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Endocrinologia5 novembro 2025

Gastos com saúde caem bastante em pacientes com DM2 submetidos à bariátrica

Achados deste estudo reforçam a necessidade de se investigar sua custo-efetividade em nosso país e a necessidade de integração terapêutica.

O diabetes tipo 2, frequentemente associado à obesidade, representa um dos principais motivos do aumento contínuo dos custos em saúde no mundo. Estima-se que apenas nos Estados Unidos, os gastos diretos com o cuidado de pessoas com diabetes tenham alcançado US$ 237 bilhões em 2017, impulsionados por complicações cardiovasculares, uso crescente de insulinoterapia e introdução de terapias inovadoras, como os agonistas do receptor de GLP-1 e os inibidores de SGLT-2. Embora essas drogas representem avanços terapêuticos notáveis, o custo anual por paciente tem se elevado, levantando questionamentos sobre sua sustentabilidade e custo-efetividade a longo prazo.

Nesse contexto, a cirurgia bariátrica, outra opção terapêutica para alguns indivíduos com obesidade e diabetes, é inegavelmente um dos tratamentos mais eficazes para perda ponderal sustentada e controle metabólico do diabetes tipo 2. Sabemos que a mesma pode promover remissão parcial ou total do diabetes em 30 a 70% dos pacientes, melhora expressiva da sensibilidade insulínica, redução de complicações microvasculares e macrovasculares, e até aumento de sobrevida em comparação com o tratamento clínico intensivo. No entanto, estudos em pacientes sem diabetes falham em comprovar de forma consistente que se trata de um tratamento custo efetivo. Porém, a luz dos pontos supracitados, será que especialmente em pacientes com diabetes essa modalidade de tratamento poderia se provar além de eficaz, custo-efetiva?

Essa questão é particularmente relevante em um cenário de cobertura restrita de cirurgia bariátrica nos EUA, onde menos de 1% dos pacientes elegíveis têm acesso ao procedimento. Diante de um tratamento de alto custo inicial (cerca de US$ 15.000–16.000 por paciente), compreender o retorno financeiro e o impacto econômico em longo prazo é fundamental para orientar políticas públicas e decisões de seguradoras. Foi exatamente essa lacuna que um estudo, recentemente publicado na Diabetes Care, em 2025, buscou analisar: A trajetória dos gastos em saúde em indivíduos com diabetes tipo 2 e obesidade submetidos à cirurgia bariátrica, comparando-os com pacientes semelhantes que permaneceram em tratamento clínico convencional, nos Estados Unidos da América (EUA). Trazemos o estudo para discussão aqui no portal.

Métodos do estudo

O estudo foi uma coorte retrospectiva multicêntrica, realizada a partir da coleta de dados de dois grandes sistemas integrados de saúde norte-americanos — o Kaiser Permanente Washington e o Kaiser Permanente Southern California. O período analisado abrangeu de 2012 a 2019, com observação de três anos antes e até 5,5 anos após a cirurgia. Foram incluídos 6.690 pacientes com diabetes tipo 2 e IMC ≥35 kg/m² que se submeteram a bypass gástrico em Y-de-Roux ou gastrectomia vertical, comparados a 19.122 indivíduos não operados, selecionados por um rigoroso processo de pareamento por idade, sexo, IMC, tipo de seguro de saúde, uso de insulina e presença de comorbidades.

A média de idade dos participantes era de 50 anos, o IMC médio era de 44 kg/m² e 73% eram mulheres. A população tinha perfil multiétnico, com 35% de brancos e 45% de hispânicos, refletindo a diversidade demográfica dos Estados Unidos. Cerca de um terço dos pacientes utilizava insulina, e a média de hemoglobina glicada era de 7,1% nos operados e 7,7% nos controles, demonstrando maior controle glicêmico no grupo cirúrgico já no início. O tempo médio de diagnóstico de diabetes era de cinco anos em ambos os grupos.

O estudo seguiu o modelo de “target trial emulation”, uma metodologia estatística que busca reproduzir as condições de um ensaio clínico randomizado em uma análise observacional. Foram avaliadas as despesas totais, ambulatoriais, hospitalares e com medicamentos, ajustadas para inflação (valores expressos em dólares de 2020) e calculadas em intervalos semestrais. As análises foram conduzidas por meio de modelos lineares, ajustando-se para múltiplas variáveis clínicas e sociodemográficas.

Resultados relevantes

Antes da cirurgia, os gastos médios totais entre os dois grupos eram parelhos, em torno de US$ 3.700 a US$ 3.800 por semestre. No período imediatamente anterior à cirurgia, o grupo cirúrgico apresentou leve aumento (US$ 4.865 vs. US$ 4.424), refletindo os custos da preparação pré-operatória. Entretanto, a partir do primeiro ano após a cirurgia, as curvas de gasto começaram a divergir de forma sustentada.

Os pacientes submetidos à cirurgia bariátrica apresentaram queda significativa e duradoura de 28% nos gastos totais, com redução média de US$ 566 a cada seis meses em relação aos controles após 5,5 anos. Essa economia acumulada correspondeu a US$ 6.157 por paciente ao final do período de observação.

O maior impacto veio da redução nas despesas com medicamentos, que caíram 56% (de US$ 2.204 nos seis meses pré-cirurgia para US$ 969) após 5,5 anos. Essa diferença gerou uma economia acumulada de aproximadamente US$ 9.800 por paciente no período analisado. Curiosamente, as despesas ambulatoriais permaneceram praticamente estáveis e similares entre os grupos, enquanto as hospitalizações foram um pouco mais frequentes entre os pacientes operados (4 a 6,5% por semestre versus 2,4 a 3,1% nos controles). Contudo, mesmo esse aumento discreto nas admissões não foi capaz de compensar o ganho financeiro obtido pela expressiva redução nas despesas farmacológicas.

Os autores do estudo ressaltam que esses achados tornam-se ainda mais significativos quando se considera que os cálculos utilizaram os valores de reembolso do Medicare, tradicionalmente duas a três vezes menores que os valores cobrados por seguradoras privadas. Assim, a economia real em pacientes com seguros comerciais poderia alcançar entre US$ 12.000 a US$ 18.000 por paciente ao longo de cinco anos e meio.

Outro ponto notável é que apenas 2% dos pacientes faziam uso de análogos de GLP-1 ou inibidores de SGLT-2 durante o período do estudo, terapias que atualmente dominam o manejo clínico da obesidade e do diabetes, mas com custos substancialmente mais altos. Isso sugere que os benefícios econômicos da cirurgia podem ser ainda maiores em um contexto contemporâneo, no qual o custo das terapias farmacológicas é mais elevado.

Ponto a favor da cirurgia bariátrica?

A cirurgia bariátrica, já reconhecida como uma das intervenções mais eficazes para controle metabólico, mostra agora que seu impacto positivo se estende para a sustentabilidade financeira do cuidado em saúde. A redução dos custos totais, majoritariamente impulsionada pela queda acentuada no uso de medicamentos, reflete não apenas a remissão do diabetes em boa parte dos pacientes, mas também a melhora global da saúde metabólica desses pacientes, com redução da necessidade de polifarmácia para controle de hipertensão, dislipidemia e outras comorbidades.

O estudo também confirma observações do histórico Swedish Obese Subjects Study (SOS), que já havia demonstrado queda de custos farmacológicos em longo prazo, porém traz, sobretudo para o cenário norte-americano, dados que demonstram que custos totais de saúde também declinam em pacientes com DM2, o que nunca havia sido demonstrado antes. A diferença pode também ser parcialmente explicada, contudo, pelo alto custo dos medicamentos nos EUA.

Essas evidências reforçam que o retorno econômico da cirurgia é particularmente evidente no subgrupo com diabetes tipo 2, uma vez que esses pacientes partem de uma linha de base de gastos mais altos. Assim, o impacto financeiro não se restringe à economia individual, mas repercute sobre o sistema de saúde como um todo, com potencial de aliviar a pressão orçamentária sobre planos privados e o sistema público.

Outro ponto de discussão é o cenário terapêutico atual. Com o uso crescente de análogos de GLP-1 para obesidade e diabetes, torna-se imperativo para os sistemas de saúde comparar a sustentabilidade de longo prazo entre o uso crônico dessas medicações e os custos da cirurgia bariátrica, bem como o seu impacto direto na prevenção de agravos em saúde e sua custo-efetividade.

Conclusão e mensagem prática

A mensagem central do estudo é de que a cirurgia bariátrica é uma intervenção que parece ser custo-efetiva para pacientes com diabetes tipo 2 e obesidade. Seus benefícios extrapolam o controle glicêmico, trazendo também uma economia significativa com gastos em saúde. Em tempos de expansão das terapias farmacológicas de alto custo, o estudo traz à tona a importância de se pensar não apenas na efetividade das terapias, mas também nos custos e na acessibilidade de tais tratamentos, cujo acesso ainda é extremamente desigual.

Para a prática clínica no contexto brasileiro, esses achados reforçam a necessidade de se investigar sua custo-efetividade em nosso país e, uma vez se comprovando os mesmos resultados encontrados no estudo que acabamos de discutir, integrar a cirurgia bariátrica às estratégias de cuidado do diabetes, não como último recurso, mas como componente precoce e estratégico do tratamento de indivíduos com obesidade e controle glicêmico inadequado, ou em uso intensivo de insulinoterapia. O impacto potencial sobre o SUS e sobre planos de saúde pode ser considerável, tanto em termos de qualidade de vida quanto de economia de recursos.

 

Autoria

Foto de Luiz Fernando Fonseca Vieira

Luiz Fernando Fonseca Vieira

Endocrinologista pelo HCFMUSP ⦁ Telemedicina no Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE) ⦁ Residência médica em Clínica médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) - Faculdade de Medicina de Botucatu

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