O grupo de estudos em nefropatia diabética da Spanish Society of Nephrology publicou em abril de 2025 um diretriz com orientações práticas para manejo dos pacientes com Diabetes mellitus (DM) e Doença renal crônica (DRC). Trata-se de um material voltado a todas as especialidades médicas que tratam estes pacientes, o que define as condutas apresentadas como gerais, não sendo responsabilidade apenas deste ou daquele especialista.
Seguindo a tendência proposta pela Kidney Disease Improving Global Outcomes (KDIGO) em 2022, são utilizados os termos de maior abrangência “Diabetes e Doença renal” (DDR) e “Doença renal diabética” (DRD) como sinônimos para designar os pacientes acometidos pelas patologias sobrepostas, mantendo a classificação do grau de acometimento da função renal de acordo com a taxa de filtração glomerular (TFG) e a albuminúria.
Estratificação das diretrizes
A diretriz de 26 páginas divide suas recomendações em cinco grupos (separados em capítulos), com um total de 22 recomendações, sendo categorizadas pelo nível de evidência e grau de recomendação conforme o GRADE (Grading of Recommendations Assessment, Development and Evaluation), apresentadas de forma direta a seguir:
Capítulo |
Recomendações |
GRADE |
Capítulo 1: Triagem e diagnóstico da DRD |
1.1 Recomenda-se o rastreio anual da DRD em pacientes DM1 este deve ser iniciado cinco anos após o diagnóstico; para o restante dos pacientes a pesquisa é feita a partir do diagnóstico de DM). Esse rastreio é feito com a dosagem da relação albumina/creatinina urinária em amostra isolada e estimativa da TFG utilizando a fórmula CKD-EPI |
2D |
1.2 Encaminhe o paciente ao nefrologista sempre que precisar de auxílio no manejo da DRD | 2D | |
1.3 A biópsia renal para pacientes com DM deve ser indicada nas seguintes situações: a) aumento rápido da proteinúria e/ou proteinúria nefrótica; b) proteinúria > 1 g/dia em urina de 24h em pacientes com DM com menos de cinco anos de evolução; c) piora da função renal em pacientes com ou sem retinopatia diabética; d) alterações do sedimento urinário, como dismorfismo eritrocitário, não associado a processo infeccioso; e) queda abrupta da TFG em pacientes que apresentavam função renal estável; f) alterações clínicas ou laboratoriais que sugiram doença autoimune. |
2D | |
Capítulo 2: Controle metabólico em pessoas com DDR |
2.1 Pacientes com DM2 e DRC sempre que possível deverão ser tratados com inibidores do cotransportador de sódio-glicose 2 (iSGLT2), como Dapaglifozina e Empaglifozina, e, se necessário, com tratamento farmacológico adicional para controle glicêmico. |
1B |
2.2 Os agonistas do receptor GLP-1, como a Semaglutida, são recomendados como tratamento farmacológico adicional (pelo benefício cardiovascular e renal em pacientes com DM2). |
1B | |
Capítulo 3: Controle da pressão arterial em pessoas com DRD |
3.1 A meta da pressão arterial sistólica (PAS) para pacientes com DRD é < 130 mmHg, se tolerada (em caso de intolerância, mantém-se a meta geral < 140 mmHg) |
2C |
3.2 Utilize inibidores da enzima conversora de angiotensina (iECA), como o Enalapril, ou bloqueadores do receptor da angiotensina II (BRA), como a Valsartana, para pacientes com hipertensão e DRD |
2B | |
3.3 Antagonistas do receptor mineralocorticoide esteroidais, como a Espironolactona e a Eplerenona, são úteis para o manejo de hipertensão em paciente com TFG estimada > 30 ml/min/1,73 m² e potássio sérico < 4,8 mmol/l. |
2D | |
3.4 Os antagonistas do receptor mineralocorticoide não esteroidais (como a Finerenona), por falta de evidência, não são recomendados para o manejo de hipertensão. |
2B | |
3.5 A combinação de iECA com BRA ou Alisquireno em paciente com DDR deve ser evitada. |
2D | |
Capítulo 4: Tratamento direcionado à progressão da DRC em pessoas com DRD |
4.1 Pacientes com DM2 e DRC com TFG estimada ≥ 20 ml/min/1,73 m² devem ser tratados com um iSGLT2 e continuar até chegar ao estágio de doença renal terminal (diálise ou transplante renal). |
1A |
4.2 O tratamento com iECA ou BRA deve ser iniciado em pacientes com DM, hipertensão e albuminúria, com titulação até a maior dose tolerada aprovada para uso. |
1A | |
4.3 Pacientes com DM2, TFG estimada ≥ 25 ml/min/1,73 m² e albuminúria > 100 mg/g, em uso de dose máxima tolerada estável de inibidores do sistema renina-angiotensina (SRA) devem ser tratados com um agonista do receptor GLP-1 com benefício renal comprovado. |
1A | |
4.4 Iniciar um antagonista do receptor de mineralocorticoide não esteroidal com benefício renal e/ou cardiovascular comprovado para pacientes com DM2, TFG estimada ≥ 25 ml/min/1,73 m², concentração sérica de potássio normal e albuminúria ≥ 30 mg/g, apesar da dose máxima tolerada de inibidor do SRA. |
1B | |
4.5 Manter uma ingestão proteica de 0,6-0,8 g/kg (peso)/dia para pacientes com DDR não dialíticos. |
2C | |
Capítulo 5: Terapia antiplaquetária ou anticoagulante em pessoas com DDR |
5.1 Pacientes com DM1 ou DM2 e DRC com doença cardiovascular aterosclerótica estabelecida devem ser tratados com ácido acetilsalicílico (AAS) em baixa dose (75–100 mg/dia) para prevenção secundária. |
1B |
5.2 Recomenda-se terapia antiplaquetária dupla (com AAS em baixa dose e um inibidor P2Y12) após síndrome coronariana aguda ou intervenção coronária percutânea, seguida de terapia antiplaquetária única com duração determinada por uma equipe multidisciplinar com base no perfil de risco-benefício. |
1B | |
5.3 Pacientes com DM1 ou DM2 e DRC e um acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico não cardioembólico prévio ou ataque isquêmico transitório (AIT) deverão receber terapia antiplaquetária prolongada para reduzir o risco de AVC recorrente. |
1C | |
5.4 Considere o uso de terapia antiplaquetária dupla (com baixa dose de ácido acetilsalicílico e um inibidor P2Y12) após AVC isquêmico não cardioembólico agudo ou AIT em pacientes com DM1 ou DM2 e DRC, seguida de terapia antiplaquetária única. |
2C | |
5.5 Não há evidências claras para recomendação do uso de AAS em baixa dose para prevenção primária de doença cardiovascular aterosclerótica em pacientes com DM1 ou DM2 e DRC estágio 3 ou superior. |
2C | |
5.6 Pacientes com DM1 ou DM2 e DRC com Fibrilação atrial não valvar devem ser tratados preferencialmente com anticoagulantes orais diretos em vez de antagonistas da vitamina K em pacientes com DRC estágios 1 a 4 (Dabigatrana até estágio 3b). |
1B | |
5.7 Pacientes com DM1 ou DM2 e DRC com tromboembolismo venoso devem ser tratados preferencialmente com anticoagulantes orais diretos em vez de antagonistas da vitamina K em pacientes com DRC estágios 1–4 (Dabigatrana até estágio 3b). |
2C |
*Interpretação do GRADE: O grau de recomendação é classificado como forte (1) ou fraco (2) e o nível de evidência é apresentado como alto (A), moderado (B), baixo (C) e muito baixo (D). ]
Leia também: Diretriz sobre Doença Renal do Diabetes: abordagem por etapas
Mensagem prática
A diretriz foca no dia a dia de todo médico em seu consultório: dar ao seu paciente o que há de mais robusto em relação às evidências disponíveis a fim de que o seu paciente tenha a melhor evolução possível no espectro das suas comorbidades. Dito isso, segue um breve resumo das recomendações para reforçar:
- Realize exames de creatinina sérica (para estimar a TFG) e colha uma amostra isolada de urina para medir a relação albumina/creatinina urinária em seus pacientes com DM;
- Caso você não saiba o que fazer com um paciente com DM e DRC, em relação à função renal e prescrição de drogas que reduzem a morbidade do paciente, peça ajuda a um nefrologista;
- Pacientes com DM2 e DRC se beneficiam do uso de iSGLT2 e a associação posterior com agonistas do receptor GLP-1 é benéfica;
- Um bom esquema para controle pressórico de um paciente com DRD (alvo de PAS > 130 mmHg) é usar iECA ou BRA associado a um antagonista do receptor mineralocorticoide esteroidal (se TFG, níveis pressóricos e potássio sérico permitirem);
- AAS com ou sem inibidor da P2Y12 pode ser benéfico para o paciente com DRD (a depender do seu perfil de comorbidades); e
- Pacientes com DM e DRC, com Fibrilação atrial ou Tromboembolismo venoso, se beneficiam do uso de anticoagulantes orais diretos em vez de antagonistas da vitamina K.
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