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Endocrinologia12 dezembro 2025

Estudo LightCARE pretende avaliar o tratamento da obesidade na atenção primária

Ensaio LightCARE avalia intervenção intensiva em pacientes com obesidade para perda de peso com dieta, suporte comportamental e medicamentos, comparada ao cuidado usual.
Por Paulo Melo

A obesidade é uma condição crônica e multifatorial que carrega um importante risco metabólico, cardiovascular e de dezenas de outras doenças. O manejo exige acompanhamento longitudinal e intervenções que vão desde mudanças de estilo de vida, terapias farmacológicas e cirúrgicas. Apesar disso, na prática clínica diária, especialmente na atenção primária, grande parte dos pacientes recebe apenas programas comportamentais simples, de baixo custo, que proporcionam perdas modestas, geralmente inferiores a 5 kg por ano, com impacto limitado na evolução da doença. 

Diante do crescente impacto da obesidade nos sistemas de saúde, vem surgindo a necessidade de estratégias mais estruturadas e integradas que combinem intervenções sustentáveis, efetivas e economicamente viáveis de tratamento. O ensaio clínico LightCARE investiga se uma intervenção intensiva, baseada em mudança dietética, suporte comportamental e introdução escalonada de medicamentos, pode superar em eficácia o tratamento com atenção padrão. Para melhor clareza metodológica, os autores do estudo publicaram o protocolo em andamento para conhecimento da comunidade científica. 

Metodologia: 

O LightCARE é um ensaio clínico randomizado 1:1, de duração de 2 anos, com avaliação cega de desfechos, conduzido no Reino Unido e na Dinamarca. Seu objetivo é determinar os benefícios, possíveis danos e a custo-efetividade de uma intervenção intensiva de perda de peso (IWL) em comparação à atenção usual em adultos com obesidade grau I (IMC 30–34,9) ou obesidade grau II sem doença relacionada ao excesso de adiposidade. Serão incluídos 400 participantes entre 18 e 60 anos, recrutados na atenção primária. 

Os critérios de exclusão são rigorosos para garantir uma amostra homogênea e evitar viés de confusão metabólica: presença de comorbidades que caracterizem obesidade complicada (como DM2, DPOC, hipertensão grave, esteato-hepatite), uso recente de medicamentos para perda de peso, gestação, câncer em tratamento, histórico de transtornos alimentares, cirurgia bariátrica prévia e condições que impeçam aderência ou seguimento do tratamento proposto. 

A randomização é centralizada e estratificada por centro, com ocultação adequada da lista de alocação. Apesar da impossibilidade de cegar os participantes, os avaliadores de desfechos permanecem cegos, reduzindo viés de aferição. O grupo IWL segue três fases estruturadas de intervenção: 

  1. Indução da perda de peso (semanas 1–12): 

Uso de dieta restritiva com 800–850 kcal/dia, consultas quinzenais e metas precisas de perda de peso (≥ 1% por semana). Caso o paciente perca < 4% até a semana 4, ocorre a introdução de medicação antiobesidade, seguindo diretrizes nacionais e avaliação individualizada. 

      2. Continuação da perda (semanas 13–32): 

Reintrodução gradual de alimentos com aumento da ingestão calórica controlada, manutenção de suporte comportamental e intensificação do tratamento caso a perda estabilize (< 2% em 4 semanas). Incentivo contínuo à prática de atividade física conforme padrões da OMS. 

       3. Manutenção (semanas 33–104): 

Foco em evitar reganho. O uso da dieta restritiva pode ser reintroduzido em episódios de recuperação de peso, e o acompanhamento comportamental se torna mensal ou bimensal. Medicamentos, se iniciados, são mantidos. 

O braço controle recebe atenção usual, que varia entre orientações básicas e encaminhamento para programas de 12–16 semanas, sem fases de acompanhamento estruturadas e com acesso limitado a medicamentos. 

O desfecho primário é o peso corporal ao final das 104 semanas do estudo. Já os desfechos secundários incluem: proporção de participantes com ≥ 20% de perda de peso, melhora da qualidade de vida (SF-36 Mental Score), da velocidade de marcha, do Metabolic Syndrome Severity Z-score e avaliação de segurança (eventos adversos graves, transtornos alimentares incidentes, densidade mineral óssea). Além disso, o estudo incorpora uma ampla avaliação econômica e um robusto processo de implementação, o que contribui para aplicações futuras na prática real. 

Resultados Previstos: 

Os autores esperam que a intervenção IWL produza perdas superiores a 20% do peso corporal em uma proporção significativamente maior de pacientes, se confirmado, representa um impacto clínico substancial. Também se prevê melhora da qualidade de vida, da capacidade funcional e do escore de gravidade da síndrome metabólica. 

O componente mais inovador, porém, é a possibilidade de custo-efetividade, pois caso o protocolo se mostre eficaz e sustentável financeiramente, isso pode redefinir as políticas de manejo da obesidade na atenção primária, especialmente em sistemas públicos de saúde. Na minha opinião, esse é o principal potencial transformador do estudo por tentar oferecer um modelo prático, escalável e economicamente racional. 

Conclusão: 

O protocolo é sólido e segue as principais diretrizes de estudos clínicos randomizados (SPIRIT e CONSORT). A inclusão de avaliação econômica e análise por intenção de tratar fortalece ainda mais o estudo. De forma geral, trata-se de um ensaio com rigor elevado e apropriado para responder à pergunta da pesquisa. A perda de seguimento dos pacientes do grupo intervenção é o principal foco dos pesquisadores para manter o poder de significância do estudo. 

Para o contexto brasileiro, a partir dos resultados gerados, poderemos estruturar melhor as linhas de cuidado para obesidade, com protocolos definidos, metas claras e acompanhamento continuado, além de favorecer a introdução racional de medicamentos no âmbito do SUS. 

Autoria

Foto de Paulo Melo

Paulo Melo

Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Ceará. Residência Médica em Clínica Médica pela Universidade Federal do Piauí e Residência Médica em Endocrinologia e Metabologia pela Santa Casa de Belo Horizonte. Possui título de especialista pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. É mestrando e professor da área de endocrinologia na Afya Educação Médica.

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