A transição menopausal é marcada pela queda progressiva nos níveis circulantes de estrogênio, fenômeno que desencadeia sintomas vasomotores, alterações do sono, repercussões geniturinárias e redução importante da qualidade de vida. A terapia de reposição hormonal da menopausa (TRH) permanece como o tratamento mais eficaz para esses sintomas e sua indicação é geralmente favorável para mulheres sintomáticas abaixo de 60 anos ou dentro dos primeiros 10 anos após a menopausa, desde que individualizada. Existem várias opções terapêuticas, orais, transdérmicas, vaginais, subcutâneas e intrauterinas, com perfis distintos de absorção, riscos e tolerabilidade.
Um dos principais pontos de atenção está relacionado com a segurança endometrial. O uso de estrogênio isolado em mulheres com útero íntegro está estabelecido como fator causal de hiperplasia e câncer de endométrio. No entanto, a adição de um progestógeno reduz substancialmente esse risco, embora traga sintomas colaterais que afetam adesão, como sangramento, mastalgia e alterações de humor. Isso reforça a necessidade de compreender quais doses mínimas garantem proteção adequada com menos efeitos adversos.
Nesse cenário, a revisão Cochrane atualizada em 2025 teve como objetivos centrais: avaliar os efeitos dos diferentes regimes de terapia hormonal na proteção contra hiperplasia e câncer de endométrio após a menopausa, e definir a menor dose efetiva de progesterona necessária para proteger adequadamente o endométrio em combinação com estrogênios.
Metodologia:
A revisão atualizou buscas até julho de 2024, identificando 4278 referências, das quais 2678 foram triadas após remoção de duplicatas. Após leitura completa, 14 estudos foram excluídos por desenho inadequado ou duração insuficiente, dois estudos previamente incluídos foram removidos por não preencherem os novos critérios, um foi classificado como em andamento e outro como aguardando classificação. No total, 72 ensaios clínicos randomizados foram incluídos, somando 40.652 mulheres.
Os estudos eram multicêntricos, conduzidos mundialmente, com diferentes modalidades de estrogênio e progesterona. Foram incluídos apenas RCTs que reportassem hiperplasia ou câncer endometrial, e excluídos aqueles que não realizavam biópsia ou tinham duração insuficiente. A extração de dados foi feita por avaliadores independentes, com avaliação de risco de viés conforme o Cochrane RoB1. Os desfechos avaliados foram: hiperplasia endometrial confirmada por biópsia e câncer endometrial confirmado histologicamente.
Resultados e Discussão:
A revisão confirmou, com evidência de moderada certeza, que o estrogênio isolado aumenta de forma consistente o risco de hiperplasia endometrial, tanto em até 1 ano (OR 5.86) quanto após mais de 1 ano de uso (OR 8.97). Esse achado reforça, mais uma vez, a absoluta contraindicação clínica de estrogênio isolado em mulheres com útero preservado.
Para regimes combinados, os resultados foram mais heterogêneos. A terapia combinada contínua (estrogênio + progesterona diariamente) parece não aumentar o risco de hiperplasia, com estimativas próximas ou até inferiores ao placebo no primeiro ano. Já a terapia combinada sequencial (progesterona oferecido parte do ciclo) mostrou um achado relevante desta atualização: possivelmente aumenta o risco de hiperplasia no primeiro ano, embora sua segurança após períodos mais longos permaneça incerta devido à baixa qualidade da evidência. Para ambos os regimes, a ausência de eventos suficientes impediu conclusões robustas sobre risco de câncer endometrial, dada a raridade do desfecho.
As comparações diretas entre estrogênio isolado e regimes combinados reforçam o já conhecido: ambos os regimes (contínuo e sequencial) reduzem substancialmente o risco de hiperplasia em relação ao estrogênio isolado. Já a comparação entre terapia contínua e sequencial foi inconclusiva por baixo poder estatístico, embora os autores destaquem que o regime contínuo parece favorecer menor ocorrência de hiperplasia endometrial no primeiro ano. Para a prática clínica, esse achado merece atenção especial.
Em relação às comparações entre doses, os autores sugerem que o aumento da dose de estrogênio eleva de forma clara o risco de hiperplasia quando isolado. Já a definição da dose mínima de progesterona ainda carece de mais estudos.
Conclusão:
A revisão Cochrane 2025 confirma, com boa consistência, que o estrogênio isolado aumenta significativamente o risco de hiperplasia endometrial, reforçando a recomendação absoluta de sempre associar um progestógeno em mulheres com útero, sendo a via oral a única indicada nesses casos. A terapia combinada contínua parece ser o regime mais seguro do ponto de vista endometrial, enquanto a terapia sequencial pode elevar o risco no primeiro ano, embora a evidência ainda seja limitada.
Para a avaliação do risco de câncer endometrial, a revisão possui limitações, pois inclui um número reduzido de eventos a serem analisados com amostras pequenas em vários estudos, variabilidade das formulações e escassez de dados para rotas não orais. Apesar disso, o conjunto de evidências aponta que a terapia hormonal combinada pode ser usada de forma segura em mulheres sintomáticas na pós-menopausa, pois com a vigilância clínica apropriada e indicação individualizada, não parece aumentar o risco endometrial de hiperplasia ou câncer.
Autoria
Paulo Melo
Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Ceará. Residência Médica em Clínica Médica pela Universidade Federal do Piauí e Residência Médica em Endocrinologia e Metabologia pela Santa Casa de Belo Horizonte. Possui título de especialista pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. É mestrando e professor da área de endocrinologia na Afya Educação Médica.
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