Baricitinibe pode retardar início da terapia com insulina na diabetes tipo 1?
Um ensaio clínico, publicado no NEJM, avaliou o uso do medicamento em pacientes recém-diagnosticados com DM1
Apesar dos avanços recentes no tratamento do diabetes mellitus tipo 2 (DM2), o diabetes mellitus tipo 1 (DM1) ainda permanece com poucas alternativas para tratamento. Recentemente, a aposta em tecnologia vem auxiliando na condução da doença, porém tais ferramentas serão, pelo menos inicialmente, de acesso restrito. Além disso, a terapia de reposição hormonal do DM1, que é o tratamento com insulina, infelizmente não previne todos os riscos e complicações do DM1.
Assim, novas alternativas tem sido pesquisadas. Uma delas é a terapia celular com transplante de ilhotas pancreáticas e de células beta baseadas em células tronco, ainda em processo inicial de estudos, porém promissores. A segunda são as terapias que possam eventualmente retardar a progressão do DM1, independentemente da fase em que se encontre.
Diabetes tipo 1
Vale a pena relembrar: a fase 1 é a fase pré-clínica, onde os indivíduos apresentam apenas autoanticorpos contra ilhotas pancreáticas positivas. A fase 2 equivale a um “pré-diabetes”, onde existe, além da autoimunidade, alterações incipientes da glicemia, vistos como glicemia de jejum alterada, hemoglobina glicada em valores de pré-diabetes (entre 5,7% e 6,4%) ou um teste oral de tolerância à glicose (TOTG 75g) alterado. Já a fase 3 é a fase clínica, onde o indivíduo apresenta todas as características de um DM1 manifesto.
Um exemplo recente de medicação que vem sendo estudada nesse contexto é o teplizumabe, um anticorpo anti-CD3 que mostrou uma capacidade de retardar o tempo de progressão do DM1 em fase 2 para fase 3, em média, em 24 meses. O hazard ratio para diagnóstico de DM1 foi de 0,41 e as taxas de diagnóstico por ano foram de 14,9% no grupo teplizumabe e 35,9% no grupo placebo. O teplizumabe já foi aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) para tratamento de indivíduos com DM1 em estágio 2.
Ainda nesse sentido, novas terapias vêm sendo estudadas para avaliar a capacidade de início ou progressão do DM1, ou mesmo em estágio 3, preservar as células betapancreáticas e sua função residual, uma vez que já foi demonstrado que tal fato pode reduzir o risco de complicações vasculares e de hipoglicemias. No início de dezembro/2023, foi publicado no New England Journal of Medicine (NEJM) um ensaio clínico randomizado, de fase 2, para avaliar se o baricitinibe (um inibidor Janus Kinase – JAK) poderia ser eficaz em retardar o início de insulina em indivíduos recém-diagnosticados com DM1 (ou seja, em estágio 3).
O estudo
O estudo australiano randomizou 91 pacientes em proporção 2:1 entre baricitinibe 4 mg/dia ou placebo (60 versus 31 participantes). Para isso, foram selecionados indivíduos recém-diagnosticados (menos de 100 dias), entre 10 e 30 anos de idade, com peptídeo C randômico maior que 0,3 nmol/l ou maior que 0,2 em um teste de refeição mista. Foram excluídos aqueles que tivessem utilizado algum tratamento imunomodulador ou comorbidades como neoplasias ativas, citopenias ou LDL colesterol acima de 155 mg/dL.
A média de idade foi de 18 anos, maioria (próximo de 90%) brancos, cerca de 60% homens. A quantidade inicial de insulina utilizada no início do estudo era de 0,43 U/kg/d no grupo baricitinibe e 0,48 U/kg/d no grupo placebo, enquanto a hemoglobina glicada inicial era de 6,98% vs. 7,47%, respectivamente.
O objetivo primário foi avaliar a reserva pancreática desses pacientes após 48 semanas. Para isso, utilizaram a dosagem do peptídeo C 2h após uma refeição mista (para estimular a secreção residual de insulina). Como desfechos secundários, foram selecionados parâmetros como controle glicêmico, tempo no alvo (aferido por monitores contínuos de glicemia), dose total de insulina utilizada e hemoglobina glicada após 48 semanas.
Baricitinibe foi capaz de preservar células betapancreáticas
O baricitinibe foi capaz de preservar células beta pancreáticas. O desfecho primário, como mencionado anteriormente, foi a dosagem do peptídeo C 2h após uma refeição mista. A diferença encontrada foi a seguinte:
- Grupo baricitinibe: 0,65 nmol/l;
- Grupo placebo: 0,43 nmol/l (diferença ajustada na área sob a curva: 0,13; IC 95% 0,06 – 0,18; p = 0,001).
Quanto aos desfechos secundários, os resultados foram os seguintes, também na semana 48 (grupo baricitinibe vs. placebo, respectivamente):
- Dose média de insulina: 0,41 U/kg/d vs. 0,52 U/kg/d (sem diferença estatística);
- Hemoglobina glicada: 7,0% vs. 7,5%
Não houve diferença também no tempo no alvo. Os autores destacaram que apesar do controle parecido, a variabilidade glicêmica foi um pouco menor no grupo baricitinibe (29,6% vs. 33,8%): uma diferença que, apesar de demonstrada, tem pouco impacto na prática.
Quanto aos eventos adversos, não foram observadas diferenças entre os grupos.
Ouça também: Insulinoterapia no diabetes tipo 1 e tipo 2 [podcast]
O que devo levar como aprendizado deste estudo?
O estudo do baricitinibe é interessante como um levantador de hipóteses. Hoje, ainda não dispomos de terapias amplamente recomendadas para o tratamento de preservação de células beta. Apesar de se tratar apenas de um estudo de fase 2, que demonstrou uma pequena capacidade de reduzir a perda de células beta nas primeiras 48 semanas de uso da medicação, o resultado mostra que esse é um dos caminhos possíveis na evolução do tratamento do DM1. Portanto, é importante ficarmos atentos a novas evidências abordando o tópico.
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