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Endocrinologia6 novembro 2025

Monitores contínuos de glicose em pacientes com DMG: chegou a hora?

Quais as vantagens e desvantagens do monitoramento contínuo de glicose em tempo real em pacientes com diabetes gestacional?

O diabetes mellitus gestacional (DMG) afeta aproximadamente uma em cada sete gestações em todo o mundo, representando um dos distúrbios metabólicos mais prevalentes e com maior impacto sobre a saúde materno-fetal. Mesmo nas formas leves, a doença está associada a aumento do risco de pré eclâmpsia, parto prematuro, macrossomia, recém-nascidos grandes para a idade gestacional (GIG) e complicações neonatais, incluindo hipoglicemia e internação em unidade de terapia intensiva neonatal. O tratamento do DMG visa reduzir esses desfechos por meio de controle glicêmico rigoroso, tradicionalmente monitorado pela glicemia capilar realizada várias vezes ao dia. 

Com o avanço da tecnologia em diabetes, os sistemas de monitoramento contínuo de glicose (CGM) — especialmente os de leitura em tempo real — vem transformando o manejo da hiperglicemia em diversos contextos clínicos. Em gestantes com diabetes tipo 1, o estudo CONCEPTT demonstrou que o uso do CGM reduziu eventos neonatais adversos, validando essa ferramenta como uma forma mais precisa e dinâmica de avaliar a glicemia ao longo do dia. Entretanto, faltavam evidências robustas de eficácia do CGM em tempo real em gestantes com DMG, nas quais o tratamento geralmente não exige insulinoterapia intensiva, mas demanda vigilância contínua e ajustes dietéticos frequentes. 

Visando preencher esta lacuna do conhecimento, foi conduzido recentemente por Amy Valent e colaboradores um ensaio clínico randomizado (RCT) que teve como objetivo comparar a eficácia do CGM em tempo real (real-time CGM) versus o monitoramento convencional por glicemia capilar (CBG) no alcance de maior tempo em faixa-alvo de glicose (time in range, TIR) em gestantes com DMG. O racional central foi avaliar se a tecnologia permitiria um controle mais estável e preciso da glicemia durante a gestação, sem aumento do risco de hipoglicemia e com potencial impacto futuro sobre desfechos perinatais. O estudo, recentemente publicado no jornal Diabetes Care, é um dos destaques recentes da literatura em diabetes e por tal motivo, trazemos para discussão no portal. 

O estudo

O estudo foi um ensaio clínico randomizado, aberto e unicêntrico, realizado na Oregon Health & Science University (EUA), que incluiu gestantes com diagnóstico de DMG a partir da 20ª semana de gestação, de acordo com os critérios da IADPSG ou Carpenter-Coustan. As participantes foram randomizadas na proporção 2:1 para dois grupos: 

  1. Intervenção: uso contínuo do sistema de CGM Dexcom G6, com acesso aos dados em tempo real, associado à monitorização capilar complementar para segurança; 
  1. Controle: monitorização apenas com glicemias capilares (GC) quatro vezes ao dia, mas com uso de CGM “cego” (blinded) a cada 20 dias para coleta de dados comparativos. 

O desfecho primário foi o percentual de tempo dentro da faixa glicêmica de 60–140 mg/dL (TIR), calculado pela média das leituras do CGM desde a randomização até o parto. Desfechos secundários incluíram variação glicêmica, médias diurna e noturna, tempo acima e abaixo da faixa alvo, além de desfechos obstétricos e neonatais, como hipertensão gestacional, macrossomia e admissão na UTI neonatal 

Foram randomizadas 111 gestantes entre fevereiro de 2021 e junho de 2023, sendo 74 no grupo CGM e 37 no grupo GC. As duas coortes apresentavam características semelhantes: idade média de 33 anos, IMC pré-gestacional de 32–34 kg/m² e hemoglobina glicada de 5,3–5,4%. A maioria havia sido diagnosticada com DMG entre 20 e 24 semanas, e cerca de 50% já apresentava uso de farmacoterapia (metformina ou insulina) ao início do acompanhamento. 

Resultados

Os resultados mostraram que o uso do CGM em tempo real foi superior em relação à monitorização convencional. O tempo médio em faixa glicêmica (60–140 mg/dL) foi estatisticamente superior no grupo CGM (93 ± 6%) do que no grupo CBG (88 ± 14%), com p=0.027. Vale destacar que a dose total de insulina diária ou dose de metformina não foi diferente entre os grupos. 

O nível glicêmico médio de 24 horas foi também um pouco mais baixo no grupo CGM (103 ± 8 mg/dL) comparado ao CBG (109 ± 17 mg/dL, p=0.047). O ganho foi particularmente evidente durante o período diurno, com menor tempo acima de 140 mg/dL (6% vs. 12%, p=0.027), sem aumento do tempo em hipoglicemia (<60 mg/dL), que foi de apenas 0,7% em ambos os grupos. 

Embora não tenham sido observadas diferenças estatisticamente significativas nos desfechos obstétricos e neonatais, o grupo CGM apresentou uma tendência a menor glicemia em jejum e menor variabilidade glicêmica. A taxa de parto cesariano, prematuridade, peso ao nascer e incidência de recém-nascidos grandes ou pequenos para a idade gestacional foram semelhantes. O CGM foi bem tolerado: cerca de 30% das gestantes relataram irritação cutânea leve ou dificuldade com o sensor, sem eventos adversos graves. 

A análise por hora do dia demonstrou que o CGM proporcionou um controle mais estável e contínuo, reduzindo oscilações glicêmicas pós-prandiais e noturnas. 

Chegou a hora do CGM em pacientes com DMG?

O estudo de Valent et al. representa um passo importante no entendimento sobre o papel dos CGMs em pacientes com diabetes gestacional. Os achados são coerentes com estudos prévios em diabetes tipo 1 e sugerem que, também no DMG, o TIR pode se tornar um marcador mais sensível de controle glicêmico do que as medições pontuais da glicemia capilar de forma isolada. Além disso, ao capturar picos pós-prandiais e flutuações noturnas não detectadas pela aferição da glicemia capilar, o CGM pode ajudar a explicar a persistência de complicações perinatais mesmo em gestantes aparentemente bem controladas segundo critérios convencionais. 

Outro ponto de destaque é o potencial impacto do CGM sobre o engajamento e a educação da gestante. A visualização em tempo real das curvas glicêmicas permite compreender melhor a relação entre alimentação, atividade física e níveis de glicose, promovendo autonomia e adesão terapêutica. Contudo, o estudo também alerta para desafios práticos: quase um terço das participantes relatou algum grau de desconforto com o uso do sensor e sobrecarga de informações – o que ressalta a importância do suporte educacional e psicológico no manejo dessa tecnologia. 

Por outro lado, a diferença prática no controle glicêmico em si teve uma magnitude clínica muito pequena, apesar de estatisticamente significativa Além disso, não foram detectadas diferenças nos desfechos neonatais, ainda que isso possa decorrer devido ao tamanho amostral limitado, à curta duração do acompanhamento ou por fatores que restringem o poder estatístico para avaliar complicações menos frequentes, como macrossomia ou parto prematuro. Ainda assim, o estudo abre caminho para investigações maiores, desenhadas especificamente para correlacionar melhores métricas de CGM (como TIR, variabilidade e tempo acima da faixa) com desfechos materno-fetais. 

Conclusão e mensagem prática

Este estudo reforça que o monitoramento contínuo de glicose em tempo real é uma ferramenta eficaz e segura para o acompanhamento de gestantes com DMG. A utilização do CGM resultou em melhor controle glicêmico global e maior tempo em faixa-alvo, sem aumentar hipoglicemias, ainda que com um impacto pequeno e sem mudar desfechos obstétricos. 

Na prática clínica, esses resultados indicam que gestantes com DMG podem se beneficiar do uso do CGM desde o diagnóstico, dada a sua segurança e possíveis impactos positivos em controle glicêmico. 

 Contudo, claro, vale lembrar que trata-se de um estudo aberto, unicêntrico, com pequeno tamanho amostral, não replicado em outras populações e que usou um monitor real time – motivos pelos quais não devemos usar apenas esta evidência para já sair prescrevendo o uso de CGMs para todas as gestantes com DMG em nosso país. Pelo menos ainda. 

 

Autoria

Foto de Luiz Fernando Fonseca Vieira

Luiz Fernando Fonseca Vieira

Endocrinologista pelo HCFMUSP ⦁ Telemedicina no Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE) ⦁ Residência médica em Clínica médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) - Faculdade de Medicina de Botucatu

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