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Endocrinologia17 julho 2025

GRS2x: Novo escore poligênico para predição do risco de DM1

Veja como foi elaborado um novo escore de risco poligênico para predição do risco de DM1, a partir de uma lacuna importante no tratamento.

A genética do diabetes tipo 1 (DM1) é marcada por uma herança complexa, onde interações entre múltiplas variantes genéticas (ou seja, mutações) — muitas delas no sistema HLA — predispõem à destruição autoimune das células β pancreáticas.

Embora variantes nos genes HLA-DR e HLA-DQ respondam pela maior parte do risco, dezenas de outros loci, incluindo regiões não-HLA, também contribuem, cada um com efeito pequeno, mas cumulativo. Foi com base nesse conhecimento que surgiram os primeiros escores de risco poligênico (polygenic risk scores, PRS), cuja proposta é agregar o efeito de múltiplos polimorfismos em um único valor que represente a predisposição genética de um indivíduo para determinada condição. 

No DM1, o GRS2 é escore mais consolidado, composto por 67 variantes selecionadas por sua forte associação com a doença, e com desempenho validado na diferenciação entre DM1, DM2 e formas monogênicas. Seu uso já foi incorporado a estratégias de triagem neonatal, apoio diagnóstico em adultos e seleção de pacientes para estudos de intervenção imunológica. Porém, apesar de seu poder discriminativo, o GRS2 enfrenta obstáculos técnicos relevantes: muitas variantes não estão disponíveis em todos os painéis genotípicos, especialmente as da região HLA, altamente polimórfica e sujeita a desequilíbrio entre populações. Isso compromete a reprodutibilidade, a comparabilidade entre estudos e, portanto, a aplicabilidade clínica do escore. 

Foi diante dessa lacuna que foi elaborado um novo escore de risco poligênico para predição do risco de DM1, publicado na revista Diabetes Care em 2025, que apresenta o GRS2x, uma versão reformulada do escore, construída para ser tecnologicamente mais acessível, padronizada e aplicável a populações de múltiplas ancestralidades. O objetivo central do GRS2x é permitir uma mensuração adequada do risco genético para DM1, independentemente da plataforma de genotipagem utilizada, da origem étnica da população estudada ou da qualidade dos dados genéticos disponíveis. O tema, ainda que seja “árduo” para aqueles menos familiarizados com o diagnóstico molecular e a genética dentro da prática endocrinológica, é fundamental para avançarmos em precisão diagnóstica e também fomentar o debate e revisão do assunto. 

Métodos do estudo

O desenvolvimento do GRS2x envolveu uma série de inovações metodológicas que visavam maximizar a aplicabilidade do escore sem sacrificar sua precisão. Das 67 variantes originais do GRS2, 19 foram substituídas por mutações de SNPs alternativos em forte desequilíbrio de ligação (LD proxy), compatíveis com três painéis de referência amplamente utilizados: 1000 Genomes, HRC (Haplotype Reference Consortium) e TOPMed (versões r2 e r3). Essa substituição foi crucial para garantir que o escore pudesse ser calculado mesmo em contextos de genotipagem com cobertura limitada — como arrays comerciais comuns — sem depender de sequenciamento de genoma completo. 

Para contextualizar e simplificar essas nomenclaturas, vale a explicação. Um SNP (do inglês, Single Nucleotide Polymorphism, ou em português, polimorfismo de nucleotídeo único) é uma variação em uma única base do DNA entre indivíduos. Por exemplo, em um determinado ponto do genoma, algumas pessoas podem ter uma base adenina (A), enquanto outras têm uma guanina (G). Essa pequena diferença pode ter implicações no risco genético para diversas doenças, incluindo o diabetes tipo 1 (DM1). 

Além das substituições supracitadas, o GRS2x foi particionado por locus genético em três componentes funcionais: 

  • HLA classe II (principal determinante de risco); 
  • HLA classe I; 
  • Variantes não-HLA. 

Essa divisão possibilitou calcular escores parciais (partitioned polygenic scores – pPS), cujos desempenhos discriminativos também foram avaliados individualmente. 

Para contornar a ausência de variantes em alguns indivíduos, foi introduzida uma abordagem baseada na frequência alélica esperada pelo equilíbrio de Hardy-Weinberg, com uso do TOPMed como base. O equilíbrio de Hardy-Weinberg (EHW) é um princípio da genética populacional que descreve como as frequências dos alelos e genótipos de um gene permanecem constantes ao longo das gerações, na ausência de outros fatores e serve como referência para avaliar se uma população está sofrendo pressões como seleção natural, migração ou variações genéticas. 

Isso permitiu estimar a contribuição média das variantes ausentes ao escore, evitando a exclusão de pacientes por dados incompletos. Já no caso de haplótipos HLA ambíguos — comuns em regiões com desequilíbrio de ligação incompleto — foi utilizado um algoritmo iterativo que removeu os genótipos menos prováveis com base em frequências populacionais (dados do National Marrow Donor Program, NMDP), assegurando a atribuição mais confiável possível. 

Ao final, o escore foi normalizado com base no risco relativo teórico mínimo e máximo, gerando um valor contínuo padronizado, adequado à comparação individual e entre coortes. A avaliação do GRS2x ocorreu em três coortes independentes e complementares: 

  1. T1D Genetics Consortium (T1DGC): Incluiu 6.483 indivíduos com DM1 (diagnóstico <20 anos) e 9.247 controles. Todos os genótipos foram imputados com base no painel TOPMed. 
  1. UK Biobank (UKB): Avaliou 408 casos e 365.622 controles, com dados oriundos de genotipagem por array (n = 367.318) e por WGS (n = 366.030). Casos de DM1 foram definidos por dados clínicos e eletrônicos validados. 
  1. All of Us Research Program (AoU): Coorte populacional americana multiétnica, com 147 casos e 317.817 controles. A definição de DM1 foi baseada em idade ao diagnóstico (<30 anos), uso de insulina e ausência de medicamentos orais.
     

A métrica de desfecho primário foi a área sob a curva ROC (AUROC), avaliada para o GRS2x e comparada ao GRS2 original, além de análises de correlação e estabilidade entre plataformas e populações. 

Resultados e aplicações

O GRS2x apresentou desempenho notavelmente robusto, mantendo — e em alguns contextos superando — a acurácia preditiva do GRS2, ao mesmo tempo em que resolvia problemas práticos significativos. 

Na coorte T1DGC, o GRS2x atingiu uma AUROC de 0,924, levemente superior ao GRS2 original (0,922), com melhora estatisticamente significativa. A principal vantagem, porém, foi sua aplicabilidade: o novo escore conseguiu ser aplicado a 5.550 indivíduos (1,14%) que, com o GRS2, teriam sido excluídos por ambiguidade nos haplótipos HLA. 

No UK Biobank, o GRS2x demonstrou estabilidade entre tecnologias genéticas: 

  • AUROC de 0,931 com genotipagem por array; 
  • AUROC de 0,932 com WGS; 
  • Boa correlação entre os dois métodos para os mesmos indivíduos, com manutenção da classificação de risco. 

A análise por componentes revelou que a maior parte do poder discriminativo está nas variantes HLA classe II, com AUROC de 0,90, enquanto as HLA classe I (0,55) e variantes não-HLA (0,75) tiveram contribuições adicionais, porém menores. Isso reforça o papel dominante do sistema HLA-DR/DQ na predisposição ao DM1. 

Na coorte multiétnica AoU, o GRS2x também apresentou bom desempenho, com AUROC de 0,860 na população geral e 0,895 em indivíduos de ancestralidade europeia. Embora a performance em não-europeus tenha sido levemente inferior, os resultados ainda foram satisfatórios. A correlação de risco individual entre GRS2x e GRS2 foi de R = 0,906 em europeus e R = 0,900 em não europeus — diferença modesta, mas que destaca a necessidade de adaptações populacionais. 

Conclusão e mensagem prática

O GRS2x não é apenas uma versão ajustada de um escore genético. Ele representa um passo decisivo rumo à padronização e ampliação do uso de escores poligênicos no diagnóstico e prevenção do diabetes tipo 1. Sua principal contribuição está na capacidade de conciliar acurácia com aplicabilidade técnica, o que o torna compatível com estudos multicêntricos, rastreios populacionais e, futuramente, com a prática clínica de rotina. 

No cenário brasileiro, onde predomina uma população de ancestralidade mista e onde formas atípicas de diabetes são comuns, o GRS2x pode ser muito mais útil que a versão anterior. Ao permitir avaliação genômica mesmo com genotipagem parcial, ele se adequa às realidades de centros sem acesso a WGS e pode ser utilizado, por exemplo, para triagem neonatal para risco de DM1 com potencial aplicação em programas públicos, auxílio no diagnóstico diferencial em adultos jovens com quadro incerto (DM1 vs MODY) e sobretudo para identificação precoce de indivíduos em risco, seja para a seleção de pacientes para ensaios clínicos preventivos (como os com teplizumabe) ou para a prática clínica. 

A implementação do GRS2x em populações diversas, como a brasileira, exige cuidados adicionais. É essencial que se desenvolvam limiares populacionais validados, com calibração específica para nossos padrões genômicos. Além disso, ainda estamos atrasados na garantia ao acesso seguro, ético e equitativo à genotipagem.  

Contudo, este estudo é mais um exemplo de que caminhamos rumo à medicina de precisão individual também no cuidado de indivíduos com diabetes.

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Referências bibliográficas

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