O diabetes mellitus tipo 2 (DM2) é uma condição crônica caracterizada por hiperglicemia progressiva decorrente de resistência à insulina e disfunção das células beta pancreáticas. Seu manejo inclui mudanças no estilo de vida, focando sobretudo numa alimentação saudável e perda de peso, além do incentivo à atividade física e tratamento medicamentoso.
O tratamento medicamentoso do DM2, como abordado em outros artigos do portal, vem passando por uma mudança significativa nos últimos anos, com o surgimento de novas classes como os inibidores de SGLT-2 e agonistas de GLP-1 (aGLP-1). Uma novidade mais recente é o advento das insulinas semanais, como a icodeca, que demonstrou nos estudos ONWARDS eficácia similar ao tratamento com insulinas basais, sendo ligeiramente superior à degludeca e à glargina especificamente em pacientes com DM2, com um risco discretamente maior de hipoglicemias. A vantagem das insulinas semanais reside no conforto posológico.
Os agonistas de GLP-1 desempenham um papel importante no manejo do DM2. Além das indicações diretas em pacientes de alto risco cardiovascular, o guideline da ADA recomenda, se possível, considerar uma “terapia injetável”, preferencialmente os aGLP-1, em pacientes sem controle adequado com o uso de antidiabéticos orais (ADOs), exceto em situações em que seja claro a necessidade de insulinoterapia, como glicemias acima de 300 mg/dL ou sintomas catabólicos.
Nesse contexto, a combinação de insulina basal e agonistas do receptor GLP-1 surge como uma abordagem promissora. Essa estratégia busca otimizar o controle glicêmico, alavancando os efeitos complementares dessas terapias: enquanto a insulina basal reduz a glicemia de jejum, os aGLP-1 diminuem a glicemia pós-prandial, promovem perda de peso e minimizam o risco de hipoglicemia.
Em janeiro/2025 foi publicado no periódico Diabetologia (revista da European Association for the Study of Diabetes, EASD) o estudo COMBINE 2, que investigou o impacto sobre o DM2 da IcoSema, uma combinação da icodeca e semaglutida, de aplicação semanal. A terapia foi comparada diretamente à semaglutida 1,0 mg semanal, para avaliar sua eficácia e segurança em adultos com DM2 mal controlado apesar do uso de GLP-1 RA, com ou sem medicações orais concomitantes. O estudo representa um avanço no desenvolvimento de regimes terapêuticos mais convenientes e potencialmente mais eficazes para essa população e por isso trazemos sua cobertura aqui no portal.
Métodos
O COMBINE 2 foi um ensaio clínico randomizado, de fase 3a, conduzido em 121 locais de 13 países. Foram recrutados 683 participantes com DM2, que apresentavam HbA1c entre 7,0% e 10,0% e estavam em uso estável de aGLP-1 há pelo menos 90 dias, porém com controle ainda inadequado.
O estudo buscou avaliar a eficácia e segurança da IcoSema em comparação à semaglutida 1 mg/semana isolada, ao longo de 52 semanas de tratamento, seguidas por um período de 5 semanas de acompanhamento. Os participantes foram randomizados 1:1, alocando 342 pacientes para o grupo IcoSema e 341 para o grupo semaglutida.
O desfecho primário foi a mudança no nível de HbA1c entre o início e a semana 52. Os desfechos secundários incluíram mudanças no peso corporal, glicemia de jejum (FPG), taxas de hipoglicemia significativa e eventos adversos.
Quanto à população do estudo, os pacientes incluídos tinham uma média de 58 anos, sendo 57% era do sexo masculino e apresentavam obesidade (IMC médio de 31,1 kg/m²). A média de duração do diabetes era de 12,6 anos e a HbA1c média inicial era de cerca de 8%. Cerca de 88% dos participantes estavam em uso de metformina e 43% em uso de iSGLT-2.
Resultados
A icosema foi superior no controle glicêmico após 52 semanas. Com relação ao desfecho primário:
– O grupo IcoSema apresentou uma redução média de HbA1c de 1,35%, enquanto o grupo semaglutida reduziu em 0,90% (diferença estimada -0,44%; IC 95%; -0,56 a -0,33; p<0,0001), favorecendo significativamente o grupo IcoSema.
Quanto aos desfechos secundários, também houve uma redução de forma estatisticamente significativa na glicemia de jejum no grupo IcoSema comparado ao grupo semaglutida:
- IcoSema: Redução média da glicemia de jejum: – 44,6 mg/dL
- Semaglutida: – 25,7 mg/dL (Dif estimada – 19 mg/dL (IC 95%; – 24,4 a – 13,5; p<0,0001)
Apesar do benefício no controle glicêmico, o grupo semaglutida isolada apresentou maiores benefícios em termos de controle do peso corporal, sendo que o grupo semaglutida teve uma redução média de peso de -3,70 kg, enquanto o grupo IcoSema teve um ganho médio de peso de +0,84 kg (Dif estimada de +4,54 kg (IC 95%: +3,84 a +5,23; p<0,0001). Vale destacar que a população do estudo já era uma população com obesidade.
Eventos adversos
Dentre os eventos adversos, destaque para a incidência de episódios de hipoglicemias significativas (nível 2 ou 3), que foi baixa e semelhante entre os grupos:
– IcoSema: 0,042 episódios por pessoa-ano.
– Semaglutida: 0,036 episódios por pessoa-ano (Não houve diferença estatisticamente significativa (p=0,66).
Relativamente aos demais eventos adversos, os mais comuns foram, conforme esperado, os gastrointestinais, que ocorreram em taxas similares entre os grupos (31,4% no grupo IcoSema e 34,4% no grupo semaglutida). Contudo, eventos adversos graves foram mais frequentes no grupo IcoSema (11,1%) do que no grupo semaglutida (6,2%), sem haver um evento isolado claramente responsável pela maior incidência. A descontinuação devido a eventos adversos foi maior no grupo IcoSema, refletindo uma possível relação com o aumento de peso e os ajustes na insulina.
Conclusão e mensagem prática
Os resultados do COMBINE 2 indicam que a IcoSema proporciona um controle glicêmico significativamente superior à semaglutida isolada, com melhorias notáveis nos níveis de HbA1c e glicemia de jejum. No entanto, o ganho de peso associado ao IcoSema se destaca como uma limitação importante, especialmente considerando o benefício de perda de peso observado com a semaglutida isolada.
Esses achados trazem à nossa prática clínica uma opção interessante para aqueles pacientes que necessitam de “algo a mais” além dos agonistas de GLP-1, ou seja, pacientes com DM2 com descontrole importante, uso prévio de insulina ou com controle aquém do desejado mesmo já em vigência dos agonistas de GLP-1, com uma grande vantagem: sua posologia semanal.
Contudo, a semaglutida permanece superior em termos de redução de peso, sendo mais apropriada para pacientes com obesidade como principal preocupação e naqueles onde a medicação isolada pode ser suficiente para o controle glicêmico.
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