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Endocrinologia17 novembro 2025

Biomarcadores inflamatórios e metabólicos na doença hepática esteatótica

A revisão seguiu as diretrizes PRISMA-ScR e foi registrada no Open Science Framework e respondeu algumas perguntas importantes da prática.
Por Paulo Melo

A doença hepática esteatótica metabólica (sigla em português, DHEM / sigla em inglês, NAFLD) representa hoje uma das principais causas de cirrose e transplante hepático no mundo. Caracteriza-se pelo acúmulo difuso de gordura hepática em indivíduos sem consumo significativo de álcool, e engloba um espectro que vai da esteatose simples à esteato-hepatite não alcoólica (NASH), fibrose hepática, cirrose e, em estágios avançados, ao carcinoma hepatocelular. 

A fisiopatologia é multifatorial: envolve acúmulo lipídico, estresse oxidativo, inflamação e disfunção imunometabólica. Do ponto de vista endocrinológico, a doença está intimamente relacionada a obesidade, diabetes tipo 2 e síndrome metabólica, condições que compartilham em comum a forte presença da resistência insulínica e de gruas variáveis de inflamação crônica. Habitualmente, o diagnóstico da DHEM é realizado por exames de imagem (ultrassom, tomografia ou ressonância magnética), que, embora úteis para rastreio, apresentam sensibilidade e especificidade limitadas. A biópsia hepática segue sendo o padrão-ouro, mas seu caráter invasivo restringe o uso corriqueiro na maioria dos casos. 

Nesse contexto, os biomarcadores inflamatórios e metabólicos emergem como ferramentas promissoras para detecção precoce, estadiamento e estratificação de risco da doença. Dessa forma, uma recente revisão de escopo sintetizou as evidências sobre o valor diagnóstico de biomarcadores inflamatórios e metabólicos, identificando quais apresentam melhor desempenho em diferentes fases da doença. 

 

Metodologia

A revisão seguiu as diretrizes PRISMA-ScR e foi registrada no Open Science Framework. Foram pesquisadas bases internacionais (PubMed, Web of Science, Cochrane, Embase) e chinesas (CNKI, Wanfang, VIP), com publicações até agosto de 2024. A seleção incluiu apenas estudos originais sobre biomarcadores inflamatórios ou metabólicos em pacientes com DHEM. 

Foram identificados 27.864 estudos, dos quais 15 preencheram os critérios de inclusão (11 caso-controle, 2 coortes, 1 transversal e 1 retrospectivo). A amostra global variou de 42 a 11.883 participantes, com boa qualidade metodológica. A maioria dos estudos foi conduzida na China (10), e os demais na Turquia, Alemanha, Irã, Egito e EUA. A revisão abrangeu múltiplos desenhos, sendo mais suscetível a viés de heterogeneidade. 

As perguntas centrais foram: os biomarcadores inflamatórios ou metabólicos possuem valor diagnóstico para NAFLD? Quais se destacam na triagem, classificação ou predição de fibrose? 

Resultados e discussão

A revisão agrupou os biomarcadores em cinco categorias: inflamatórios, imunocelulares, metabólicos, de lesão hepática e de estresse oxidativo. Entre os principais achados, destacam-se: 

  • IL-6, TNF-α, IL-1β e CRP correlacionaram-se com a gravidade da doença, sendo úteis na diferenciação entre NAFL e NASH; 
  • Índices inflamatórios derivados do hemograma, como NLR, MHR, SII e AISI, mostraram-se marcadores acessíveis, baratos e úteis na estratificação precoce; 
  • Biomarcadores metabólicos como FGF21, adiponectina e o índice Triglicerídeo-Glicose (TyG) tiveram boa performance na triagem de pacientes com resistência insulínica e risco de NAFLD; 
  • CK-18 apresentou especificidade para NASH, enquanto osteopontina (OPN) e PTX3 associaram-se à fibrose hepática; 
  • Ácido úrico e hemoglobina destacaram-se como indicadores indiretos de estresse oxidativo e progressão da doença. 

Não houve biomarcador isolado claramente superior em todos os estágios, mas o uso combinado parece aumentar a acurácia diagnóstica. A maioria dos estudos originou-se da Ásia (principalmente China, Egito e Irã), o que limita a extrapolação dos resultados para populações ocidentais. Apesar dessa limitação, os achados reforçam a tendência de substituir progressivamente métodos invasivos por modelos combinados baseados em múltiplos biomarcadores. 

 

Conclusão 

Os biomarcadores inflamatórios e metabólicos podem oferecer uma abordagem não invasiva promissora para triagem e acompanhamento da DHEM. Em especial, o índice TyG que se destacou no rastreio inicial, o CK-18 na diferenciação de NASH e a OPN na avaliação de fibrose avançada. 

Apesar do avanço na identificação desses biomarcadores, sua aplicabilidade prática ainda é limitada. No Brasil, a maioria desses testes apresenta custo elevado e baixa disponibilidade nos laboratórios clínicos, sendo restritos, em geral, a centros de pesquisa ou instituições privadas de grande porte. Essa limitação reduz a viabilidade de sua incorporação rotineira na prática médica, especialmente no sistema público de saúde. 

Como de aprendizado da revisão para a rotina do consultório, podemos utilizar a associação do índice Triglicerídeo-Glicose (TyG) com os escores já recomendados pelas diretrizes atuais, como o Fibrosis-4 (FIB-4) e o NAFLD (Non-Alcoholic Fatty Liver DiseaseFibrosis Score, amplamente utilizados no Brasil e de fácil acesso, para aprimorar a estratificação de risco, especialmente em pacientes com diabetes e obesidade.  

Autoria

Foto de Paulo Melo

Paulo Melo

Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Ceará. Residência Médica em Clínica Médica pela Universidade Federal do Piauí e Residência Médica em Endocrinologia e Metabologia pela Santa Casa de Belo Horizonte. Possui título de especialista pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. É mestrando e professor da área de endocrinologia na Afya Educação Médica.

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