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Endocrinologia30 janeiro 2025

Medicações glutamatérgicas para transtorno obsessivo compulsivo

Revisão sistemática avaliou se as medicações glutamatérgicas melhoram os sintomas do transtorno obsessivo-compulsivo e transtornos relacionados
Por Tayne Miranda

Transtorno obsessivo-compulsivo e transtornos relacionados (TOCR) abrangem um espectro de condições neuropsiquiátricas caracterizadas por obsessões e compulsões excessivas e persistentes que acometem 2-3% da população dos EUAs. Fazem parte desse grupo o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), transtorno dismórfico corporal (TDC), transtorno de escoriação (skin-picking), tricotilomania e transtorno de acumulação, dentre outros. O tratamento padrão inclui o uso de inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), clomipramina e terapia cognitivo comportamental (TCC). No entanto, aproximadamente 60% dos pacientes não respondem aos ISRSs em monoterapia.  

A disfunção glutamatérgica, particularmente nos circuitos córtico-estriato-tálamo-corticais, tem sido cada vez mais implicada na fisiopatologia desses transtornos, tornando as medicações glutamatérgicas tratamentos promissores. N-acetil-cisteína (NAC) e memantina, por exemplo, têm mostrado potencial no tratamento do TOC. Nessa direção, a revisão sistemática com metanálise conduzida por Coelho et al. avaliou se as medicações glutamatérgicas melhoram os sintomas do transtorno obsessivo-compulsivo e transtornos relacionados. 

Saiba mais: Guideline de tratamento medicamentoso do Transtorno Obsessivo Compulsivo no adulto

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Métodos 

A revisão sistemática e metanálise seguiu a diretriz PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-analyses). As buscas foram realizadas no PubMed, Embase, PsycINFO, Web of Science e Cochrane Central Register of Controlled Trials em 16 de outubro de 2024, sem limite de data, focando em ensaios clínicos randomizados (ECRs), duplo cegos e controlados por placebo escritos em inglês. Não houve restrição de idade, gênero, sexo e refratariedade dos pacientes. 

Foram incluídos estudos com pacientes com TOCR segundo os critérios diagnósticos do DSM-5 avaliando medicações glutamatérgicas como agmatina, amantadina, D-cicloserina, dextrometorfano, escetamina, gabapentina, glicina, cetamina, lamotrigina, L-carnosina, memantina, minociclina, modafinil, NAC, pregabalina, riluzol, sarcosina e topiramato em monoterapia ou como estratégia de potencialização de ISRSs. 

A melhora nos sintomas foi avaliada usando as pontuações totais nas seguintes escalas: a Yale-Brown Obsessive Compulsive Scale (Y-BOCS) e sua variação, a Children’s Yale-Brown
Obsessive Compulsive Scale  (CY-BOCS), para sintomas de TOC e TDC; Massachusetts
General Hospital Hairpulling Scale  (MGH-HPS) para sintomas de tricotilomania; Skin Picking Scale ou  Y-BOCS modificada para escoriação neurótica (NE-YBOCS) para transtornos de escoriação e Saving Inventory–Revised para sintomas de acumulação. 

A melhora nos sintomas do transtorno obsessivo-compulsivo e transtornos relacionados (TOCR) foi medida pela diferença média padronizada (d de Cohen). A melhora nos sintomas do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) foi medida pela diferença média (redução nas pontuações da Yale-Brown Obsessive Compulsive Scale [Y-BOCS]). 

Resultados 

Foram incluídos 27 ECRs, abrangendo 1369 participantes com idade média de 31,5 (±7,8) anos, sendo 65,6% do sexo feminino. A maioria dos estudos (17 de 27) apresentou baixo risco de viés, sete apresentaram algumas preocupações relacionadas ao viés e três estudos foram categorizados como tendo alto risco de viés. Quinze estudos foram realizados no Irã, oito nos Estados Unidos, dois na Austrália, um no Brasil e um na Itália. Quatro estudos incluíram crianças e adolescentes. Vinte e três trabalhos estudaram TOC, dois tricotilomania e dois transtorno de escoriação. Dez estudos investigaram NAC, quatro memantina, três lamotrigina e riluzol, dois topiramato e uma amantadina, uma glicina, uma L-carnosina, uma minociclina e uma pregabalina. Os efeitos colaterais relatados nos estudos foram leves e associados ao uso de NAC (náusea e vômito, diarreia, dor de estômago e abdominal e pirose).  

Os 27 estudos foram incluídos na metanálise para avaliar sintomas de TOCR. As medicações glutamatérgicas mostraram um grande tamanho de efeito na melhora dos sintomas de TOCR na comparação entre o grupo intervenção (n=688) e o grupo controle (n=681) (d de Cohen = −0,80 [IC de 95%, −1,13 a −0,47]; P < 0,001, I²=88%; baixa certeza da evidência. As análises de subgrupos não indicaram diferenças significativas no tamanho de efeito por tipo de OCRD, população, refratariedade do TOCR, estratégia de potencialização, risco de viés ou tipo de medicação glutamatérgica. 

 Nos 23 ECRs específicos para TOC, os medicamentos glutamatérgicos demonstraram uma redução significativa nas pontuações do Y-BOCS (diferença média, −4,17 [IC de 95%, −5,82 a −2,52]; P<0,001; I²=88%; moderada certeza da evidência). As análises de subgrupos não indicaram diferenças por população, refratariedade do TOC, estratégia de potencialização, risco de viés ou tipo de medicação glutamatérgica.  

Discussão 

Os resultados estão em alinhados com o entendimento emergente do papel do sistema glutamatérgico na fisiopatologia do TOCR. Medicamentos glutamatérgicos podem modular a plasticidade sináptica e a excitabilidade neuronal aliviando os sintomas de TOCR. Foi demonstrado que o NAC aumenta os níveis de glutationa e modula o sistema glutamatérgico, reduzindo o estresse oxidativo. A memantina, um antagonista do receptor N-metil-D-aspartato, demonstrou diminuir a transmissão excessiva de glutamato nas vias corticoestriatais. A lamotrigina pode estabilizar as membranas neuronais e inibir a liberação de glutamato, enquanto o topiramato pode reduzir a hiperatividade neuronal por meio de seus efeitos inibitórios nos subtipos de receptores de glutamato ácido alfa-amino-3-hidroxi-5-metil-4-isoxazol propiônico e cainato. 

A análise sobre a estratégia de potencialização foi mais complexa porque muitos estudos permitiram que os participantes continuassem seus tratamentos prévios, dificultando conclusões definitivas sobre esse subgrupo. 

Leia também: Abordagem familiar no tratamento do transtorno obsessivo-compulsivo pediátrico

Limitações 

  • Tamanhos de amostra pequenos dos ensaios e número limitado de estudos para alguns subgrupos, como estudos com lamotrigina e topiramato; 
  • Inclusão somente de estudos em inglês; 
  • Efeitos dose-dependente não foram avaliados; 
  • Poucos estudos avaliando transtorno de escoriação e tricotilomania e nenhum estudo sobre transtorno dismórfico corporal e transtorno de acumulação; 
  • Não foram encontrados estudos que atendessem aos critérios de inclusão para medicações promissoras, como cetamina e troriluzol. 

Impactos para a prática clínica 

  • Medicações glutamatérgicas são promissoras como tratamentos no transtorno obsessivo-compulsivo e transtornos relacionados, particularmente no TOC;  
  • É necessária a realização de pesquisas com amostras maiores e abordando os efeitos dose-dependentes, subtipos adicionais de TOCR e outras medicações glutamatérgicas promissoras; 
  • Deve-se interpretar com parcimônia os resultados devido à alta heterogeneidade e as indicações de viés de publicação identificadas no estudo.

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Referências bibliográficas

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