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Endocrinologia12 junho 2025

Insulina icodeca em pacientes DM1 e DM2: como funciona e quando usar

Entenda mais sobre a insulina icodeca: uma nova opção semanal para o tratamento do diabetes tipo 1 e tipo 2.

A insulina foi uma das maiores descobertas da medicina moderna, revolucionando o tratamento do diabetes desde 1921. Apesar das inovações ao longo do último século, os esquemas terapêuticos baseados em insulina ainda enfrentam desafios importantes: a necessidade de múltiplas aplicações diárias, o risco persistente de hipoglicemia, a variabilidade glicêmica e, sobretudo, a baixa adesão dos pacientes ao tratamento prolongado. Mesmo com o advento de análogos de ação prolongada, como a glargina e a degludeca, a administração ainda requer aplicações diárias e vigilância constante. 

Recentemente, duas novas formulações de insulinas semanais emergiram, a icodeca e a efsitora alfa, sendo que a primeira chegou recentemente ao mercado mundial, sendo aprovada pela Anvisa em março de 2025 para vendas também no Brasil, sob o nome de Awiqli. 

A icodeca tem como intenção melhorar a adesão e reduzir a complexidade do regime de tratamento, oferecendo controle glicêmico equivalente — ou superior — ao das insulinas basais diárias. Recentemente, foi publicado um artigo de revisão sobre essa nova insulina, abordando desde a base farmacológica da insulina, sua farmacocinética e farmacodinâmica, passando pelos principais estudos clínicos (incluindo os ensaios ONWARDS) e discorrendo enfim sobre aspectos práticos de dose, titulação, eficácia, segurança e implicações clínicas em pacientes com diabetes tipo 1 e tipo 2. Pela importância do tema e profundidade desta revisão, trazemos os seus principais pontos para cobertura no portal. 

Farmacologia e farmacocinética: a base do desenvolvimento 

A insulina icodeca foi projetada com o objetivo de alcançar uma liberação lenta e sustentada por sete dias. Para isso, foram incorporadas três modificações estruturais: substituições nos resíduos A14, B16 e B25 e a adição de uma cadeia lateral de 20 carbonos (um ácido icosanodióico, daí o nome “icodeca”) ligada ao aminoácido lisina na posição B29 (cadeia beta). Essa configuração promove forte ligação reversível à albumina, formando um “depósito inativo” que é liberado gradualmente na circulação. 

Outro fator crítico é a redução da afinidade ao receptor de insulina por meio da substituição de tirosina por histidina na posição B16, o que diminui a taxa de depuração mediada pelo receptor e prolonga ainda mais a meia-vida da molécula. O resultado é uma insulina com meia-vida estimada em 196 horas (cerca de 8 dias), atingindo concentrações plasmáticas estáveis após 3-4 semanas de uso contínuo. Os estudos mostraram uma distribuição relativamente uniforme da ação glicêmica ao longo da semana, com maior intensidade entre os dias 2 e 3, mas com diferenças marginais entre os dias. 

A insulina icodeca em pacientes com diabetes tipo 2 (dm2) 

A série de estudos ONWARDS (1 a 5) avaliou a insulina icodeca em pacientes com DM2 em diferentes cenários e com diferentes comparadores ativos. No estudo ONWARDS 1, com 984 pacientes, a icodeca promoveu uma redução de HbA1c superior à insulina glargina U100 (−1,55% vs −1,35%), com aumento significativo do tempo no alvo (TIR: 71,9% vs 66,9%) e controle glicêmico sustentado até 52 semanas, superando o resultado de não inferioridade e até mesmo demonstrando leve superioridade à glargina, ainda que de forma marginal. 

Os estudos ONWARDS 2 e 3 reforçaram a superioridade ou não-inferioridade frente à insulina degludeca em pacientes já em uso de insulina, com reduções semelhantes na HbA1c (−1,6% vs −1,3%) e ganho de peso levemente superior em alguns estudos (+1,4 a +2,8 kg com icodeca). 

A maior preocupação vem das hipoglicemias. A incidência de hipoglicemias clinicamente significativas (nível 2, < 54 mg/dL) variou entre os estudos, sendo semelhante ou discretamente superior com a icodeca. Um ponto trazido nas discussões de tais estudos é que para indivíduos com DM2, a taxa de eventos/pessoa/ano, apesar de discretamente superior no grupo icodeca, permaneceu < 1, o que sinaliza uma baixa quantidade global de eventos em ambos os grupos. 

Já no estudo ONWARDS 5, o uso da icodeca associado a um aplicativo de titulação digital demonstrou melhora na adesão e satisfação do tratamento, reforçando o potencial da tecnologia para personalizar e facilitar a insulinoterapia. 

Estudos adicionais avaliaram estratégias para transição de insulinas diárias para icodeca, demonstrando que o uso de uma dose de ataque (loading dose) ao iniciar a icodeca acelera o alcance do “steady state” sem aumento relevante de eventos adversos. O algoritmo de titulação semanal de 20 U com base na glicemia de jejum mostrou-se eficaz, com ajustes personalizados dependendo da resposta individual e risco de hipoglicemia. 

Outro estudo mencionado pelos autores da revisão avaliou três diferentes algoritmos de titulação semanal (±21 U, ±28 U e alvo glicêmico mais estreito). Embora os ajustes mais agressivos tenham oferecido um maior tempo no alvo (até 83%), também se associaram a maior risco de hipoglicemias, sugerindo que esquemas intermediários oferecem o melhor equilíbrio entre eficácia e segurança. 

Diabetes tipo 1: o estudo onwards 6 

O ONWARDS 6 foi o primeiro grande ensaio a testar a icodeca em pacientes com diabetes tipo 1 (DM1) em esquema basal-bolus, comparando-o à degludeca. Ambos os grupos mantiveram o uso de insulina prandial (asparte) e foram seguidos por 52 semanas. A icodeca demonstrou não inferioridade na redução de HbA1c (−0,47% vs −0,51%) e controle semelhante de glicemia de jejum e TIR (~59–61%). 

No entanto, observou-se maior incidência de hipoglicemias de níveis 2 e 3 com icodeca (19,9 vs 10,4 eventos por paciente/ano), especialmente nas primeiras semanas. Apesar disso, o perfil de segurança foi considerado aceitável e os resultados foram interpretados como promissores para o uso de icodeca em T1DM com protocolos bem definidos. Tal achado levou a icodeca a não ser liberada pelo FDA neste momento para pacientes com DM1 nos Estados Unidos; contudo, outros países como Japão, alguns países europeus e inclusive o Brasil liberaram seu uso tanto para DM2 como DM1. 

Posologia e titulação de doses 

A insulina icodeca é apresentada em canetas, com concentração de 700 U/mL, mantendo o volume de injeção semelhante às insulinas diárias convencionais. A dose padrão para pacientes virgens de uso de insulina com DM2 é 70U semanais, com titulação semanal de ± 20 U conforme média da glicemia de jejum nos 3 dias anteriores à aplicação. O racional é simples: se iniciaremos 10U bed time para um paciente que iremos insulinizar, a dose de 70U equivale a essa dose de 10U x 7 dias na semana, em uma única aplicação. 

Já para os pacientes que já utilizam insulina basal: 

  • A dose de manutenção equivale a 7x a dose diária basal usada; 
  • Recomenda-se uma dose de ataque de 10,5x a dose diária (7x + 50%) na primeira semana, com o objetivo de atingir o estado de estabilidade mais precocemente; 
  • Em pacientes com DM1, o protocolo é mais conservador, com ajustes adicionais de acordo com o uso prévio e valores de HbA1c (os autores da revisão não trazem a recomendação da dose de ataque adicional). 

Segurança, interações, reações adversas e considerações práticas 

Os eventos adversos mais comuns foram reações no local de aplicação, hipoglicemias leves e ganho de peso. A revisão traz um estudo que demonstrou até mesmo uma menor incidência de hipoglicemia graves comparada à glargina U100, ainda que exigisse maior tempo para recuperação com infusão de glicose — o que sugere hipoglicemias mais prolongadas, porém menos graves. 

Em termos de interações medicamentosas, a icodeca não apresenta interações farmacocinéticas relevantes, mas deve-se atentar para possíveis interações farmacodinâmicas com outros agentes hipoglicemiantes (agonistas de GLP-1, sulfonilureias, tiazolidinedionas, etc). Condições que alterem a albumina sérica, como doenças hepáticas ou síndrome nefrótica, podem teoricamente interferir em sua farmacocinética, embora isso ainda não tenha sido demonstrado clinicamente. 

Conclusões e perspectivas 

A insulina icodeca representa um avanço significativo na terapia insulínica, especialmente para pacientes com diabetes tipo 2. Com eficácia comprovada em múltiplos estudos clínicos e uma estratégia de administração que reduz o número anual de aplicações de 365 para 52, a icodeca tem potencial para melhorar a adesão, a satisfação do paciente e o controle glicêmico. Aguardemos resultados de estudos observacionais para entender se de fato essa nova insulina trará tal benefício em aderência. 

A possibilidade de combinar icodeca com agonistas do receptor de GLP-1 de aplicação semanal abre caminhos para esquemas terapêuticos altamente simplificados, com sinergia em controle glicêmico, peso e proteção cardiovascular. No entanto, sua introdução requer atenção a aspectos técnicos como dose de ataque, transição entre insulinas, estratégias de titulação e monitoramento de hipoglicemias. 

Em pacientes com diabetes tipo 1, contudo, ainda são necessários estudos mais prolongados e protocolos de ajustes refinados para confirmar sua segurança e efetividade, sobretudo em subgrupos com maior variabilidade glicêmica. 

Por fim, ao oferecer uma abordagem mais simples e também eficaz, a era das insulinas semanais parece ter vindo para ficar, inaugurando um novo capítulo no cuidado do diabetes. 

Veja também: Icodec: insulina semanal na busca do melhor tratamento do diabetes.

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Referências bibliográficas

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