam posição secundária.
- Doença cardiovascular estabelecida: a semaglutida demonstrou redução significativa em eventos cardiovasculares maiores (MACE), sendo recomendada nesse grupo.
- Insuficiência cardíaca: evidências de ensaios sugerem que tirzepatida e semaglutida reduzem hospitalizações, tanto em fração de ejeção preservada quanto reduzida, embora ainda faltem dados robustos para recomendações mais detalhadas.
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- MASLD/MASH: até janeiro de 2025, apenas a tirzepatida mostrou impacto robusto na resolução de MASH e melhora da fibrose hepática. A semaglutida havia reduzido o conteúdo de gordura no fígado, mas sem benefício estatisticamente significativo em fibrose. No entanto, os autores destacam o estudo ESSENCE, publicado posteriormente, que demonstrou benefício também da semaglutida, aproximando seu perfil de eficácia ao da tirzepatida.
Considerações econômicas e de acesso
O documento reconhece que o custo elevado de fármacos como tirzepatida e semaglutida representa barreira importante ao acesso. Apesar disso, o impacto positivo no controle de complicações pode gerar economia em custos médicos diretos por paciente ao longo do tempo. A EASO ressalta que políticas de saúde devem considerar não apenas o custo do medicamento, mas também o custo de não tratar a obesidade em fases iniciais, o que leva a maior carga de doenças crônicas.
Perspectivas futuras
A EASO reforça que este algoritmo deve ser atualizado periodicamente, diante da rápida evolução das evidências. Além disso, sugere que, em breve, novas indicações podem surgir para o tratamento farmacológico da obesidade, incluindo doença renal crônica, distúrbios neurodegenerativos, síndrome dos ovários policísticos, certos tipos de câncer e condições de saúde mental. A decisão terapêutica deve integrar não apenas a presença de complicações e a eficácia dos fármacos, mas também fatores como preferências do paciente, comorbidades, contexto socioeconômico e expectativas pessoais.
Conclusão
O novo algoritmo da EASO representa um marco no tratamento da obesidade, ao enfatizar a necessidade de alinhar a escolha farmacológica não apenas ao objetivo de perda ponderal, mas também ao controle de complicações específicas. Tirzepatida e semaglutida destacam-se como protagonistas.
Autoria

Ícaro Sampaio
- Graduação em medicina pela Universidade Federal do Vale do São Francisco
- Residência em Clínica Médica pelo Hospital Regional de Juazeiro - BA
- Residência em Endocrinologia e Metabologia pelo Hospital das Clínicas da UFPE
- Título de Especialista pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia
- Médico endocrinologista no Hospital Esperança Recife e Hospital Eduardo Campos da Pessoa Idosa
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