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Endocrinologia19 julho 2025

Inibidores de SGLT-2 podem ser eficazes na doença hepática esteatótica metabólica

A grande maioria dos pacientes com DM2 segue sem tratamentos que modifiquem a história natural da doença hepática. Confira o que apresenta este estudo novo.

A Doença Hepática Gordurosa Associada à Disfunção Metabólica (MASLD), ou Doença Hepática Esteatótica Metabólica (DHEM, em português), já representa hoje a principal causa de doença hepática crônica no mundo. Em pessoas com diabetes tipo 2 (DM2), essa condição atinge proporções ainda mais alarmantes, afetando mais de dois terços dessa população.

O impacto não se restringe ao acúmulo de gordura no fígado: a coexistência de DM2 acelera a progressão para formas mais graves, com risco aumentado de descompensações hepáticas, desenvolvimento de carcinoma hepatocelular (CHC), necessidade de transplante hepático e morte relacionada ao fígado — os chamados eventos hepáticos adversos maiores, ou MALOs, além do aumento do risco cardiovascular e risco de piora metabólica. 

Embora haja avanços promissores com fármacos como os agonistas do receptor de GLP-1 em contextos específicos e também com o resmetirom, a grande maioria dos pacientes com DM2 segue sem tratamentos que modifiquem a história natural da doença hepática. Nesse cenário, os inibidores do cotransportador sódio-glicose tipo 2 (iSGLT2) podem ser candidatos interessantes. Reconhecidos por sua ação protetora cardiovascular e renal, esses agentes podem apresentar efeitos metabólicos benéficos como perda de peso (ainda que discreta), reduzem a pressão arterial, melhoram a resistência insulínica e possivelmente diminuem o conteúdo de gordura hepática. 

Contudo, até o momento, é incerto se a classe poderia conferir proteção contra eventos clínicos hepáticos graves. Para preencher essa lacuna, foi realizada uma meta-análise com dados de mundo real, reunindo coortes observacionais de pacientes com DM2 tratados com iSGLT2 e acompanhados ao longo dos anos. O estudo foi recentemente publicado na Diabetes Care, revista da American Diabetes Association (ADA). 

Métodos

A revisão sistemática com metanálise englobou dados de oito estudos de coorte retrospectiva com desenho apropriado — do tipo new-user, active comparator — totalizando mais de 626 mil indivíduos com DM2. Destes, 228.298 iniciaram o uso de iSGLT2 (dapagliflozina, empagliflozina ou canagliflozina), enquanto 397.806 foram tratados com outras classes de antidiabéticos, como inibidores de DPP-4, agonistas do receptor de GLP-1, metformina ou pioglitazona. Os pacientes foram seguidos por um período mediano de 2,7 anos, e nesse intervalo, foram registrados mais de 12 mil eventos hepáticos adversos maiores. 

A população era composta por adultos de meia-idade, com média de 58 anos, IMC geralmente entre 27 e 32 kg/m² e HbA1c variando de 7,5% a 8,2%. Quase metade dos participantes era do sexo feminino, e a maioria dos estudos foi conduzida em países como Reino Unido, Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul. O diagnóstico de MASLD estava presente no baseline em cinco estudos, enquanto dois incluíram exclusivamente pacientes com cirrose compensada. Ainda assim, o percentual de indivíduos com cirrose era baixo na maioria das coortes — em geral, inferior a 4%. 

Importante destacar que todos os estudos aplicaram técnicas de pareamento por escore de propensão ou métodos equivalentes para minimizar viés de confusão, ajustando para variáveis clínicas, demográficas, laboratoriais e uso de medicamentos. 

O desfecho primário da metanálise foi a ocorrência de MALOs — englobando descompensações hepáticas (ascite, encefalopatia, sangramento por varizes), CHC, transplante e óbito de causa hepática. Outros desfechos secundários específicos também foram analisados individualmente. 

Resultados

O uso de iSGLT2 foi associado a uma redução significativa de 17% no risco de desenvolver MALOs em comparação com outras classes de antidiabéticos (HR 0,83; IC95% 0,72–0,95). O maior benefício individual foi observado na mortalidade hepática, com uma redução de 36% (HR 0,64; IC95% 0,50–0,82). 

Embora os dados sobre CHC, transplante hepático e descompensações isoladas não tenham alcançado significância estatística em todas as análises, a tendência de redução de risco foi observada em todas essas categorias. O risco de CHC, por exemplo, apresentou uma tendência de redução, não estatística, de 26% (HR 0,74; IC95% 0,54–1,03). 

Ao estratificar os resultados de acordo com a classe comparadora, os iSGLT2 mostraram-se superiores aos iDPP-4 – HR 0,80 (IC95% 0,68–0,93); Metformina – HR 0,58 (IC95% 0,41–0,81) e até mesmo à pioglitazona – HR 0,76 (IC95% 0,72–0,81). Entretanto, não se observou benefício significativo em relação aos agonistas de GLP-1, cuja eficácia hepática foi semelhante, com tendência não estatística à superioridade (HR 1,07; IC95% 0,98–1,18). Esse achado reforça que ambas as classes podem ter papel relevante na proteção hepática, possivelmente com mecanismos complementares. 

Nas análises por subgrupos, os efeitos dos SGLT2i foram mais evidentes em estudos conduzidos no Reino Unido e na Ásia, e em coortes com tempo de seguimento inferior a 2,7 anos. Sexo, idade e presença de cirrose compensada na linha de base não modificaram significativamente os resultados. De modo geral, não houve sinal de viés de publicação. 

Conclusão e mensagem prática

Este estudo representa um marco importante na compreensão do potencial efeito hepatoprotetor dos ISGLT2 em indivíduos com DM2. Esta análise de dados de mundo real demonstra que tais agentes, já consagrados pela proteção cardiorrenal, podem também contribuir para a redução de eventos hepáticos graves em pacientes com DM2 — independentemente da presença ou ausência de MASLD conhecida. 

A redução de mortalidade hepática observada é particularmente impactante e pode ser relevante mesmo em pacientes sem cirrose, refletindo benefícios precoces sobre o fígado. Mas claro, tais dados antes devem ser reproduzidos em grandes estudos prospectivos, de preferência ensaios clínicos randomizados e controlados, visto que as evidências advém de uma metanálise de estudos retrospectivos e sujeitos a vieses específicos desse tipo de desenho. 

Os achados deste estudo, por fim, reforçam a visão integradora do tratamento do DM2. Mais do que controle glicêmico, as decisões terapêuticas devem considerar o risco cardiovascular, renal e, agora, hepático.

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Referências bibliográficas

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