A cirurgia bariátrica metabólica (CBM) é atualmente o tratamento mais eficaz e duradouro para obesidade grave, proporcionando melhora substancial em doenças associadas e aumento da sobrevida. Contudo, até 15% dos pacientes tratados com CBM apresentam perda de peso insuficiente ou reganho ponderal significativo, o que reduz os benefícios metabólicos e cardiovasculares esperados.
A principal estratégia utilizada nesses casos tem sido a revisão ou conversão cirúrgica, mas esse tipo de procedimento implica maior risco operatório, resultados de perda de peso menos consistentes e maior morbidade quando comparado à cirurgia primária.
Os medicamentos antiobesidade vêm evoluindo rapidamente e os efeitos de alguns deles já se aproximam daqueles vistos na CBM. A liraglutida, um agonista do receptor de GLP-1, já foi estudada em combinação com CBM em três estudos randomizados controlados (RCTs) prévios, em doses de 1,8 a 3 mg, mostrando perda adicional de até 8% do peso. Estes achados abrem a possibilidade de otimizar os resultados pós-cirúrgicos sem recorrer a novas intervenções invasivas.
O presente ensaio clínico, realizado por um grupo de pesquisadores australianos, teve como objetivo avaliar a eficácia e a segurança da liraglutida (3,0 mg/dia), em comparação ao placebo, no controle de peso e parâmetros de saúde em pacientes com resposta insuficiente à CBM. Os achados foram publicados no periódico JAMA Network Open, em outubro de 2025.

Métodos
Trata-se de um ensaio clínico randomizado, duplo-cego e unicêntrico, conduzido no Departamento de Cirurgia da Universidade Monash (Melbourne, Austrália). Foram incluídos pacientes com idade entre 20 e 65 anos, índice de massa corporal (IMC) > 35 kg/m², cirurgia bariátrica prévia com anatomia íntegra (banda gástrica ajustável – AGB, gastrectomia vertical – SG, bypass gástrico em Y de Roux – RYGB ou bypass gástrico em uma anastomose – OAGB), peso estável (variação <4 kg por 3 meses) entre 12 e 36 meses após a cirurgia e perda de peso total inferior ao esperado (5–12% após AGB ou 10–20% após SG/RYGB/OAGB). Foram excluídos pacientes com causas mecânicas de falha cirúrgica, uso prévio de agonistas de GLP-1, doenças graves (cardíacas, psiquiátricas, oncológicas) ou fatores de risco para pancreatite.
Os participantes foram randomizados (1:1) para liraglutida (até 3,0 mg/dia) ou placebo, autoadministrados por 12 meses, com titulação semanal da dose. Todos receberam acompanhamento nutricional e comportamental padronizado e avaliações mensais com equipe médica e de nutrição. O desfecho primário foi variação de peso corporal (%) aos 12 meses. Foram avaliados como desfechos secundários parâmetros metabólicos (glicemia, HbA1c, lipídios, pressão arterial, marcadores nutricionais), qualidade de vida, eventos adversos e necessidade de reoperação.
Resultados
Foram incluídos 48 pacientes (24 em cada grupo). A média de idade foi de 48,7 anos no grupo liraglutida e 43,6 anos no placebo; cerca de 90% eram mulheres. O tempo médio desde a cirurgia bariátrica até a inclusão foi de 1,6 anos. As intervenções cirúrgicas prévias incluíram AGB (n=21) e SG (n=27). Durante o seguimento, 5 pacientes do grupo liraglutida e 12 do grupo placebo não completaram o estudo, em parte devido a interrupções causadas pela pandemia de COVID-19 e pela indisponibilidade temporária do fármaco.
Aos 12 meses, o grupo liraglutida apresentou perda média de 5,7 kg, enquanto o grupo placebo ganhou 1,4 kg. A diferença média entre grupos foi de 7,1 kg (IC95% 3,9–10,3; p < 0,001). O efeito foi consistente nos diferentes tipos de cirurgia (AGB e SG).
Não houve diferença estatisticamente significante em parâmetros metabólicos e de qualidade de vida. A dose média utilizada foi de 2,43 mg/dia no grupo ativo. Cerca de metade dos participantes alcançou a dose plena de 3 mg, com boa tolerabilidade. Nenhum evento adverso grave foi relatado.
Conclusões
O estudo demonstra que o uso de liraglutida 3,0 mg/dia promove perda de peso adicional em pacientes que apresentam resposta insuficiente à CBM, sem comprometer segurança, estado nutricional ou qualidade de vida.
Esses resultados reforçam a utilização de terapias farmacológicas combinadas à cirurgia bariátrica, tanto para evitar reoperações quanto para potencializar a perda ponderal e o controle metabólico.
A magnitude do efeito (aproximadamente 7 kg a mais de perda em 12 meses) é clinicamente significante, especialmente considerando a segurança observada e a adesão adequada ao tratamento. Entretanto, este achado deve ser colocado no contexto atual do efeito dos análogos de GLP-1 para que sua real relevância clínica seja compreendida.
O estudo apresentou limitações de tamanho amostral e interrupções pela pandemia com perda de seguimento. Além disso, não foram avaliados pacientes submetidos a RYGB e OAGB, limitando a generalização dos achados.
Esses achados apoiam o uso de agonistas de GLP-1 como terapia adjuvante no manejo de falhas parciais da cirurgia bariátrica, potencialmente reduzindo a necessidade de conversão cirúrgica.
Em conclusão, o estudo contribui para demonstrar o papel da farmacoterapia antiobesidade no seguimento pós-CBM, sugerindo uma abordagem integrada e escalonada de tratamento da obesidade. Mais estudos prospectivos, com avaliação mais ampla dos diferentes tipos de intervenção cirúrgica e dos diversos análogos de GLP-1 disponíveis são necessários para delinear de maneira mais sólida o papel da terapia combinada.
Autoria

Fernando Giuffrida
Graduação em Medicina (1999) - Universidade Federal de São Paulo; Residência Médica em Clínica Médica e Endocrinologia (2002) - Universidade Federal de São Paulo; Titulo de Especialista em Endocrinologia e Metabologia pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia-SBEM (2002); Doutorado em Ciências (2008) - Universidade Federal de São Paulo; Pós-Doutorado no Joslin Diabetes Center/Harvard Medical School (2017-2019).VÍNCULOS ATUAIS: Preceptor do Programa de Residência Médica em Endocrinologia do Centro de Diabetes e Endocrinologia da Bahia (CEDEBA), Salvador-BA; Professor Adjunto da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e orientador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas (PPGFARMA) da mesma instituição; Professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Dom Pedro II (UNIDOMPEDRO), Salvador-BA; Professor do Curso de Medicina da Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC), Salvador-BA; Professor Colaborador e Orientador do Programa de Pós-Graduação em Endocrinologia da UNIFESP.
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