A obesidade é uma condição crônica e multifatorial que carrega um importante risco metabólico, cardiovascular e de dezenas de outras doenças. O manejo exige acompanhamento longitudinal e intervenções que vão desde mudanças de estilo de vida, terapias farmacológicas e cirúrgicas. Apesar disso, na prática clínica diária, especialmente na atenção primária, grande parte dos pacientes recebe apenas programas comportamentais simples, de baixo custo, que proporcionam perdas modestas, geralmente inferiores a 5 kg por ano, com impacto limitado na evolução da doença.
Diante do crescente impacto da obesidade nos sistemas de saúde, vem surgindo a necessidade de estratégias mais estruturadas e integradas que combinem intervenções sustentáveis, efetivas e economicamente viáveis de tratamento. O ensaio clínico LightCARE investiga se uma intervenção intensiva, baseada em mudança dietética, suporte comportamental e introdução escalonada de medicamentos, pode superar em eficácia o tratamento com atenção padrão. Para melhor clareza metodológica, os autores do estudo publicaram o protocolo em andamento para conhecimento da comunidade científica.
Metodologia:
O LightCARE é um ensaio clínico randomizado 1:1, de duração de 2 anos, com avaliação cega de desfechos, conduzido no Reino Unido e na Dinamarca. Seu objetivo é determinar os benefícios, possíveis danos e a custo-efetividade de uma intervenção intensiva de perda de peso (IWL) em comparação à atenção usual em adultos com obesidade grau I (IMC 30–34,9) ou obesidade grau II sem doença relacionada ao excesso de adiposidade. Serão incluídos 400 participantes entre 18 e 60 anos, recrutados na atenção primária.
Os critérios de exclusão são rigorosos para garantir uma amostra homogênea e evitar viés de confusão metabólica: presença de comorbidades que caracterizem obesidade complicada (como DM2, DPOC, hipertensão grave, esteato-hepatite), uso recente de medicamentos para perda de peso, gestação, câncer em tratamento, histórico de transtornos alimentares, cirurgia bariátrica prévia e condições que impeçam aderência ou seguimento do tratamento proposto.
A randomização é centralizada e estratificada por centro, com ocultação adequada da lista de alocação. Apesar da impossibilidade de cegar os participantes, os avaliadores de desfechos permanecem cegos, reduzindo viés de aferição. O grupo IWL segue três fases estruturadas de intervenção:
- Indução da perda de peso (semanas 1–12):
Uso de dieta restritiva com 800–850 kcal/dia, consultas quinzenais e metas precisas de perda de peso (≥ 1% por semana). Caso o paciente perca < 4% até a semana 4, ocorre a introdução de medicação antiobesidade, seguindo diretrizes nacionais e avaliação individualizada.
2. Continuação da perda (semanas 13–32):
Reintrodução gradual de alimentos com aumento da ingestão calórica controlada, manutenção de suporte comportamental e intensificação do tratamento caso a perda estabilize (< 2% em 4 semanas). Incentivo contínuo à prática de atividade física conforme padrões da OMS.
3. Manutenção (semanas 33–104):
Foco em evitar reganho. O uso da dieta restritiva pode ser reintroduzido em episódios de recuperação de peso, e o acompanhamento comportamental se torna mensal ou bimensal. Medicamentos, se iniciados, são mantidos.
O braço controle recebe atenção usual, que varia entre orientações básicas e encaminhamento para programas de 12–16 semanas, sem fases de acompanhamento estruturadas e com acesso limitado a medicamentos.
O desfecho primário é o peso corporal ao final das 104 semanas do estudo. Já os desfechos secundários incluem: proporção de participantes com ≥ 20% de perda de peso, melhora da qualidade de vida (SF-36 Mental Score), da velocidade de marcha, do Metabolic Syndrome Severity Z-score e avaliação de segurança (eventos adversos graves, transtornos alimentares incidentes, densidade mineral óssea). Além disso, o estudo incorpora uma ampla avaliação econômica e um robusto processo de implementação, o que contribui para aplicações futuras na prática real.
Resultados Previstos:
Os autores esperam que a intervenção IWL produza perdas superiores a 20% do peso corporal em uma proporção significativamente maior de pacientes, se confirmado, representa um impacto clínico substancial. Também se prevê melhora da qualidade de vida, da capacidade funcional e do escore de gravidade da síndrome metabólica.
O componente mais inovador, porém, é a possibilidade de custo-efetividade, pois caso o protocolo se mostre eficaz e sustentável financeiramente, isso pode redefinir as políticas de manejo da obesidade na atenção primária, especialmente em sistemas públicos de saúde. Na minha opinião, esse é o principal potencial transformador do estudo por tentar oferecer um modelo prático, escalável e economicamente racional.
Conclusão:
O protocolo é sólido e segue as principais diretrizes de estudos clínicos randomizados (SPIRIT e CONSORT). A inclusão de avaliação econômica e análise por intenção de tratar fortalece ainda mais o estudo. De forma geral, trata-se de um ensaio com rigor elevado e apropriado para responder à pergunta da pesquisa. A perda de seguimento dos pacientes do grupo intervenção é o principal foco dos pesquisadores para manter o poder de significância do estudo.
Para o contexto brasileiro, a partir dos resultados gerados, poderemos estruturar melhor as linhas de cuidado para obesidade, com protocolos definidos, metas claras e acompanhamento continuado, além de favorecer a introdução racional de medicamentos no âmbito do SUS.
Autoria
Paulo Melo
Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Ceará. Residência Médica em Clínica Médica pela Universidade Federal do Piauí e Residência Médica em Endocrinologia e Metabologia pela Santa Casa de Belo Horizonte. Possui título de especialista pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. É mestrando e professor da área de endocrinologia na Afya Educação Médica.
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