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Endocrinologia11 dezembro 2025

Importância dos agonistas de GLP-1 na doença hepática esteatótica metabólica

Revisão mostra que agonistas de GLP-1 e duais melhoram inflamação e histologia na MASH, especialmente quando há perda de peso superior a 10%.
Por Paulo Melo

A Doença Esteatótica Hepática Associada à Disfunção Metabólica (MASLD) e sua forma inflamatória, a esteato-hepatite (MASH), são as representantes da obesidade à nível hepatometabólico. A MASH é definida por acúmulo excessivo de gordura hepática, gerando lipotoxicidade, inflamação e dano hepatocelular progressivo. Embora afete cerca de 5% dos adultos globalmente, sua prevalência é bem maior em indivíduos com diabetes tipo 2 (66,4%) e obesidade (34%), além de apresentar fibrose avançada mais comumente nesses grupos, um ponto que reforça a agressividade dessa condição metabólica. 

O seu tratamento se baseia principalmente em mudanças no estilo de vida e, até pouco tempo, as opções farmacológicas eram limitadas. A perda de peso continua é o determinante clínico mais robusto: reduções de 5–7% já melhoram a esteatose, enquanto ≥ 10% podem reverter a fibrose. Entretanto, alcançar e manter tais metas apenas com intervenção comportamental é um desafio na prática clínica. 

Os agonistas de GLP-1 e agonistas duais (GLP-1/GIP) emergem como alternativas promissoras, pois além de promoverem perda ponderal relevante, atuam em vias metabólicas que reduzem lipogênese, inflamação e estresse oxidativo hepatocelular. 

Metodologia: 

Uma revisão sistemática e metanálise de RCTs publicados até agosto de 2025 foi realizada com objetivo de esclarecer lacunas sobre o tema. Foram incluídos exclusivamente estudos em humanos com diagnóstico confirmado por biópsia hepática. A intervenção deveria ter duração mínima de 24 semanas e ser comparado com placebo. Estudos observacionais, análises pós-hoc, revisões e artigos sem dados completos foram excluídos. Após triagem de 1.681 publicações, apenas 6 RCTs (1.726 indivíduos) preencheram todos os critérios, o que demonstra a escassez de ensaios com metodologia ideal. 

Os estudos incluíram fármacos distintos (liraglutida, semaglutida, tirzepatida e survodutide), em diferentes doses e fases clínicas. Foram avaliados desfechos primários histológicos: resolução de MASH sem piora da fibrose, melhora da fibrose ≥ 1 estágio sem piora da MASH e o desfecho combinado (melhora de ambos). Entre os desfechos secundários: lipídios, transaminases, peso e eventos gastrointestinais. 

A avaliação metodológica sugere qualidade moderada, embora não exista fragilidades críticas, a consistência interna fica parcialmente limitada pela diversidade das intervenções. 

Leia mais: Tirzepatida na MASH

Resultados e Discussão: 

Os 1.726 participantes apresentavam características semelhantes entre estudos: idade média 54 anos, IMC médio 35,5 kg/m², 50% com DM2 e predomínio de fibrose em estágios F2–F3. Apesar da variação no tipo de agonista e na duração de seguimento, os resultados foram bastante consistentes. 

Com relação aos desfechos histológicos, os agonistas de GLP-1 e duais superaram amplamente o placebo na resolução da MASH (OR 4,51) e na melhora da fibrose ≥ 1 estágio (OR 1,78). O desfecho combinado mostrou eficácia ainda maior (OR 7,42). Entretanto, a melhora da fibrose somente se mostrou significativa em pacientes que perderam ≥ 10% do peso corporal, sugerindo que o efeito antifibrótico é majoritariamente indireto e mediado, principalmente, pela perda de peso. 

Nos desfechos secundários, lipidograma e inflamação hepática, os medicamentos reduziram significativamente TG e colesterol total, mas não reduziram LDL, exceto nos pacientes que atingiram ≥ 10% de perda ponderal. Enzimas hepáticas (ALT e AST) tiveram quedas expressivas, reforçando efeito anti-inflamatório hepático relevante. Dentre as drogas analisadas, semaglutida e tirzepatida, por induzirem maiores perdas ponderais, tendem a apresentar melhores resultados histológicos. 

Sintomas gastrointestinais foram mais frequentes no grupo tratado (OR 3,43), principalmente náuseas (41%), diarreia (30%) e vômitos (21%). As taxas de descontinuação por evento adverso variaram entre os estudos, sendo mais altas com survodutide (titulada rapidamente). São efeitos esperados e manejáveis, mas constituem obstáculo à adesão na prática clínica. 

Conclusão:

Fica ainda mais evidente que os agonistas de GLP-1 e duais melhoram de forma consistente a atividade inflamatória hepática e, particularmente quando há ≥ 10% de perda ponderal, promovem regressão da fibrose em pacientes com MASH. As limitações do estudo incluem número reduzido de ensaios disponíveis, heterogeneidade entre intervenções e tempos de seguimento, e variabilidade significativa nos tipos de agonistas utilizados. Ainda assim, os dados são coerentes e clinicamente relevantes. 

Os achados seguem a tendências das agências regulatórias, desde agosto de 2025, a FDA aprovou o uso da semaglutida especificamente para tratamento de MASH com fibrose moderada a avançada, impulsionada sobretudo pelos achados do estudo ESSENCE. 

A classe dos agonistas de GLP-1/duais está se consolidando como o eixo terapêutico central no tratamento da obesidade e de suas complicações metabólicas. No caso da MASH, representam um avanço real em um cenário antes restrito à mudança de estilo de vida. Ainda há lacunas, principalmente quanto às diferenças entre moléculas e seus efeitos diretos sobre fibrose, mas esses medicamentos foram os que mais impactaram o tratamento da doença hepática metabólica na última década. 

 

Autoria

Foto de Paulo Melo

Paulo Melo

Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Ceará. Residência Médica em Clínica Médica pela Universidade Federal do Piauí e Residência Médica em Endocrinologia e Metabologia pela Santa Casa de Belo Horizonte. Possui título de especialista pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. É mestrando e professor da área de endocrinologia na Afya Educação Médica.

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