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Endocrinologia16 janeiro 2025

Impacto do uso de adoçantes no metabolismo glicêmico e na obesidade

Revisão narrativa abordou o impacto do uso de adoçantes não calóricos (NSS) no metabolismo glicêmico e na obesidade

Os adoçantes não calóricos (NSS, do inglês non-sugar sweeteners) são amplamente utilizados como substitutos do açúcar devido à sua capacidade de conferir sabor doce sem adição de calorias. Inicialmente promovidos como aliados no controle de peso e na melhora da homeostase glicêmica, os NSS têm gerado controvérsias crescentes devido às evidências conflitantes sobre seus efeitos no metabolismo.  

Apesar de alguns estudos demonstrarem impacto positivo no tratamento da obesidade (ainda que um resultado bem discreto), vários estudos apontam para efeitos negativos, evidenciando inclusive maior tendência a ganho de peso com o uso dos NSS. Além disso, o impacto do uso de tais substâncias no controle glicêmico também é alvo de discussão. 

Pela importância do assunto e devido à pandemia de diabetes e obesidade, é fundamental discutir sobre os NSS e seu papel no manejo dessas condições. Para isso, trazemos uma revisão narrativa sobre o assunto publicada recentemente na revista Cell Metabolism. 

Os NSS apresentam estruturas bioquímicas heterogêneas entre si. Independentemente de sua estrutura, os NSS, como o aspartame, sucralose, sacarina, stevia e outros compostos mais recentes como monk fruit e acesulfame-potássio (ace-K), ativam os receptores de sabor doce TAS1R2/TAS1R3. Estes receptores não estão apenas na língua, mas também no trato gastrointestinal, pâncreas e no sistema nervoso central, onde regulam mecanismos metabólicos como secreção hormonal e percepção energética. 

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Apesar de alguns desses NSS como o ciclamato, ace-K, sacarina e sucralose serem considerados “inertes” devido sua mínima absorção ou modificação (sendo eliminados na mesma forma molecular nas fezes ou urina), a presença dos receptores em outros tecidos e órgãos com os quais tais moléculas podem interagir levanta a hipótese da influência dessas substâncias no metabolismo. Os autores da revisão destacam os principais mecanismos onde os NSS podem influenciar: 

adoçantes

Secreção de Hormônios Intestinais

Embora os NSS não aumentem diretamente a glicemia plasmática, há evidências de que podem influenciar a secreção de hormônios intestinais, como GLP-1 (peptídeo semelhante ao glucagon 1) e PYY, que modulam saciedade e secreção de insulina. Entretanto, esses efeitos são inconsistentes entre os diferentes adoçantes e em comparação com a glicose. Em modelos animais, a sucralose induziu redução transitória na liberação de GLP-1 após a ingestão, sugerindo que a sinalização inadequada dos NSS pode afetar negativamente a homeostase glicêmica. 

Regulação da Sensibilidade à Insulina 

Outros estudos indicam que o consumo crônico de NSS pode interferir na sinalização da insulina e na resposta glicêmica, principalmente devido à interação com receptores intestinais e ao impacto na microbiota. Um estudo em humanos demonstrou que a sacarina foi capaz de alterar a resposta glicêmica em apenas 7 dias, aumentando a resistência periférica à insulina. 

Impacto dos adoçantes no metabolismo glicêmico: evidências publicadas 

A relação entre NSS e metabolismo glicêmico é uma das mais estudadas e debatidas na literatura. Embora os adoçantes não contenham calorias ou carboidratos, eles podem influenciar indiretamente o metabolismo da glicose. 

Dados de coortes populacionais sugerem uma associação positiva entre o uso frequente de NSS e resistência à insulina. Em um estudo de seis anos, consumidores regulares de bebidas adoçadas com NSS apresentaram risco 23% maior de desenvolver resistência à insulina em comparação a não consumidores (P < 0,01), mesmo após ajuste para fatores confundidores, como ingestão energética e índice de massa corporal (IMC). 

Em estudos controlados, os NSS não elevam diretamente os níveis de glicose plasmática no curto prazo. Contudo, ensaios clínicos randomizados de maior duração sugerem potenciais impactos negativos na tolerância à glicose. Um estudo duplo-cego randomizado (RCT) (n = 65) mostrou que a suplementação diária de sucralose por 12 semanas aumentou a área sob a curva de glicemia (AUC) após teste de tolerância à glicose em comparação ao placebo (P < 0,05). Já o aspartame, quando metabolizado em fenilalanina e metanol, demonstrou efeitos sobre vias glicorregulatórias no fígado em estudos animais, embora esses achados ainda necessitem de validação em humanos. 

Além disso, a microbiota intestinal desempenha um papel fundamental no metabolismo da glicose e há evidências robustas de que os NSS alteram sua composição e funcionalidade. Os autores destacam um estudo com sacarina em humanos, que mostrou que o consumo durante 7 dias levou a uma redução significativa na diversidade microbiana e a um aumento nos níveis de glicose em jejum, correlacionados com o aparecimento de resistência à insulina 

Adoçantes no tratamento da obesidade 

Apesar de amplamente utilizados como estratégia para reduzir a ingestão calórica, os resultados sobre o impacto dos NSS na obesidade são paradoxais. A principal hipótese reside na dissociação entre o sabor doce e a ingestão energética, que compromete os mecanismos fisiológicos de saciedade e homeostase energética. 

Experimentos com camundongos demonstraram que os NSS induzem ganho de peso em comparação ao consumo de glicose, mesmo na ausência de calorias adicionais. A hipótese é que os NSS “enganam” o sistema neuroendócrino, reduzindo a sinalização de saciedade e aumentando o consumo energético compensatório. Como ilustração sobre o assunto, em um estudo com modelos animais, ratos alimentados com sacarina apresentaram ganho de peso 14% superior em comparação aos que consumiram glicose, mesmo em dietas isocalóricas. 

Já os ensaios clínicos em humanos oferecem resultados divergentes. Enquanto alguns suportam uma discreta perda de peso com o uso das medicações, os autores pontuam o San Antonio Heart Study (n = 3600; seguimento de 7-8 anos), que identificou que consumidores de bebidas adoçadas com NSS apresentaram ganho de IMC significativamente maior (+1,78 kg/m²) do que não consumidores (+1,01 kg/m²), ainda que também discreto. Além disso, evidências de um estudo com ressonância magnética funcional (fMRI) demonstrou que os NSS, especialmente aspartame e sucralose, não ativam adequadamente os centros de recompensa do hipotálamo e do sistema mesolímbico, ao contrário da glicose, o que pode predispor a maior consumo alimentar subsequente. 

Além disso, observa-se uma tendência de compensação dietética em consumidores frequentes de NSS. A percepção de ingestão calórica reduzida leva, inconscientemente, ao aumento da ingestão de alimentos em outras refeições. Os NSS, ainda, podem exacerbar o desejo por alimentos ultraprocessados e ricos em açúcares, dificultando o controle ponderal a longo prazo. 

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Conclusão e mensagem prática 

Os dados atuais indicam que os adoçantes não calóricos possuem efeitos metabólicos complexos, especialmente no metabolismo glicêmico e na obesidade. Embora ofereçam vantagens em termos de substituição calórica imediata, os NSS podem interferir na homeostase glicêmica, na sinalização de saciedade e na microbiota intestinal, potencialmente resultando em resistência à insulina e ganho de peso compensatório. 

A relação entre NSS, metabolismo glicêmico e obesidade requer mais investigações em estudos clínicos robustos, com seguimento de longo prazo. Enquanto isso, recomenda-se uma abordagem cautelosa no uso dos NSS como estratégia isolada de controle metabólico, priorizando intervenções dietéticas integradas e baseadas em alimentos in natura e minimamente processados. 

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Referências bibliográficas

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