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Endocrinologia20 fevereiro 2025

Consenso sobre definições de disruptores endócrinos: as 12 características-chaves

Estudo propôs um framework baseado em 12 características-chave que definem um disruptor metabólico

O papel dos disruptores endócrinos na gênese de doenças crônicas tem sido amplamente estudado nas últimas décadas, especialmente no contexto do aumento global da obesidade, diabetes tipo 2 (DM2), síndrome metabólica e doença hepática esteatótica associada à disfunção metabólica (DHEM). Esses agentes incluem compostos químicos ambientais, fármacos, contaminantes alimentares e fatores físicos, capazes de interferir nos processos fisiológicos que regulam a homeostase energética, a sensibilidade insulínica, a função do tecido adiposo e a resposta inflamatória sistêmica. 

Embora já existam definições bem estabelecidas para disruptores endócrinos – substâncias que modulam a função hormonal – a identificação de compostos que especificamente impactam o metabolismo ainda é uma área emergente.  

Com o objetivo de padronizar definições e características na literatura, foi publicado recentemente um consenso sobre disruptores endócrinos na Nature Endocrine Reviews. O objetivo, de acordo com os autores, foi propor um framework baseado em 12 características-chave que definem um disruptor metabólico, utilizando um modelo semelhante ao adotado para agentes carcinogênicos e tóxicos endócrinos. Esse modelo pode oferecer um referencial para a identificação e caracterização de substâncias que possam contribuir para o aumento das doenças metabólicas, auxiliando na regulação dessas substâncias e na formulação de estratégias preventivas. Pela relevância do tema, trazemos esse consenso para revisão aqui no portal. 

Veja também: Podcast #121: Disruptores endocrinológicos: o que são e que cuidados tomar?

Desenvolvimento do consenso

A formulação do consenso envolveu um painel multidisciplinar de especialistas em metabolismo, endocrinologia, toxicologia e avaliação de risco químico, que analisou evidências de estudos epidemiológicos, experimentais e de fisiopatologia para definir os critérios que caracterizam um disruptor metabólico. 

Houve consenso sobre a seleção de 12 características-chave, estruturado durante um workshop internacional realizado em 2022, seguido por discussões periódicas para garantir um modelo abrangente e operacionalmente viável. Foram revisados dados de estudos in vitro, modelos animais e investigações clínicas sobre substâncias conhecidas por afetar o metabolismo, incluindo bisfenol A (BPA), pesticidas organoclorados, tributilestanho (TBT), poluentes persistentes e fármacos como glicocorticoides e antipsicóticos atípicos. 

O framework foi projetado para ser aplicado na avaliação de risco das substâncias, permitindo que novas moléculas sejam analisadas de acordo com critérios bem definidos antes de sua ampla utilização comercial. 

Quais são as características-chaves que definem um disruptor endócrino? 

Os disruptores endócrinos atuam por múltiplos mecanismos, afetando a regulação energética e a função metabólica em diferentes tecidos. O consenso estabeleceu 12 características fundamentais que podem definir um disruptor endócrino/metabólico: 

  1. Alteração da função do pâncreas endócrino – Substâncias como BPA e pesticidas organofosforados podem prejudicar a secreção de insulina e glucagon, levando a disfunção das células β e α pancreáticas, um fator determinante no desenvolvimento do diabetes tipo 2. 
  2. Comprometimento da função do tecido adiposo – O tributilestanho (TBT), por exemplo, ativa receptores nucleares que favorecem a adipogênese, levando ao acúmulo de tecido adiposo disfuncional e à resistência insulínica. 
  3. Alteração do controle nervoso da função metabólica – Compostos como perfluoroalquilados (PFOAs) e bisfenóis interferem na sinalização hipotalâmica, alterando os circuitos de controle da fome e saciedade. 
  4. Promoção da resistência à insulina – Certos pesticidas organoclorados foram associados a alterações na captação de glicose e no metabolismo hepático, exacerbando a resistência insulínica. 
  5. Disrupção de vias de sinalização metabólica – Disruptores metabólicos podem ativar ou inibir receptores nucleares essenciais para o metabolismo lipídico e glicêmico, como o PPARγ e o RXR, levando a efeitos prolongados na homeostase energética. 
  6. Alteração do desenvolvimento e destino de células metabólicas – Estudos indicam que a exposição a disruptores metabólicos durante o desenvolvimento fetal pode alterar permanentemente a programação metabólica, aumentando o risco de obesidade e diabetes na vida adulta. 
  7. Distorção da homeostase energética – Agentes como o DDT afetam o metabolismo mitocondrial, reduzindo a taxa de oxidação de ácidos graxos e promovendo a deposição de lipídios. 
  8. Alteração no manuseio e partição de nutrientes – O BPA compromete a captação de glicose pelo fígado e tecido adiposo, favorecendo o acúmulo de gordura visceral. 
  9. Promoção de inflamação crônica e disfunção imune – A inflamação metabólica induzida por PCBs e dioxinas, por exemplo, pode acelerar o desenvolvimento da resistência insulínica e da disfunção hepática. 
  10. Disrupção da função gastrointestinal – Alterações na microbiota intestinal promovidas por contaminantes como clorpirifós afetam a absorção de nutrientes e a secreção de hormônios intestinais. 
  11. Indução de vias de estresse celular – O estresse oxidativo causado por metais pesados compromete a função mitocondrial e aumenta o risco de doenças metabólicas. 
  12. Disrupção dos ritmos circadianos – A exposição crônica à luz artificial e a substâncias químicas que afetam a sinalização da melatonina pode interferir na homeostase metabólica, aumentando o risco de obesidade e diabetes. 

Quais são os disruptores metabólicos mais conhecidos? 

Atualmente, diversos compostos ambientais e fármacos são reconhecidos como potenciais disruptores endocrinometabólicos. O bisfenol A (BPA), por exemplo, presente em plásticos e revestimentos de embalagens, interfere na secreção de insulina e promove resistência insulínica. Os pesticidas organofosforados, amplamente utilizados na agricultura, modulam a função hepática e a homeostase glicêmica, favorecendo o desenvolvimento da síndrome metabólica. 

O tributilestanho (TBT), um composto encontrado em tintas anti-incrustantes e produtos industriais, foi amplamente estudado devido à sua capacidade de ativar o receptor PPARγ, promovendo um fenótipo metabólico obesogênico. 

Além dos compostos ambientais, alguns fármacos amplamente prescritos também podem atuar como disruptores metabólicos. Os antipsicóticos atípicos, como a olanzapina, são conhecidos por induzir ganho de peso e resistência insulínica ao modular a sinalização hipotalâmica e alterar a função mitocondrial. Até mesmo os glicocorticóides podem ser configurados como disruptores devido aos seus efeitos metabólicos adversos ao induzir hiperglicemia e redistribuição do tecido adiposo. 

Conclusões e perspectivas 

A estruturação das características-chave dos disruptores endocrinometabólicos fornece um marco essencial para a identificação e regulação de agentes químicos que impactam negativamente a homeostase metabólica. Esse modelo tem o potencial de transformar a avaliação de risco, permitindo que substâncias sejam analisadas de forma sistemática antes de sua ampla utilização industrial e farmacológica. 

O consenso reforça a necessidade de estudos de longo prazo para validar a relação causal entre a exposição a esses agentes e o desenvolvimento de doenças metabólicas. De acordo com os autores, tecnologias emergentes, como modelagem computacional de toxicidade e biomarcadores metabólicos avançados, podem acelerar esse processo e contribuir para a formulação de políticas públicas mais eficazes. 

No futuro, espera-se que a identificação de disruptores metabólicos influencie regulamentações internacionais e nacionais, limitando a exposição a compostos potencialmente nocivos e promovendo a saúde metabólica global. A integração desse conhecimento com novas abordagens terapêuticas pode oferecer caminhos inovadores para mitigar os efeitos adversos desses agentes e reduzir a carga global de doenças metabólicas. 

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Referências bibliográficas

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