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Endocrinologia15 novembro 2024

Guideline da SBD 2024: atualização sobre doença renal diabética

A Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) publicou recentemente uma atualização no seu capítulo de doença renal do diabetes (DRD)

A Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) publicou recentemente, em julho de 2024 uma atualização no seu capítulo de doença renal do diabetes (DRD), previamente chamada de nefropatia diabética. O termo visa ampliar a definição, uma vez que é sabido que a doença renal em indivíduos com diabetes, sobretudo no DM2, costuma ser influenciada por outros fatores metabólicos tais como a dislipidemia e hipertensão (HAS), além do fato de nem todos os indivíduos apresentarem a evolução “clássica” fisiopatológica caracterizada por hiperfiltração, seguida de albuminúria para só então acontecer o declínio na taxa de filtração glomerular (TFG). 

Leia mais: Atualização sobre manejo da Doença Renal do Diabetes

doença renal diabética

Evidências do estudo FLOW 

A atualização visa alocar as novas evidências no tratamento da condição, sobretudo após a publicação do estudo FLOW, que avaliou o impacto da semaglutida em indivíduos com DM2.  Para contextualizar, o FLOW trial foi publicado este ano no New England Journal of Medicine (NEJM) e foi um ensaio clínico randomizado (ECR), de fase 3, duplo cego, placebo controlado, multicêntrico (28 países) com duração de 3,4 anos, que foi interrompido precocemente após uma análise interina demonstrando benefícios claros favorecendo o grupo semaglutida 1 mg vs. placebo.  

Os critérios de inclusão foram adultos com DM2 (com HbA1c < 10%) e doença renal crônica, definida como taxa de filtração glomerular (TFG) entre 50 e 75 ml/min com albuminúria maior que 300 mg/g (e menor que 5000) ou TFG entre 25 e 50 ml/min com albuminúria maior que 100 mg/g, que já estavam em uso de iECA ou BRA na dose máxima tolerada. O objetivo primário do estudo foi avaliar o tempo para o surgimento de um primeiro evento dentre um desfecho composto por falência renal (definida como necessidade de diálise, transplante renal ou TFG < 15 ml/min), queda > 50% na TFG basal (sustentada por mais que 28 dias) ou morte por causas renais ou cardiovasculares. Ao final, foram randomizados 3533 participantes.  

A semaglutida levou a proteção renal e redução de morte por todas as causas, levando a uma redução de 24% no desfecho primário (HR 0,76; 0,66 – 0,88; IC 95%; P = 0,0003). Dentro das análises secundárias, avaliadas de forma isolada, os desfechos renais persistiram, com um HR 0,79 (0,66 – 0,94; IC 95%) e houve redução de morte por causas cardiovasculares, com um HR 0,71 (0,56 – 0,89; IC 95%).  

Com a importância dessa nova evidência e a necessidade de adequação das recomendações, o guideline (que já havia sido atualizado recentemente após o EMPA-KIDNEY e evidências advindas dos estudos da finerenona) foi novamente atualizado. Traremos aqui as principais atualizações com relação ao guideline anterior e as principais recomendações. Para fins didáticos, organizamos este artigo nos tópicos principais: 

Definição da doença renal diabética (DRD) e quando iniciar o rastreio 

Análise da relação albuminúria/creatinúria  

Tratamento da DRD 

  • Nova recomendação de manejo de acordo com a taxa de filtração glomerular (TFG) e albuminúria 
  • Finerenone 
  • Meta pressórica e manejo da HAS 
  • Manejo da dislipidemia 

Considerações sobre os resultados 

Vale lembrar a importância, ainda, de se realizar o ajuste da dose dos anti diabéticos orais de acordo com a TFG e suspender aqueles que não forem indicados a partir de certa TFG. Como não houve grandes alterações nisso, sugerimos a consulta da própria diretriz em caso de dúvidas quanto ao tópico. O guideline também faz menção às recomendações dietéticas e retirou recomendações quanto ao ajuste de insulina em dias de diálise que estava presente na edição anterior.  

Recomendações dietéticas 

  1. Definição da doença renal diabética (DRD) e quando iniciar o rastreio 

A diretriz destaca a importância de não ficarmos “presos” ao conceito de evolução clássica de hiperfiltração, proteinúria e posterior perda de função renal, visto que muitos indivíduos apresentam queda na TFG sem apresentar inicialmente albuminúria. A SBD corrobora a classificação do KDIGO, onde apenas indivíduos com TFG > 60 ml/min E albuminúria A1 são de baixo risco. As demais situações são de risco intermediário/alto para progressão de perda da função renal e, portanto, requerem tratamento adequado. 

O rastreio está indicado no DM2 desde o diagnóstico, enquanto em indivíduos com DM1 a recomendação é de se iniciar 5 anos após o diagnóstico (após os 11 anos de idade) e considerar após 2 a 5 anos de doença entre 11 e 17 anos de idade e repetido 1 a 4 vezes no ano. 

2. Análise da relação albuminúria/creatinúria  

A albuminúria é definida de acordo com os níveis encontrados: 

– A1: < 30 mg/g;  

– A2: 30-299 mg/g;  

– A3: ≥ 300 mg/g. 

Se alterada, devemos repetir para sua confirmação. Se obtivermos uma segunda normal, devemos coletar a 3ª amostra (melhor de 3, dentro de um intervalo de três a seis meses). Vale lembrar que 40% irão progredir para proteinúria, enquanto cerca de um terço permanecerá estável (< 300 mg/g) e 30% terão remissão espontânea. 

Vale lembrar que há vários motivos para falso-positivos, motivo pelo qual é importante sua repetição para confirmação. Os principais destacados na diretriz são DM descompensado, ITU, febre, exercício físico intenso, hematúria, HAS não controlada, IC, rim único e estenose de artéria renal. 

        3. Tratamento da DRD 

Nova recomendação de manejo de acordo com a taxa de filtração glomerular (TFG) e albuminúria 

O principal destaque do novo guideline foi justamente a nova recomendação de tratamento da DRD de acordo com a TFG, albuminúria e controle glicêmico. Isso porque após o estudo FLOW, a semaglutida também foi incluída devido a não “apenas” conferir proteção cardiovascular, mas também à nefroproteção. Vale destacar que esse ponto específico não é um efeito de classe dos agonistas de GLP-1, já que apenas a semaglutida teve um ensaio clínico randomizado (ECR) focado para tal desfecho. 

A indicação da semaglutida passa a ser para indivíduos com DRD, com albuminúria > 100 mg/g, de forma independente do controle glicêmico. Além disso, inibidores de SGLT-2 devem ser indicados sempre que houver TFG < 60 ml/min ou albuminúria > A1, também de forma independente ao controle glicêmico, por seus benefícios renais. Dessa forma, o guideline se aproxima mais das recomendações da ADA 2024 (apesar de ainda não ter sido atualizado quanto à semaglutida e o estudo FLOW, ele indicava agonistas de GLP-1 como escolha após os iSGLT-2 devido a proteção cardiovascular nessa população). 

De forma didática, as recomendações ficam da seguinte forma: 

 TFG > 60 ml/min E A > 30 mg/g 

 – META: HbA1c 6,5 a 7,0% 

– Inibidor do SGLT2 (independente da HbA1c)  

Semaglutida em associação se albuminúria > 100 mg/g independentemente da HbA1c 

– Metformina para controle glicêmico  

– Demais opções caso necessário para controle glicêmico 

 TFG entre 45 e 60 ml/min 

– META: HbA1c 7,0 a 7,9% 

– Inibidor do SGLT2 (independente da HbA1c)  

– Semaglutida em associação se A > 100 mg/g independentemente da HbA1c 

– Metformina para controle glicêmico  

– Demais opções caso necessário para controle glicêmico (de acordo com TFG) 

TFG entre 30 e 45 ml/min 

– META: HbA1c 7,0 a 7,9% 

– Inibidor de SGLT2 (independente da HbA1c)  

– Semaglutida em associação se A > 100 mg/g independentemente da HbA1c 

– Metformina (reduzir dose para < 1g/d) para controle glicêmico  

– Demais opções caso necessário para controle glicêmico (atentar para TFG) 

TFG entre 20 e 30 ml/min 

– META: HbA1c 7,0 a 7,9% 

– Inibidor de SGLT2 (independente da HbA1c)  

– Semaglutida em associação se A > 100 mg/g independentemente da HbA1c (apenas se TFG > 25) 

– Metformina não deve ser utilizada (atentar ao ajuste para TFG das demais medicações) 

– Gliclazida e glipzida podem ser consideradas com cautela de acordo com a diretriz 

TFG < 20 ml/min 

– META: HbA1c 7,0 a 7,9% 

– Inibidor de SGLT2 (independente da HbA1c): se em uso prévio, manter 

– Semaglutida: Não recomendada 

– Insulina e/ou iDPP-4 para controle glicêmico 

– Metformina, pioglitazona e SU não estão recomendados 

Finerenona 

A finerenona é uma droga da classe dos antagonistas de receptor mineralocorticóide não esteroidal, que demonstrou também redução de desfechos renais e cardiovasculares na população com DM e DRD, nos estudos FIGARO, FIDELIO e FIDELITY (um agregado dos dois primeiros). Sua recomendação de uso é a seguinte: 

– Iniciar se TFG entre 25 e 75 ml/min, com albuminúria > 30 mg/g e potássio < 5,0 meq/l; 

– Dose inicial: 

– Se TFG ≥ 60 mL/min: 20 mg uma vez ao dia;  

– Se TFG entre 25-59 mL/min: 10 mg uma vez ao dia; 

– Se TFG <25 mL/min: NÃO iniciar 

– Recomenda-se monitorizar o potássio em 4 semanas (crucial se K inicial entre 4,8 e 5,0) e ajustar a dose se necessário:  

≤ 4,8: Manter 20 mg uma vez ao dia ou aumentar a dose para 20mg uma vez ao dia se utilizava 10 mg/d 

4,9 – 5,5:  Manter a dose e monitorar potássio a cada 4 meses

5,5: Suspender e considerar reiniciar com 10mg uma vez ao dia se potássio  ≤ 5,0 mmol/L.  

Veja também: Nefropatia diabética: como identificar e tratar? [podcast]

Meta pressórica e manejo da HAS 

Este foi um tópico que não teve alterações. A meta pressórica nesses indivíduos continua < 130/80 mmhg, com preferência ao uso de iECA/BRA, sobretudo se albuminúria positiva. Após, é recomendado adicionar se necessário outras classes de antihipertensivos de 1ª escolha como antagonista de canal de cálcio (anlodipino, por exemplo) ou tiazídicos. 

Manejo da dislipidemia 

Também foi um tópico sem grandes mudanças. Vale lembrar que indivíduos com DRC são de alto risco ou muito alto risco para eventos cardiovasculares e vão requerer em sua massiva maioria o uso de estatina. 

Destaque para as recomendações de ajuste de dose de estatinas de acordo com a TFG e quanto ao uso em pacientes em diálise. Nesse caso, a recomendação é a seguinte: 

Conclusões 

A nova diretriz da SBD está completamente em “estado da arte” de acordo com as evidências sobre a DRD e deve servir como um guia para a condução de tais casos. Vale ressaltar a grande limitação prática do uso da semaglutida em todos pacientes que apresentarem albuminúria acima de 100 mg/g, porém o intuito do documento científico é sintetizar todas as recomendações de melhor qualidade e com base nisso, gerar uma recomendação. A diretriz mostra o quanto o manejo da DRD evoluiu nos últimos anos, com novas evidências e boas perspectivas para esse grupo de pacientes. 

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Referências bibliográficas

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