A Doença Esteatótica Hepática Associada à Disfunção Metabólica (MASLD) e sua forma inflamatória, a esteato-hepatite (MASH), são as representantes da obesidade à nível hepatometabólico. A MASH é definida por acúmulo excessivo de gordura hepática, gerando lipotoxicidade, inflamação e dano hepatocelular progressivo. Embora afete cerca de 5% dos adultos globalmente, sua prevalência é bem maior em indivíduos com diabetes tipo 2 (66,4%) e obesidade (34%), além de apresentar fibrose avançada mais comumente nesses grupos, um ponto que reforça a agressividade dessa condição metabólica.
O seu tratamento se baseia principalmente em mudanças no estilo de vida e, até pouco tempo, as opções farmacológicas eram limitadas. A perda de peso continua é o determinante clínico mais robusto: reduções de 5–7% já melhoram a esteatose, enquanto ≥ 10% podem reverter a fibrose. Entretanto, alcançar e manter tais metas apenas com intervenção comportamental é um desafio na prática clínica.
Os agonistas de GLP-1 e agonistas duais (GLP-1/GIP) emergem como alternativas promissoras, pois além de promoverem perda ponderal relevante, atuam em vias metabólicas que reduzem lipogênese, inflamação e estresse oxidativo hepatocelular.
Metodologia:
Uma revisão sistemática e metanálise de RCTs publicados até agosto de 2025 foi realizada com objetivo de esclarecer lacunas sobre o tema. Foram incluídos exclusivamente estudos em humanos com diagnóstico confirmado por biópsia hepática. A intervenção deveria ter duração mínima de 24 semanas e ser comparado com placebo. Estudos observacionais, análises pós-hoc, revisões e artigos sem dados completos foram excluídos. Após triagem de 1.681 publicações, apenas 6 RCTs (1.726 indivíduos) preencheram todos os critérios, o que demonstra a escassez de ensaios com metodologia ideal.
Os estudos incluíram fármacos distintos (liraglutida, semaglutida, tirzepatida e survodutide), em diferentes doses e fases clínicas. Foram avaliados desfechos primários histológicos: resolução de MASH sem piora da fibrose, melhora da fibrose ≥ 1 estágio sem piora da MASH e o desfecho combinado (melhora de ambos). Entre os desfechos secundários: lipídios, transaminases, peso e eventos gastrointestinais.
A avaliação metodológica sugere qualidade moderada, embora não exista fragilidades críticas, a consistência interna fica parcialmente limitada pela diversidade das intervenções.
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Resultados e Discussão:
Os 1.726 participantes apresentavam características semelhantes entre estudos: idade média 54 anos, IMC médio 35,5 kg/m², 50% com DM2 e predomínio de fibrose em estágios F2–F3. Apesar da variação no tipo de agonista e na duração de seguimento, os resultados foram bastante consistentes.
Com relação aos desfechos histológicos, os agonistas de GLP-1 e duais superaram amplamente o placebo na resolução da MASH (OR 4,51) e na melhora da fibrose ≥ 1 estágio (OR 1,78). O desfecho combinado mostrou eficácia ainda maior (OR 7,42). Entretanto, a melhora da fibrose somente se mostrou significativa em pacientes que perderam ≥ 10% do peso corporal, sugerindo que o efeito antifibrótico é majoritariamente indireto e mediado, principalmente, pela perda de peso.
Nos desfechos secundários, lipidograma e inflamação hepática, os medicamentos reduziram significativamente TG e colesterol total, mas não reduziram LDL, exceto nos pacientes que atingiram ≥ 10% de perda ponderal. Enzimas hepáticas (ALT e AST) tiveram quedas expressivas, reforçando efeito anti-inflamatório hepático relevante. Dentre as drogas analisadas, semaglutida e tirzepatida, por induzirem maiores perdas ponderais, tendem a apresentar melhores resultados histológicos.
Sintomas gastrointestinais foram mais frequentes no grupo tratado (OR 3,43), principalmente náuseas (41%), diarreia (30%) e vômitos (21%). As taxas de descontinuação por evento adverso variaram entre os estudos, sendo mais altas com survodutide (titulada rapidamente). São efeitos esperados e manejáveis, mas constituem obstáculo à adesão na prática clínica.
Conclusão:
Fica ainda mais evidente que os agonistas de GLP-1 e duais melhoram de forma consistente a atividade inflamatória hepática e, particularmente quando há ≥ 10% de perda ponderal, promovem regressão da fibrose em pacientes com MASH. As limitações do estudo incluem número reduzido de ensaios disponíveis, heterogeneidade entre intervenções e tempos de seguimento, e variabilidade significativa nos tipos de agonistas utilizados. Ainda assim, os dados são coerentes e clinicamente relevantes.
Os achados seguem a tendências das agências regulatórias, desde agosto de 2025, a FDA aprovou o uso da semaglutida especificamente para tratamento de MASH com fibrose moderada a avançada, impulsionada sobretudo pelos achados do estudo ESSENCE.
A classe dos agonistas de GLP-1/duais está se consolidando como o eixo terapêutico central no tratamento da obesidade e de suas complicações metabólicas. No caso da MASH, representam um avanço real em um cenário antes restrito à mudança de estilo de vida. Ainda há lacunas, principalmente quanto às diferenças entre moléculas e seus efeitos diretos sobre fibrose, mas esses medicamentos foram os que mais impactaram o tratamento da doença hepática metabólica na última década.
Autoria
Paulo Melo
Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Ceará. Residência Médica em Clínica Médica pela Universidade Federal do Piauí e Residência Médica em Endocrinologia e Metabologia pela Santa Casa de Belo Horizonte. Possui título de especialista pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. É mestrando e professor da área de endocrinologia na Afya Educação Médica.
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