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Endocrinologia29 março 2025

Controle glicêmico intensivo e redução de risco cardiovascular segundo idade

Estudo ADVANCE avaliou o impacto do controle glicêmico intensivo no risco cardiovascular em pacientes com DM2

O tratamento do diabetes mellitus tipo 2 (DM2) vem evoluindo com o objetivo de atingir não apenas as metas glicêmicas, mas também conferir proteção adicional aos órgãos alvo da condição, promovendo redução de risco cardiovascular e renal. Tal mudança de paradigma surgiu após alguns anos de evolução no estudo da relação do DM2 com o risco cardiovascular. Após a proibição da rosiglitazona por aumentar o risco de eventos cardiovasculares, o FDA (a “Anvisa” dos Estados Unidos) passou a exigir que novas drogas para o tratamento do diabetes apresentassem trials de segurança cardiovascular, os Cardiovascular Outcome Trials, ou CVOTs. A partir daí, medicações como inibidores de SGLT-2 e agonistas de GLP-1 passaram a demonstrar que não só não aumentavam como reduziam o risco de eventos, mudando assim o direcionamento das principais diretrizes de tratamento do diabetes no mundo. 

Nesses anos, uma pauta muito discutida foi se o controle intensivo do DM2 era ou não capaz de reduzir o risco cardiovascular. A coorte de seguimento de indivíduos do UKPDS, de indivíduos com DM2 tratados logo ao diagnóstico apontava para que o controle intensivo da glicemia poderia conferir redução do risco cardiovascular, ao passo que outros estudos como o VADT, ACCORD e ADVANCE, realizados em pacientes com DM2 de longa data, poderia não trazer efeitos benéficos e inclusive talvez até mesmo aumentar a chance de eventos. Tal diferença dos achados gerou o que se chama hoje de “efeito legado”: o tratamento precoce do DM2 pode reduzir o risco de eventos cardiovasculares, ao passo que os benefícios cardiovasculares advindos do tratamento intensivo em indivíduos com DM2 de longa data são incertos. 

Relevância do estudo ADVANCE 

O estudo ADVANCE (Action in Diabetes and Vascular Disease) particularmente foi um dos maiores ensaios clínicos randomizados a avaliar o impacto do controle glicêmico intensivo no risco cardiovascular em pacientes com DM2. Publicado originalmente em 2008, incluiu 11.140 pacientes com DM2 e alto risco cardiovascular, randomizados para receber um controle glicêmico padrão ou intensivo, visando uma HbA1c ≤ 6,5%. O estudo demonstrou que o controle intensivo resultou em redução de 10% no risco de eventos microvasculares, particularmente nefropatia, sem impacto significativo na mortalidade geral ou eventos cardiovasculares maiores. Além disso, observou-se um aumento no risco de hipoglicemia severa na coorte sob controle intensivo. 

Com base nesse contexto, foi publicada na revista Diabetes Care, da American Diabetes Association (ADA) recentemente uma análise post hoc do estudo ADVANCE que buscou explorar se a idade no momento do diagnóstico e a duração do diabetes de fato modificam os efeitos do controle glicêmico intensivo sobre desfechos cardiovasculares e mortalidade. Pela relevância do tema, trazemos o estudo para discussão no portal. 

Métodos 

A análise post hoc utilizou dados do ADVANCE, incluindo 11.138 participantes, classificados segundo a idade ao diagnóstico do DM2 (≤50, 50–60 e >60 anos) e duração do diabetes (≤5, 5–10 e >10 anos). O objetivo foi determinar se o impacto do controle intensivo diferia entre esses subgrupos. Os participantes foram alocados em dois grupos: Grupo de controle intensivo (tratamento com objetivo de HbA1c ≤6,5%) vs. grupo de controle padrão (tratamento conforme diretrizes locais, sem metas específicas de HbA1c).  

Desfechos 

Os desfechos analisados incluíram eventos macrovasculares maiores (infarto do miocárdio, AVC não fatal e morte cardiovascular); eventos microvasculares maiores (progressão de nefropatia e retinopatia diabética), além de mortalidade por todas as causas e mortalidade cardiovascular. Como desfecho de segurança, foram analisados episódios de hipoglicemia grave, definida como aqueles em que foi necessário assistência médica. 

A média de idade da coorte foi 65,8 anos, e a duração média do diabetes foi 7,9 anos. As mulheres representavam 42,5% da amostra, e 37,1% dos participantes eram residentes na Ásia. O estudo incluiu pacientes com alto risco cardiovascular, com 68,7% tendo hipertensão tratada e 32,2% com histórico de doença macrovascular prévia.  

Veja mais: Novas possibilidades de tratamento para risco cardiovascular residual em diabetes

Resultados 

O controle intensivo resultou em redução global de 10% no risco de eventos macrovasculares e microvasculares combinados (HR 0,90; IC 95% 0,82–0,98). No entanto, ao estratificar os pacientes por idade no diagnóstico e duração do diabetes, observou-se que nem idade, nem duração do diabetes impactaram na ocorrência de desfechos. 

O benefício foi consistente em todas as faixas etárias, com P para heterogeneidade = 0,86, sugerindo que pacientes com diagnóstico mais precoce não apresentaram maior benefício do controle intensivo em comparação aos diagnosticados mais tardiamente. Da mesma forma, não houve diferença significativa na eficácia do controle intensivo conforme o tempo de doença (P para heterogeneidade = 0,47). 

Tais achados contrastam com a visão tradicional de que pacientes com DM2 de longa duração são menos responsivos ao controle glicêmico rigoroso. Apesar da expectativa de que indivíduos diagnosticados precocemente poderiam obter benefícios amplificados, o estudo indica que o impacto da terapia intensiva é semelhante e independe do tempo de doença. 

Em linha com o estudo original, não houve redução de risco cardiovascular de forma estatisticamente significativa ou de mortalidade. A análise evidenciou uma redução não significativa de mortalidade por todas as causas de 6% (HR 0,94; IC 95% 0,83–1,06) e de mortalidade cardiovascular (HR 0,88; IC 95% 0,74–1,04), além de uma redução também de 6%, não significativa, em eventos macrovasculares (HR 0,94; IC 95% 0,84–1,06). 

Já os eventos microvasculares tiveram de fato uma redução significativa de 14% (HR 0,86; IC 95% 0,77–0,97), impulsionada principalmente pela menor incidência de progressão da nefropatia (redução de 22%; HR 0,78; IC 95% 0,66–0,93), enquanto o risco de hipoglicemia grave aumentou 86% no grupo de controle intensivo (HR 1,86; IC 95% 1,42–2,44), sem variação entre os subgrupos de idade ou duração do diabetes. 

Esses dados ressaltam que, apesar dos benefícios microvasculares, o controle intensivo não reduziu significativamente a mortalidade geral ou eventos macrovasculares na coorte do ADVANCE, mesmo quando ajustados para idade e para tempo de duração do diabetes. 

Perspectivas 

Os achados do estudo reforçam que o controle intensivo da glicemia pode ser benéfico independentemente da idade ao diagnóstico e da duração do diabetes, desafiando a noção de que pacientes com DM2 de longa data não se beneficiam dessa estratégia, sobretudo quando consideramos eventos microvasculares. No entanto, o impacto clínico não foi claro na redução de eventos cardiovasculares ou mortalidade, em linha com o ADVANCE original. 

Conclusão e mensagem prática 

Vale ressaltar que se trata de uma análise post hoc, capaz de gerar hipóteses, mas não conclusões e que o desenho original não previa poder suficiente para detecção do impacto em cada subgrupo. Contudo, encontrar o impacto isolado do controle glicêmico em pacientes com DM2 de longa data em termos de desfecho cardiovascular através de um ensaio clínico é uma tarefa árdua, seja pela amostra necessária, seja pelo fato de que vários desenhos para tal estudo hoje seriam antiéticos, uma vez que não iremos privar indivíduos de alto risco de terapias eficazes, sobretudo com o advento de medicações capazes de impactar positivamente o risco cardiovascular de pacientes com DM2. Ainda, talvez nem seja mais necessário responder a essa questão, visto que as novas terapias podem preencher essa lacuna. Quem sabe, no entanto, através de estudos observacionais com emulações de ensaios clínicos, possamos ter mais evidências a respeito do tema. 

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Referências bibliográficas

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