O diabetes tipo 2, frequentemente associado à obesidade, representa um dos principais motivos do aumento contínuo dos custos em saúde no mundo. Estima-se que apenas nos Estados Unidos, os gastos diretos com o cuidado de pessoas com diabetes tenham alcançado US$ 237 bilhões em 2017, impulsionados por complicações cardiovasculares, uso crescente de insulinoterapia e introdução de terapias inovadoras, como os agonistas do receptor de GLP-1 e os inibidores de SGLT-2. Embora essas drogas representem avanços terapêuticos notáveis, o custo anual por paciente tem se elevado, levantando questionamentos sobre sua sustentabilidade e custo-efetividade a longo prazo.
Nesse contexto, a cirurgia bariátrica, outra opção terapêutica para alguns indivíduos com obesidade e diabetes, é inegavelmente um dos tratamentos mais eficazes para perda ponderal sustentada e controle metabólico do diabetes tipo 2. Sabemos que a mesma pode promover remissão parcial ou total do diabetes em 30 a 70% dos pacientes, melhora expressiva da sensibilidade insulínica, redução de complicações microvasculares e macrovasculares, e até aumento de sobrevida em comparação com o tratamento clínico intensivo. No entanto, estudos em pacientes sem diabetes falham em comprovar de forma consistente que se trata de um tratamento custo efetivo. Porém, a luz dos pontos supracitados, será que especialmente em pacientes com diabetes essa modalidade de tratamento poderia se provar além de eficaz, custo-efetiva?
Essa questão é particularmente relevante em um cenário de cobertura restrita de cirurgia bariátrica nos EUA, onde menos de 1% dos pacientes elegíveis têm acesso ao procedimento. Diante de um tratamento de alto custo inicial (cerca de US$ 15.000–16.000 por paciente), compreender o retorno financeiro e o impacto econômico em longo prazo é fundamental para orientar políticas públicas e decisões de seguradoras. Foi exatamente essa lacuna que um estudo, recentemente publicado na Diabetes Care, em 2025, buscou analisar: A trajetória dos gastos em saúde em indivíduos com diabetes tipo 2 e obesidade submetidos à cirurgia bariátrica, comparando-os com pacientes semelhantes que permaneceram em tratamento clínico convencional, nos Estados Unidos da América (EUA). Trazemos o estudo para discussão aqui no portal.
Métodos do estudo
O estudo foi uma coorte retrospectiva multicêntrica, realizada a partir da coleta de dados de dois grandes sistemas integrados de saúde norte-americanos — o Kaiser Permanente Washington e o Kaiser Permanente Southern California. O período analisado abrangeu de 2012 a 2019, com observação de três anos antes e até 5,5 anos após a cirurgia. Foram incluídos 6.690 pacientes com diabetes tipo 2 e IMC ≥35 kg/m² que se submeteram a bypass gástrico em Y-de-Roux ou gastrectomia vertical, comparados a 19.122 indivíduos não operados, selecionados por um rigoroso processo de pareamento por idade, sexo, IMC, tipo de seguro de saúde, uso de insulina e presença de comorbidades.
A média de idade dos participantes era de 50 anos, o IMC médio era de 44 kg/m² e 73% eram mulheres. A população tinha perfil multiétnico, com 35% de brancos e 45% de hispânicos, refletindo a diversidade demográfica dos Estados Unidos. Cerca de um terço dos pacientes utilizava insulina, e a média de hemoglobina glicada era de 7,1% nos operados e 7,7% nos controles, demonstrando maior controle glicêmico no grupo cirúrgico já no início. O tempo médio de diagnóstico de diabetes era de cinco anos em ambos os grupos.
O estudo seguiu o modelo de “target trial emulation”, uma metodologia estatística que busca reproduzir as condições de um ensaio clínico randomizado em uma análise observacional. Foram avaliadas as despesas totais, ambulatoriais, hospitalares e com medicamentos, ajustadas para inflação (valores expressos em dólares de 2020) e calculadas em intervalos semestrais. As análises foram conduzidas por meio de modelos lineares, ajustando-se para múltiplas variáveis clínicas e sociodemográficas.
Resultados relevantes
Antes da cirurgia, os gastos médios totais entre os dois grupos eram parelhos, em torno de US$ 3.700 a US$ 3.800 por semestre. No período imediatamente anterior à cirurgia, o grupo cirúrgico apresentou leve aumento (US$ 4.865 vs. US$ 4.424), refletindo os custos da preparação pré-operatória. Entretanto, a partir do primeiro ano após a cirurgia, as curvas de gasto começaram a divergir de forma sustentada.
Os pacientes submetidos à cirurgia bariátrica apresentaram queda significativa e duradoura de 28% nos gastos totais, com redução média de US$ 566 a cada seis meses em relação aos controles após 5,5 anos. Essa economia acumulada correspondeu a US$ 6.157 por paciente ao final do período de observação.
O maior impacto veio da redução nas despesas com medicamentos, que caíram 56% (de US$ 2.204 nos seis meses pré-cirurgia para US$ 969) após 5,5 anos. Essa diferença gerou uma economia acumulada de aproximadamente US$ 9.800 por paciente no período analisado. Curiosamente, as despesas ambulatoriais permaneceram praticamente estáveis e similares entre os grupos, enquanto as hospitalizações foram um pouco mais frequentes entre os pacientes operados (4 a 6,5% por semestre versus 2,4 a 3,1% nos controles). Contudo, mesmo esse aumento discreto nas admissões não foi capaz de compensar o ganho financeiro obtido pela expressiva redução nas despesas farmacológicas.
Os autores do estudo ressaltam que esses achados tornam-se ainda mais significativos quando se considera que os cálculos utilizaram os valores de reembolso do Medicare, tradicionalmente duas a três vezes menores que os valores cobrados por seguradoras privadas. Assim, a economia real em pacientes com seguros comerciais poderia alcançar entre US$ 12.000 a US$ 18.000 por paciente ao longo de cinco anos e meio.
Outro ponto notável é que apenas 2% dos pacientes faziam uso de análogos de GLP-1 ou inibidores de SGLT-2 durante o período do estudo, terapias que atualmente dominam o manejo clínico da obesidade e do diabetes, mas com custos substancialmente mais altos. Isso sugere que os benefícios econômicos da cirurgia podem ser ainda maiores em um contexto contemporâneo, no qual o custo das terapias farmacológicas é mais elevado.
Ponto a favor da cirurgia bariátrica?
A cirurgia bariátrica, já reconhecida como uma das intervenções mais eficazes para controle metabólico, mostra agora que seu impacto positivo se estende para a sustentabilidade financeira do cuidado em saúde. A redução dos custos totais, majoritariamente impulsionada pela queda acentuada no uso de medicamentos, reflete não apenas a remissão do diabetes em boa parte dos pacientes, mas também a melhora global da saúde metabólica desses pacientes, com redução da necessidade de polifarmácia para controle de hipertensão, dislipidemia e outras comorbidades.
O estudo também confirma observações do histórico Swedish Obese Subjects Study (SOS), que já havia demonstrado queda de custos farmacológicos em longo prazo, porém traz, sobretudo para o cenário norte-americano, dados que demonstram que custos totais de saúde também declinam em pacientes com DM2, o que nunca havia sido demonstrado antes. A diferença pode também ser parcialmente explicada, contudo, pelo alto custo dos medicamentos nos EUA.
Essas evidências reforçam que o retorno econômico da cirurgia é particularmente evidente no subgrupo com diabetes tipo 2, uma vez que esses pacientes partem de uma linha de base de gastos mais altos. Assim, o impacto financeiro não se restringe à economia individual, mas repercute sobre o sistema de saúde como um todo, com potencial de aliviar a pressão orçamentária sobre planos privados e o sistema público.
Outro ponto de discussão é o cenário terapêutico atual. Com o uso crescente de análogos de GLP-1 para obesidade e diabetes, torna-se imperativo para os sistemas de saúde comparar a sustentabilidade de longo prazo entre o uso crônico dessas medicações e os custos da cirurgia bariátrica, bem como o seu impacto direto na prevenção de agravos em saúde e sua custo-efetividade.
Conclusão e mensagem prática
A mensagem central do estudo é de que a cirurgia bariátrica é uma intervenção que parece ser custo-efetiva para pacientes com diabetes tipo 2 e obesidade. Seus benefícios extrapolam o controle glicêmico, trazendo também uma economia significativa com gastos em saúde. Em tempos de expansão das terapias farmacológicas de alto custo, o estudo traz à tona a importância de se pensar não apenas na efetividade das terapias, mas também nos custos e na acessibilidade de tais tratamentos, cujo acesso ainda é extremamente desigual.
Para a prática clínica no contexto brasileiro, esses achados reforçam a necessidade de se investigar sua custo-efetividade em nosso país e, uma vez se comprovando os mesmos resultados encontrados no estudo que acabamos de discutir, integrar a cirurgia bariátrica às estratégias de cuidado do diabetes, não como último recurso, mas como componente precoce e estratégico do tratamento de indivíduos com obesidade e controle glicêmico inadequado, ou em uso intensivo de insulinoterapia. O impacto potencial sobre o SUS e sobre planos de saúde pode ser considerável, tanto em termos de qualidade de vida quanto de economia de recursos.
Autoria

Luiz Fernando Fonseca Vieira
Endocrinologista pelo HCFMUSP ⦁ Telemedicina no Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE) ⦁ Residência médica em Clínica médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) - Faculdade de Medicina de Botucatu
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