O diabetes tipo 2 (DM2) é uma doença crônica e multifatorial, associada a alterações metabólicas e psicológicas. A prevalência de depressão nessa população é cerca de duas vezes maior que na população geral, sendo um fator que piora a adesão terapêutica e, consequentemente, o controle glicêmico. Estudos clássicos como o Look AHEAD e o DiRECT Trial mostraram que uma perda de peso de cerca de 8 a 10% do peso corporal é capaz de reduzir sintomas depressivos e melhorar a qualidade de vida.
Nos últimos anos, o jejum intermitente ou time-restricted eating (TRE) ganhou força tanto entre pacientes quanto em diretrizes, inclusive sendo mencionado pela American Diabetes Association (ADA) como uma estratégia alimentar de interesse crescente no paciente com DM2. Apesar disso, ainda não temos certeza sobre seus efeitos em aspectos não metabólicos, como humor e qualidade de vida.
Nesse contexto, o estudo “Effect of Time-Restricted Eating Versus Daily Calorie Restriction on Mood and Quality of Life in Adults with Type 2 Diabetes” surge como uma análise secundária de um ensaio clínico previamente conduzido para avaliar perda de peso em diabéticos. O trabalho buscou determinar se o jejum intermitente de 8 horas diárias poderia promover melhora no humor, medido pelos questionários Beck Depression Inventory-II (BDI-II) e Profile of Mood States (POMS), e na qualidade de vida, avaliada pelo Rand SF-36, quando comparado à restrição calórica contínua (CR) e a um grupo controle sem intervenção.
Metodologia:
O estudo foi uma análise secundária de um ensaio clínico randomizado com 69 adultos com DM2 acompanhados por 6 meses. A randomização foi realizada em três grupos: jejum intermitente (TRE), restrição calórica (CR) e controle. Por se tratar de uma intervenção dietética, não foi possível o cegamento, o que é compreensível, mas constitui limitação metodológica inerente.
O grupo TRE realizou jejum diário de 16 horas (alimentação entre 12h–20h) sem contagem de calorias; o grupo CR seguiu uma dieta com redução de 25% do valor calórico estimado pelo método de Mifflin, orientado por nutricionista; e o grupo controle manteve a alimentação habitual. Ambos os grupos de intervenção receberam orientação nutricional conforme diretrizes da ADA, incluindo incentivo à ingestão de grãos integrais, proteínas magras e redução de açúcares simples. As perdas de seguimento foram mínimas, apenas seis, sem impacto nos resultados.
Os desfechos primários do estudo original eram peso e composição corporal; nesta análise, os desfechos secundários foram humor e qualidade de vida.
Resultados e Discussão:
Os participantes apresentavam média de idade de 56 anos, IMC de 39 kg/m², tempo médio de diabetes de 15 anos e demais características homogêneas entres os grupos. As pontuações basais do BDI-II indicavam depressão leve, e as escalas POMS e SF-36 sugeriam bom humor e qualidade de vida inicial adequada, o que pode ter reduzido o potencial de melhora a observado.
Após seis meses, houve perda de peso significativa no grupo TRE (−4,39 kg), apenas quando comparado com o grupo controle, mas sem diferenças entre TRE, CR e controle em relação aos escores de depressão, humor ou qualidade de vida. Nenhum grupo apresentou piora nesses parâmetros, e não foram relatados efeitos colaterais relevantes. Os autores interpretam que o impacto modesto na perda ponderal e o estado emocional já satisfatório dos participantes podem ter limitado a observação de benefícios adicionais.
Na prática clínica, esses achados reforçam a noção de que a melhora do bem-estar emocional em diabéticos está mais relacionada à magnitude da perda de peso do que à estratégia alimentar adotada. O ponto positivo do estudo é que o jejum intermitente se mostrou seguro, sem impacto negativo no humor, o que é relevante em uma população vulnerável ao estresse e à fadiga associada a dietas restritivas.
Conclusão:
De forma geral, o estudo teve um protocolo adequado, com bom acompanhamento e adesão, embora o número reduzido de participantes limite a detecção de diferenças sutis. Em relação aos desfechos analisados, o jejum intermitente e a restrição calórica diária não promoveram alterações significativas no humor ou na qualidade de vida de adultos com DM2. É possível considerar que a ausência de diferença ocorreu em virtude da pequena perda ponderal e ao bom estado emocional basal dos participantes.
Assim, a escolha entre jejum intermitente e restrição calórica deve ser individualizada, considerando idade, rotina, preferências alimentares e, principalmente, adesão a longo prazo, fator decisivo para o sucesso terapêutico. O TRE se mostra uma opção viável, segura e bom potencial metabólico, desde que bem acompanhada e adequada ao perfil do paciente.
Autoria
Paulo Melo
Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Ceará. Residência Médica em Clínica Médica pela Universidade Federal do Piauí e Residência Médica em Endocrinologia e Metabologia pela Santa Casa de Belo Horizonte. Possui título de especialista pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. É mestrando e professor da área de endocrinologia na Afya Educação Médica.
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