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Endocrinologia27 setembro 2024

Atualização do guideline da SBD sobre hiperglicemia hospitalar

A Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) publicou recentemente um novo capítulo sobre o controle glicêmico hospitalar.

Em uma série de atualizações de seu guideline, a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) publicou recentemente, em julho de 2024 (e atualizado em setembro de 2024) um novo capítulo sobre o controle glicêmico hospitalar. Essa atualização estava pendente já há algum tempo e aborda evidências e metas discutidas também nos guidelines até então mais atualizados, como da Endocrine Society e da American Diabetes Association (ADA), além do American College of Physicians (ACP). Com tantos guidelines sobre um mesmo assunto, é comum encontrarmos algumas divergências, sobretudo em tópicos onde a opinião do painel de especialistas é preponderante para a decisão. 

A publicação de um documento nacional atualizado é importante por trazer um ponto de suporte de decisão em situações mais próximas do cotidiano visto no nosso país e também é mais uma oportunidade para a discussão de um tema tão importante. 

É sabido que a hiperglicemia hospitalar aumenta significativamente o risco de complicações e que seu tratamento está associado a redução no risco de infecções (tais como pneumonias hospitalares e de sítios cirúrgicos), redução do tempo de internação e custos em saúde. 

Vale lembrar que, frente a um indivíduo com hiperglicemia hospitalar, podemos estar frente a 3 cenários: paciente com DM prévio; paciente sem DM mas com hiperglicemia de estresse (por condições patológicas, uso de medicações, etc) ou um indivíduo com DM prévio E hiperglicemia de estresse. Portanto, a anamnese é fundamental e também a dosagem da HbA1c tão logo seja realizado o diagnóstico da hiperglicemia ou em indivíduos com DM que internem e que não tenham realizado sua dosagem nos últimos 3 meses. 

Para melhor organização, podemos dividir a discussão do guideline em alguns tópicos: 

  1. Diagnóstico da hiperglicemia hospitalar e monitorização da glicemia capilar 
  2. Conduta de acordo com a faixa glicêmica e metas 
  3. Controle glicêmico em pacientes que estão utilizando glicocorticoides (GC) 
  4. Uso de antidiabéticos  
  5. Uso de tecnologias como monitores contínuos de glicose (CGM) e sistemas de infusão contínuos de insulina (SICI) – as “bombas” de insulina 
  6. Manejo de hipoglicemias 

Vamos a eles: 

  1. Diagnóstico da hiperglicemia hospitalar e monitorização da glicemia capilar 

O tratamento da hiperglicemia deve ser recomendado apenas quando níveis de glicemia estiverem acima de 180 mg/dL, o que levou os autores do consenso a definir o nível de 180 mg/dL como limiar de rastreio e intervenção. Aqueles que apresentem 2 glicemias ou mais acima de 180 mg/dL (hiperglicemia persistente) devem ser submetidos a tratamento. 

Quanto à monitorização da glicemia capilar, o recomendado é: 

  • Pacientes com DM prévio: Monitorar glicemia capilar em jejum (antes do café da manhã), antes do almoço, antes do jantar e ao deitar ou a cada 6h se em jejum ou dieta enteral/parenteral. Solicitar HbA1c se não tiver realizado nos últimos 3 meses. 
  • Pacientes sem DM prévio: Todo paciente deve ter sua glicemia avaliada na admissão, na primeira manhã em jejum. Caso sua glicemia esteja > 180 mg/dL, devemos solicitar HbA1c e monitorar nos mesmos horários acima descritos 
  • Aqueles cuja glicemia seja menor que 180 mg/dL, caso estejam em uso de glicocorticoide ou em vigência de dieta enteral/parenteral, devem manter a monitorização conforme previamente descrito. 

Dois cuidados interessante que são pouco discutidos mas que foram abordados na diretriz é sobre a confirmação do nível da glicemia através da dosagem de amostra venosa ou plasmática caso a glicemia tenha leitura “Hi” no glicosímetro e a recomendação da avaliação da cetonemia capilar ou cetonúria em pacientes com glicemias acima de 250 mg/dL, sinais ou sintomas de cetoacidose diabética (CAD), sobretudo naqueles em uso de inibidores de SGLT-2. 

        2. Conduta de acordo com a faixa glicêmica e metas 

A meta do controle glicêmico estabelecido na diretriz da SBD é manter a glicemia entre 100 e 180 mg/dL, evitando assim hipo ou hiperglicemias. 

Para tanto, o método de controle glicêmico utilizado pode ser escolhido de acordo com a faixa de hiperglicemia e algumas características adicionais. Tal estratificação se encontra presente em artigos de revisão e também no guideline do ACP, porém com algumas diferenças pontuais nos valores de corte. Segue a recomendação atualizada da SBD: 

  • Glicemias < 180 mg/dL, sem fatores de risco: Sem necessidade de acompanhamento 
  • >180 mg/dl ou presença de fatores de risco*: Insulina rápida/ultra-rápida em escala de correção para hiperglicemias eventuais (Menos de 1 episódio ao dia acima de 180mg/dL e abaixo 250mg/dL). 
  • 180 a 200 mg/dl: Insulinoterapia basal associada a correções ou DPP-4 associado a correções pré-prandiais. 
  • >200 a 250 mg/dl ou uso domiciliar de dose total de insulina diária (DTD) < 0,6 UI/kg: Insulinoterapia basal associada a correções pré-prandiais  
  • >250mg/dl, história prévia de DM1, LADA, DM secundário à pancreatectomia ou DTD > 0,6 UI/kg: Insulinoterapia basal-bolus 
  • Hiperglicemia Associada ao uso de glicocorticoides (GC): Insulinoterapia basal-bolus e/ou uso de insulina NPH adicional pela manhã, proporcional à dose de GC  

 Veja também: A hiperglicemia no diabetes leva a alterações da superfície ocular?

*Os fatores de risco selecionados são aqueles onde é possível que, mesmo após uma avaliação inicial sem hiperglicemia, a mesma ocorra ao longo da internação. Os fatores considerados no guideline são: Uso de glicocorticoide, pós-transplante de órgãos, pós-operatório (24-48h), dieta enteral ou parenteral, jejum, uso de soluções glicosadas, SIRS, SEPSE, hipertensão arterial, dislipidemia, obesidade, história prévia de hiperglicemia hospitalar ou diabetes mellitus. 

Vale ressaltar que, bem como no guideline da ADA, a SBD se posiciona contra o uso de insulina “sliding scale” em situações de hiperglicemia persistente devido a piores desfechos, com piora do controle e maior incidência de hiperglicemias. 

A dose de insulina basal deve ser calculada estipulando inicialmente a dose total diária de insulina entre 0,2 e 0,6 U/kg/d. Após, utiliza-se 50% da DTD (ou 0,1 a 0,3u/kg/d) em basal.  

Nos casos onde o tratamento indicado seja o uso de basal-bolus, a dose em bolus deve ser os outros 50%; quando basal “plus” (ou seja, basal + correções pré prandiais), mantemos apenas a dose da insulina basal e estipulamos a correção de acordo com a glicemia pré refeição. As correções não devem ocorrer fora do período pré prandial. 

Quanto aos tipos de insulina basal, a NPH pode ser utilizada dividida em 2-3 aplicações (priorizando 3x ao dia em pacientes com DM1 ou pancreatectomizados), sendo possível considerar glargina ou degludeca, desde que se leve em conta sua longa meia vida (o que pode não ser apropriado em pacientes com lesão renal, por exemplo). 

Vale lembrar que para pacientes em jejum, a dose prandial não será administrada. Logo, o paciente automaticamente deverá ir para um esquema de basal + correção. Caso receba dieta enteral ou parenteral, a aplicação da insulina prandial pode ser realizada a cada 4-6h. O ajuste da insulinoterapia deve ser realizado a cada 24 a 48h em todos os casos, de acordo com a dieta e controle glicêmicos obtidos. 

        3. Controle glicêmico em pacientes que estão utilizando glicocorticoides (GC) 

O guideline adiciona um tópico pouco abordado em outros, mas de suma importância, que é a conduta em pacientes que estão em vigência de uso de glicocorticóides.  

Podemos considerar o uso de uma dose única de NPH pela manhã em pacientes com hiperglicemia vespertina, já que a curva de hiperglicemia coincide com a farmacocinética da insulina NPH. 

É possível iniciar na dose de 0,1U/kg/d, sendo que a cada aumento na dose equivalente a 10 mg/d de prednisona pode ser considerado um aumento de 0,1U/kg até 0,4U/kg (ex: 40 mg de prednisona = 0,4U/kg/d). 

Contudo, uma observação pertinente é que nem todos os esquemas de glicocorticoide respondem a essa forma de cobertura, uma vez que a cinética de outros pode levar a incursões glicêmicas em períodos diversos. Portanto, essa “regra” não deve ser utilizada caso o paciente esteja em uso de esquemas diferentes como pulsos ou dexametasona de horário e só é válido para indivíduos com o padrão descrito, de hiperglicemia vespertina e queda na glicemia matinal, comum em indivíduos em uso de prednisona. 

        4. Uso de antidiabéticos  

O uso de antidiabéticos durante a internação deve ser utilizado com muito cuidado, levando-se em conta o estado clínico do paciente, a classe medicamentosa e o momento da internação (ex: precedendo a alta, num paciente estável, sem disfunções, é possível realizar a reconciliação medicamentosa). 

As principais recomendações são: 

  • Inibidores de DPP-4: Podem ser utilizados, sobretudo para hiperglicemias leves (< 200 mg/dL). Contudo, devido sua baixa potência, tem papel limitado em hiperglicemias mais elevadas 
  • Metformina: Evitar uso rotineiro. Atentar sobretudo a função renal e situações de risco para acidose; considerar reconciliação antes da alta se paciente sem disfunção renal, estável, sem fatores de risco adicionais para acidose, sem planos de realização de exames contrastados. 
  • Agonistas de GLP-1: Não deve ser recomendado seu uso em ambiente hospitalar. 
  • Inibidores de SGLT-2: Devemos considerar a manutenção dessa classe em pacientes não críticos com DM2, sobretudo em casos de insuficiência cardíaca concomitante. Vale lembrar que tais indivíduos estão em maior risco de CAD euglicêmica e é fundamental atentar a sinais dessa condição, bem como suspender a medicação em caso de procedimentos ou deterioração do quadro clínico. É recomendável monitorar a cetonemia caso tal classe seja utilizada. 
  • Demais medicamentos: Contraindicados. Sulfonilureias podem aumentar substancialmente o risco de hipoglicemias, enquanto a pioglitazona se associa a maior risco de edemas. 

       5. Uso de tecnologias como monitores contínuos de glicose (CGM) e sistemas de infusão contínuos de insulina (SICI) – as “bombas” de insulina 

Várias evidências recentes vem apontando para o benefício no uso do CGM na hiperglicemia hospitalar. Inclusive a ES lançou um posicionamento exclusivamente sobre isso. A diretriz da SBD recomenda que o uso de CGM pode ser considerado em pacientes não críticos, porém com alguns cuidados: 

  • Caso a glicose intersticial estiver < 85 ou > 300 mg/dL ou instabilidade hemodinâmica, pós operatório imediato ou falhas de leitura, devemos proceder à avaliação da glicemia capilar; 
  • Retirar o CGM para realização de exames de ressonância magnética (recomendação de bula do Libre); 
  • Atenção a situações de redução de acurácia como anemias com Hb < 7 g/dL e interferentes como ácido ascórbico. 

Já o uso dos SICI ambulatoriais podem ser mantidos, desde que também seguindo algumas recomendações: 

  • Capacidade do paciente de operar com segurança o dispositivo e conhecimento prévio da equipe de saúde assistente; 
  • Contraindicados se nível de consciência prejudicado, incapacidade do paciente de demonstrar corretamente as configurações da bomba, doença crítica, doença psiquiátrica que interfira em sua capacidade de manuseio do sistema, risco de suicídio, emergências diabéticas como cetoacidose ou estado hiperosmolar, falta de insumos ou mesmo por decisão da equipe assistente durante a internação.

      6. Manejo de hipoglicemias 

O manejo de hipoglicemias não traz novidades significativas, sendo recomendado a correção em pacientes conscientes por via oral (15 a 30g de glicose ou 0,3g/kg), com reavaliações a cada 15 minutos e repetindo o tratamento até que a glicemia esteja acima de 100 mg/dL. 

Em situações de hipoglicemias nível 3 (com alteração de consciência) ou na impossibilidade de ingestão por via oral, recomenda-se a correção com glicose endovenosa ou uso de glucagon 1 mg por via subcutânea ou intramuscular. 

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Referências bibliográficas

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