O uso crônico de inibidores da bomba de prótons (IBPs) tornou-se extremamente comum na prática clínica devido à sua eficácia e perfil de segurança geralmente favorável. No entanto, nas últimas duas décadas, cresceram as evidências associando o uso prolongado desses fármacos ao aumento do risco de fraturas, principalmente em idosos. Embora esse risco tenha sido bem documentado em diversos estudos observacionais, o mecanismo fisiopatológico ainda é pouco claro, e as evidências sobre o impacto direto dos IBPs na densidade mineral óssea (DMO) permanecem inconsistentes. Nesse contexto, um estudo recentemente publicado no Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism (2025) traz contribuições relevantes ao avaliar não apenas a DMO, mas também a qualidade óssea microestrutural, por meio do trabecular bone score (TBS).
Este estudo transversal utilizou dados da coorte NHANES (2005–2008), representativa da população geral dos EUA, incluindo mais de 7.400 indivíduos adultos submetidos à densitometria óssea. O TBS, que é um marcador indireto da microarquitetura trabecular extraído da imagem de DXA da coluna lombar, foi calculado por software validado. Os autores compararam usuários crônicos de IBP (uso contínuo por ≥1 ano) com não usuários, estratificando as análises por sexo e ajustando os modelos para múltiplos fatores de confusão, incluindo idade, índice de massa corporal, comorbidades, uso de outras medicações (inclusive glicocorticoides e diuréticos), entre outros.
Os principais achados revelaram uma associação significativa entre o uso crônico de IBPs e pior perfil ósseo em homens, com reduções estatisticamente significativas tanto na DMO quanto no TBS. Mais importante, a associação entre IBP e menor TBS se manteve mesmo após ajuste adicional para a própria DMO, sugerindo que o efeito do IBP extrapola a perda de massa óssea e afeta a qualidade trabecular. Em contraste, não houve associação significativa em mulheres, independentemente do status menopausal.
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Do ponto de vista fisiopatológico, os autores discutem diversas hipóteses plausíveis para esse achado. A principal delas envolve a redução da absorção de cálcio em ambiente gástrico hipoclorídrico, levando a hiperparatireoidismo secundário e maior reabsorção óssea. Além disso, os IBPs podem interferir na absorção de magnésio e vitaminas do complexo B (B6, B9 e B12), afetando a formação do colágeno e a atividade osteoblástica. Mecanismos mediados por hipergastrinemia, com estimulação da atividade osteoclástica via histamina, também são cogitados. Estudos pré-clínicos sugerem ainda efeitos diretos dos IBPs sobre os osteoblastos e osteoclastos, promovendo apoptose celular e desbalanço na remodelação óssea.
Entre os pontos fortes do estudo, destaca-se a amostra populacional ampla. Além disso, o uso do TBS como marcador de qualidade óssea permite ir além da DMO, reconhecendo que fraturas podem ocorrer mesmo com densidade preservada. Outro mérito é a análise estratificada por sexo, aspecto frequentemente negligenciado em estudos anteriores. O ajuste para um número elevado de variáveis clínicas e laboratoriais também reforça a robustez metodológica do trabalho.
Por outro lado, algumas limitações devem ser consideradas. Por se tratar de um estudo transversal, não é possível inferir causalidade, apenas associação. Além disso, não houve dados sobre dosagem, tempo total de uso prévio ou adesão real ao IBP, nem sobre histórico de fraturas. Também não foi possível avaliar diretamente a incidência de fraturas, o que limita a aplicação prognóstica imediata dos achados.
Em resumo, este estudo reforça a preocupação com os efeitos ósseos do uso crônico de IBPs, especialmente em homens, ao demonstrar deterioração na densidade e na qualidade trabecular óssea. Para a prática clínica, esses dados sugerem que a prescrição de IBPs deve ser feita com critério, particularmente em homens com outros fatores de risco para osteoporose ou fratura. Quando o uso for indispensável, pode ser apropriado monitorar a saúde óssea de forma mais abrangente, incorporando medidas como o TBS na avaliação do risco esquelético.
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