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Endocrinologia7 outubro 2024

Avaliando o risco de fraturas em indivíduos com diabetes

Artigo do European Association for the Study of Diabetes trouxe atenção para o tratamento da osteoporose e o cuidado em pacientes diabéticos.

O cuidado de indivíduos com diabetes vai muito além do controle glicêmico. As alterações do metabolismo glicídico estão associadas não apenas às complicações macro e microvasculares clássicas, mas também influenciam em outros aspectos da saúde. Um desses aspectos é o metabolismo ósseo, mister na avaliação global da saúde de indivíduos com diabetes, uma vez que o risco de fraturas é aumentado nessa população. 

Além disso, o tratamento do diabetes pode trazer impactos diretos ou indiretos na saúde óssea, seja pelo aumento do risco de quedas propiciados por tratamentos que aumentem a chance de hipoglicemias, seja pelo prejuízo na formação óssea induzida, por exemplo, pela pioglitazona. 

Devido às interações e influências entre uma condição e a outra, é fundamental conhecer os aspectos fisiopatológicos e práticos da associação entre ambos, tanto do ponto de vista do cuidado de indivíduos com diabetes como do ponto de vista de pacientes onde o tratamento da osteoporose é o preponderante. Tais fatos justificam a atenção ao assunto, que foi revisado em um artigo recentemente publicado no periódico Diabetologia, jornal da European Association for the Study of Diabetes (EASD), principal sociedade de estudo do diabetes da Europa. 

Leia mais: Diabetes e saúde óssea: o que diz a nova diretriz da ADA

osteoporose e diabetes

Fragilidade óssea em indivíduos com diabetes 

O motivo pelo qual o assunto é relevante e foi tema da revisão discutida é o maior risco de fraturas tanto em indivíduos com DM1 como DM2. Metanálises apontam para um RR de 6,3 a 6,7 para fraturas de fêmur em indivíduos com DM1, além de maiores incidências de fratura de coluna e não vertebrais. 

Já em indivíduos com DM2, apesar do risco ser também maior (metanálises apontam para um RR 1,2 para o risco de qualquer fratura e de 1,3 a 2,1 de fratura de quadril), há uma certa heterogeneidade nos resultados individuais dos estudos, que sinalizam que a presença de fatores de risco adicionais como tempo de diabetes, uso de insulina e níveis de HbA1c podem estratificar ainda melhor aqueles de maior risco dentre todos os pacientes com DM2.  

Além do risco das fraturas em si, algo que deve ser ressaltado é que a mortalidade pode ser entre duas e três vezes maior após uma fratura em indivíduos com diabetes. 

A fisiopatologia em si da fragilidade óssea em indivíduos com diabetes é complexa, com vários fatores que podem coexistir entre as duas condições, sendo por vezes difícil isolar o efeito do metabolismo glicêmico nos ossos. Contudo, fatores como a hiperglicemia, níveis de insulina, AGEs (radicais livres) e a vascularização óssea podem ser fatores importantes, além do próprio tratamento do diabetes em si. 

De maneira didática, os principais pontos da fisiopatologia e interação entre diabetes e fragilidade óssea abordados na revisão são: 

Características do diabetes relacionados a maior risco de fraturas 

Dentre as características relacionadas diretamente ao diabetes que podem aumentar o risco de fraturas, o uso de insulina é um fator particularmente no DM2 ligado a maior risco de fraturas, sobretudo distais. A presença de complicações microvasculares e macrovasculares também se relacionam com o maior risco de fraturas. A HbA1c elevada e maior duração de diabetes também, ainda que o pior controle glicêmico talvez não importe tanto per se e seja fruto de uma associação não causal, onde indivíduos de pior controle também são aqueles mais frágeis, com necessidade de insulina e complicações. 

Mecanismos fisiopatológicos 

Dentre os mecanismos associados à piora do metabolismo ósseo em indivíduos com diabetes, estudos in vitro demonstram que a hiperglicemia pode atrapalhar a maturação de osteoblastos e aumentar a sobrevida de osteoclastos, promovendo assim um aumento da reabsorção óssea. Além disso, a elevação de AGEs (produtos de glicação avançada) também pode reduzir a sobrevida e função de osteoblastos, além de atrapalhar processos de mineralização óssea. A vasculatura óssea pode sofrer alterações, aumentando radicais livres na matriz óssea. Além disso, a obesidade, ainda que a carga mecânica possa desempenhar um papel teoricamente protetor, acaba por aumentar a inflamação subclínica e promove aumento de adipocinas, com efeito catabólico para o osso.  

Avaliação da saúde óssea de diabéticos 

A avaliação óssea também pode sofrer alterações devido ao DM. A análise da densitometria óssea em pacientes com diabetes através do BMD subestima o risco de fratura quando em comparação à população geral. Recentemente, a calculadora FRAX foi modificada para incluir DM2 como uma variável, mas atualmente está presente apenas na FRAX plus, que é uma versão paga. Além disso, a BMD costuma ser mais baixa em indivíduos com DM1, ao passo que pode ser normal ou mesmo mais elevada em indivíduos com DM2. Vale lembrar que a recomendação de solicitação de densitometria para indivíduos com fatores de risco adicionais, como diabetes, é a partir dos 50 anos em homens ou após menopausa para mulheres. A American Diabetes Association (ADA), em seu guideline, recomenda a realização de densitometria óssea cinco anos após o diagnóstico de diabetes independentemente da presença de outros fatores de risco. 

Mas muito além da BMD, o diabetes pode estar mais associado ao aumento do risco de fraturas por alterações de microarquitetura óssea, aumentando a porosidade cortical e reduzindo o turnover ósseo. Os marcadores de turnover ósseo podem estar diminuídos em indivíduos com DM, ocorrendo maior acúmulo de osso “velho”, que tem menor capacidade de resistência. Sua capacidade de predição de fratura para uso clínico, no entanto, não é clara, sobretudo em indivíduos com DM2. 

Manejo  

De uma maneira prática, os autores da revisão pontuaram os principais pontos (que não podem faltar) na avaliação da saúde óssea em pacientes com diabetes: 

  1. Identificar fatores de risco específicos para fraturas em indivíduos com diabetes 
  • Duração do diabetes maior que 5 anos; 
  • Presença de complicações micro ou macrovasculares; 
  • HbA1c > 8%; 
  • Risco de hipoglicemia (ex: aqueles em uso de sulfonilureias); 
  • Em indivíduos com DM2: Uso de insulina, tiazolidinedionas 

2. Considerar tratamento anti fraturas se: 

  • Qualquer fratura de fragilidade: Em indivíduos com DM, realizar Rx coluna para descartar fraturas vertebrais assintomáticas se outros fatores de risco presentes; 
  • Densitometria óssea: Tratar se BMD menor que – 2; 
  • Tratar se risco de fratura acima do limiar específico local (ex: no Brasil, utilizamos o FRAX ABRASSO). Adicionar o risco de diabetes na calculadora de risco de acordo com uma das opções possíveis: 

a) DM1: Selecionar “osteoporose secundária” no FRAX; 

b) DM2: Utilizar calculadoras específicas que já incluem o risco de DM2 (ex: FRAX plus – atualizado recentemente para incluir a condição); 

c) Reduzir o T score da densitometria em 0,5; 

d) Aumentar idade em 10 anos; 

e) Selecionar “artrite reumatóide” como uma comorbidade (seria de risco equivalente ao DM2); 

f) Ajuste de acordo com o TBS (Trabecular Bone Score) 

Leia também: Você sabe qual a relação entre diabetes e enfraquecimento ósseo?

Tratamento anti fratura 

  • Bisfosfonatos: Eficácia similar em indivíduos com ou sem DM 
  • Denosumab: Possível risco maior de fraturas não vertebrais em indivíduos com DM. Considerar risco de rápida perda óssea após cessar o uso; pode impactar positivamente o controle glicêmico 
  • Anabólicos: Teriparatida associada com maiores ganhos de BMD em região de colo femoral e redução de fraturas similar entre aqueles com ou sem DM. Atenção à segurança cardiovascular em pacientes antes de utilizar romosozumabe

Recomendações gerais 

  • Atentar ao uso de drogas antidiabéticas que sejam neutras/benéficas do ponto de vista de saúde óssea (evitar pioglitazona devido redução da formação óssea e aumento de risco de fraturas; cuidado com sulfonilureias devido maior risco de fraturas não vertebrais, provavelmente associadas a hipoglicemias e maior risco de quedas. Em DM2, a insulina também apresenta esse risco). 
  • Manter níveis adequados de vitamina D (entre 30 e 60 ng/mL) 
  • Avaliar o risco de quedas 
  • Reabilitação física/promover melhora da fragilidade 

Conclusão e mensagem prática 

A avaliação ampla de comorbidades é fundamental no cuidado de indivíduos com diabetes e a atenção à saúde óssea deve ser redobrada diante do exposto no excelente artigo de revisão discutido. A análise de fatores de risco específicos dentro do diabetes permite a seleção de indivíduos com risco ainda maior de fraturas, bem como direciona a atenção a fatores modificáveis. Ainda, nos permite reavaliar com tal foco o tratamento medicamentoso utilizado. Portanto, a associação entre diabetes e saúde óssea deve sempre ser lembrada durante o manejo de nossos pacientes, com o objetivo de instaurar o tratamento anti fraturas no momento mais adequado. 

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Referências bibliográficas

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