A levotiroxina (LT4) é o tratamento padrão para hipotireoidismo. Com meia-vida de cerca de 7 dias, seu uso diário e constante ocasiona estabilidade do nível sérico de tiroxina (T4). Esta estabilidade dos níveis de T4 leva por sua vez a níveis estáveis de hormônio tireoestimulante (TSH) através da alça de feedback. Entretanto, entre 5 e 15% dos pacientes em tratamento adequado relatam insatisfação, com significativo declínio na qualidade de vida. A razão exata deste fenômeno é desconhecida, mas pode ser atribuída a níveis baixos de triiodotironina (T3), devido à produção insuficiente nos tecidos periféricos. Deste modo, o tratamento combinado com LT4/liotironina (LT3) tem sido proposto.
Alguns estudos randomizados controlados com desenho cruzado mostraram melhora em diversos domínios de qualidade de vida como saúde geral e vitalidade, enquanto outros estudos não confirmaram este achado. Devido às evidências conflitantes, este tópico foi identificado como uma área prioritária de pesquisa. Além disso, a grande maioria destes estudos foi realizada em pacientes europeus, portanto é necessária a realização de estudos em outras populações.
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Metodologia
Foi realizado um ensaio clínico randomizado controlado, duplo-cego, em uma população Iraniana. O estudo foi publicado em 2025 na revista BMC Endocrine Disorders (1). Foram avaliados pacientes maiores de 16 anos, com diagnóstico de hipotireoidismo há pelo menos 6 meses e em tratamento há pelo menos 3, que relatassem sintomas de hipotireoidismo como fadiga, alteração de humor, ganho de peso, letargia, desempenho psicomotor diminuído, alterações cognitivas e depressão, a despeito de níveis normais de hormônios tireoidianos.
Os pacientes foram randomizados para receber LT4+LT3 ou LT4+placebo. A dose inicial de LT4 foi em média 100µg no grupo placebo. O grupo de intervenção recebeu 50µg de LT4 combinados com 6,25µg de LT3 duas vezes ao dia. Os pacientes foram seguidos durante 6 meses. Dados vitais, antropométricos e laboratoriais foram avaliados. Para avaliação da qualidade de vida, foi utilizado um questionário SF36 versão 1 auto-aplicado. Os desfechos primários foram mudanças no componente físico agrupado (physical component summary – PCS) e no componente mental agrupado (mental component summary – MCS). Os desfechos secundários foram TSH, perfil lipídico e pressão arterial.
Resultados e Discussão
Cento e cinquenta e um pacientes completaram o estudo, sendo 71 no grupo LT4+LT3 e 80 no grupo LT4+placebo. A idade média foi de cerca de 43 anos e mais de 90% eram mulheres. Comparando-se os valores de base e após 6 meses de seguimento dentro de cada grupo, o grupo que recebeu LT3 apresentou níveis menores de TSH, porém ainda dentro da faixa adequada para pacientes em tratamento.
Na avaliação de qualidade de vida, os pacientes do grupo placebo apresentaram apenas melhora no funcionamento físico, na comparação com a linha de base. No grupo que recebeu LT3, houve melhora no funcionamento físico, saúde mental geral, percepção geral de saúde e escore de PCS. É importante ressaltar que estas comparações envolvem apenas cada grupo separadamente, não envolvendo, portanto, comparação entre T3 e placebo.
Ao realizar uma análise estatística mais minuciosa, abordando isoladamente o efeito do tratamento propriamente dito, os pacientes que utilizaram T3 apresentaram melhora nos domínios de funcionamento físico e dor corporal. Outros domínios não foram afetados.
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Conclusões
O estudo mostrou melhora de dois importantes aspectos da qualidade de vida: funcionamento físico e dor corporal. Entretanto, não foi visto efeito mais amplo sobre outros parâmetros. Não houve diferença em marcadores clínicos como peso corporal, pressão arterial, lípides e níveis de TSH. Uma importante limitação do estudo foi a ausência de dosagens de T3 e T4 séricos.
Na comparação com a literatura já existente, podemos ver que alguns ensaios clínicos demonstraram resultados da reposição de T3 sobre diferentes aspectos da qualidade de vida, mas sem um padrão consistente. Uma das hipóteses que explicaria este efeito é a inabilidade da monoterapia com LT4 em restauram os níveis teciduais de T3, uma vez que a enzima que converte perifericamente T4 em T3 (desiodase tipo 2) encontra-se inibida no hipotireoidismo. Deste modo, estudos sugerem que a terapia combinada LT3/LT4 pode ser mais eficaz do que LT4 isolada em modular a relação T3 livre/T4 livre.
Entretanto, outros ensaios clínicos apresentaram resultados contrastantes, falhando em replicar estes achados. Duas revisões sistemáticas envolvendo em conjunto mais de 20 estudos não demonstraram efeito benéfico da reposição de T3 sobre a qualidade de vida.
Muitos ensaios clínicos comparando terapia combinada com LT3/LT4 à monoterapia com LT4 recrutaram pacientes sem considerar a presença de sintomas persistentes ou insatisfação com o tratamento. Deste modo, o grupo que potencialmente mais se beneficiaria desta intervenção pode estar sub-representado nos estudos existentes, portanto mais estudos com esta população específica são necessárias. Concluindo, não há ainda evidências consistentes do efeito da terapia combinada com T3 sobre a qualidade de vida de pacientes com hipotireoidismo.
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