O diabetes tipo 2 (DM2) é uma doença crônica associada a diversas complicações cardiovasculares e renais, levando a elevada morbimortalidade, além de custos elevados e diminuição da expectativa de vida. Sua incidência vem aumentando em nível mundial. Mais de 700 milhões de casos são previstos até 2045. O DM2 é caracterizado por disfunção de células-beta associada resistência à insulina. A disfunção de células-beta é associada a diversas alterações fisiopatológicas como glicotoxicidade, lipotoxicidade, inflamação, estresse do retículo endoplasmático, estresse oxidativo, disfunção mitocondrial e autofagia. Deste modo, a preservação da função pancreática passa a ser um importante aspecto do tratamento do diabetes além do simples controle da glicemia.
As diferentes classes de drogas antidiabéticas disponíveis alcançaram sucesso clínico significativo. Entretanto, diferentes drogas mostram efeito diverso sobre a preservação de células-beta, seja em monoterapia ou combinação. Diferenças existem tanto entre as classes terapêuticas como entre diferentes drogas da mesma classe. Alguns estudos avaliaram a função de células-beta através do homeostasis model assessment-β (HOMA-β), que avalia a função pancreática endócrina através de um modelo matemático empregando glicemia e insulinemia de jejum. Alguns fármacos como análogos de GLP-1, por exemplo, podem ter efeito protetor sobre as células-beta.
A maioria dos ensaios clínicos randomizados controlados compara uma única droga ao placebo, ou a uma segunda droga como controle. Este desenho torna difícil uma comparação ampla entre todos os tratamentos disponíveis. Neste caso, a metanálise em rede é a abordagem preferida para avaliar a eficácia relativa de múltiplos tratamentos. Este método funciona através de comparações indiretas entre vários tratamentos que tenham sido testados contra um comparador comum. Assim é possível estabelecer uma rede de comparações indiretas e obter uma estimativa da eficácia relativa de cada tratamento.
Utilizando esta abordagem para testar a eficácia de diferentes tratamentos sobre a preservação de células-beta, um grupo de pesquisadores chineses realizou uma revisão sistemática com metanálise em rede, publicada no periódico European Journal of Medical Research em 2025 (1).
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Métodos
Revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados controlados. Os estudos incluídos avaliaram pacientes com DM2, seguidos por pelo menos 12 semanas, comparando diversas classes de tratamentos antidiabéticos ao placebo ou a um comparador ativo. Os desfechos foram índice HOMA-β e hemoglobina glicada (HbA1c).
Resultados
Após triagem de mais de 8000 artigos científicos, foram incluídos 58 estudos na metanálise, dos quais 34 eram duplo-cegos. Os demais utilizaram outros métodos de mascaramento. O índice HOMA- β foi avaliado em um total de 16345 pacientes, enquanto HbA1c foi avaliada em 14768 indivíduos.
Diversas combinações de tratamento foram superiores ao placebo na melhora do índice HOMA-β. Os esquemas terapêuticos mais eficazes foram glimepirida+rosiglitazona, glibenclamida+rosiglitazona e acarbose. A diferença no índice chagou a mais de 80% com a primeira. Em monoterapia, além da acarbose, os mais eficazes foram glibenclamida, exenatida, insulina glargina, insulina lispro e dulaglutida.
Quanto à melhora da HbA1c, quase todos os tratamentos examinados melhoraram significativamente este parâmetro quando comparados ao placebo. A combinação mais eficaz foi glibenclamida+rosiglitazona (diminuição de cerca de 2,5% na HbA1c), seguida por metformina+exenatida e liraglutida.
Conclusões
Combinações de drogas foram mais eficazes do que monoterapia tanto na função de células-beta quanto no controle glicêmico. Em consonância com a literatura existente, o tratamento combinado oferece maior eficácia terapêutica com menor incidência de efeitos adversos. Os autores concluem que o melhor desempenho da combinação sulfonilureia+rosiglitazona deve-se ao estímulo direto das células-beta pela sulfonilureia e da melhora na sensibilidade à insulina ocasionada pela rosiglitazona.
Apesar de o tempo de seguimento não ter sido abordado pelos autores como uma limitação, deve-se oferecer um contraponto à visão apresentada por eles. Não há evidência na literatura de real preservação de células-beta com uso da sulfonilureia, mas sim de uma melhora transitória em sua função. Além disso, dada a retirada da rosiglitazona do mercado em muitos países, o resultado funcionaria mais como uma prova de conceito.
Concluindo, o efeito dos diferentes tratamentos antidiabéticos na preservação de células-beta é uma questão relevante no tratamento do DM2, que precisa ser melhor abordada em futuros estudos. Este fator tem potencial para ser incorporado em recomendações terapêuticas para DM2 uma vez que sejam produzidas evidências adequadas.
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