Logotipo Afya
Anúncio
Endocrinologia4 novembro 2025

Atividade física ajuda no controle glicêmico de DM1 recém diagnosticado

O 4T Exercise Program busca promover um controle glicêmico adequado em jovens com DM1 recém-diagnosticado por meio de uma educação estruturada e uso integrado de tecnologias.

A prática regular de atividade física é um dos pilares fundamentais para o controle metabólico no diabetes tipo 1 (DM1), especialmente entre crianças e adolescentes. As diretrizes da American Diabetes Association (ADA) e da International Society for Pediatric and Adolescent Diabetes (ISPAD) recomendam que jovens com DM1 realizem pelo menos 60 minutos diários de atividade física moderada a vigorosa ou, no caso dos adultos, 150 minutos semanais. Além de otimizar a sensibilidade à insulina, o exercício contribui para a melhora da composição corporal, da saúde cardiovascular e do bem-estar psicológico. 

Entretanto, apesar desses benefícios amplamente reconhecidos, a adesão costuma ser baixa. Estima-se que menos de 20% dos adolescentes atinjam as metas de atividade física. As barreiras são múltiplas: medo de hipoglicemia, falta de conhecimento sobre ajustes de insulina e carboidratos, insegurança familiar e ausência de protocolos estruturados de educação sobre o manejo glicêmico em torno do exercício. 

Foi nesse contexto que nasceu o 4T Exercise Program (Teamwork, Targets, Technology, and Tight Range), desenvolvido pela Universidade de Stanford como parte de um projeto maior — o 4T Study — que busca promover um controle glicêmico adequado em jovens com DM1 recém-diagnosticado por meio de uma educação estruturada e uso integrado de tecnologias (CGM, bombas de insulina e telemonitoramento). O programa propõe iniciar a orientação sobre exercício já no primeiro mês após o diagnóstico, para consolidar hábitos saudáveis e oferecer segurança às famílias durante o processo de adaptação à nova rotina.  

Recentemente foi publicado na Diabetes Care um estudo que avaliou exatamente o impacto desse programa (4T) em pacientes jovens recém diagnosticados com DM1. Pela relevância do tema, trazemos para discussão aqui no portal. 

Métodos

O estudo norteamericano incluiu 98 jovens com DM1 recém-diagnosticado, com idade mediana de 13 anos (intervalo interquartil 12 a 15). Aproximadamente 60% apresentavam cetoacidose diabética (CAD) ao diagnóstico, 63% tinham seguro privado de saúde. A mediana para início do monitor contínuo de glicose (CGM) foi de 10 dias após o diagnóstico, e o uso de bomba de insulina ocorreu em média 132 dias depois. 

Todos os participantes receberam um dispositivo de monitorização de atividade física (Garmin vívosmart 4 ou Venu Sq) cerca de um mês após o diagnóstico. Um subgrupo adicional participou de até quatro módulos educacionais trimestrais via telemedicina, com foco em fundamentos da prática segura de exercícios, prevenção e manejo da hipoglicemia, estratégias de ajuste de insulina e alimentação antes e após a atividade, e retomada da prática esportiva escolar. 

O acompanhamento durou 12 meses, com análise das métricas de glicemia e atividade física nas 24 horas subsequentes a dias com e sem exercício. Os pesquisadores coletaram mais de 9.000 pares de dias ativos e sedentários, ajustando os modelos estatísticos para variáveis como idade, sexo, etnia, uso de bomba, tempo desde o diagnóstico e número de módulos educacionais completados. 

Resultados

Durante o primeiro ano após o diagnóstico, observou-se um aumento progressivo da prática de atividade física. A contagem média de passos diários aumentou de 4.908 (IQR 2.245-7.953) para 6.042 (2.690-9.472) — um acréscimo de 1.134 passos por dia (p < 0.001), enquanto o tempo de atividade moderada a vigorosa (MVPA) cresceu de 40 (20-74) para 51 (22-97) minutos diários (p < 0.001). 

Os dias com pelo menos 10 minutos de exercício vigoroso foram os que mostraram maiores benefícios. Houve um aumento de 2,3% no tempo em faixa-alvo (TIR 70-180 mg/dL), redução de 3,1% no tempo acima da faixa (TAR >180 mg/dL) e aumento de 0,8% no tempo abaixo da faixa (TBR <70 mg/dL), ainda dentro de limites clínicos seguros (<4%), de acordo com os guidelines da American Diabetes Association (ADA) e da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD). 

O impacto educacional foi particularmente interessante. Cada módulo de exercício completo associou-se a um ganho adicional de 0,79% no TIR, o que equivale a cerca de 45 minutos a mais por dia em normoglicemia após o primeiro ano. Embora o nível de atividade física total não foi significativamente diferente entre os jovens que participaram ou não das sessões educacionais, os que receberam educação estruturada apresentaram uma HbA1c média menor (7,5% versus 7,9%), indicando melhor controle glicêmico global. 

Apesar disso, apenas 32% dos adolescentes alcançaram o nível mínimo recomendado de 60 minutos diários de MVPA, evidenciando que, mesmo com suporte tecnológico e educacional, o engajamento em atividade física permanece um desafio importante nessa faixa etária. 

Considerações

No comentário publicado na mesma edição da Diabetes Care, Tamara S. Hannon, da Indiana University School of Medicine, destaca que, embora os ganhos médios de TIR possam parecer modestos, eles representam melhorias significativas num cenário real de atendimento pediátrico, obtidas sem prescrição formal de exercício ou controle rígido do comportamento dos participantes. 

A autora enfatiza que a diversidade da amostra, composta por 42% de jovens hispânicos e 60% com CAD ao diagnóstico, confere ao estudo um valor de aplicabilidade prática elevado, refletindo o perfil demográfico das clínicas de diabetes de grandes centros. Ela observa também que a integração de educação, tecnologia e acompanhamento remoto torna o modelo do 4T facilmente escalável e adaptável a diferentes sistemas de saúde. 

Hannon reforça ainda que o apoio educacional e multiprofissional é a chave para romper as barreiras associadas ao exercício no DM1, especialmente o medo da hipoglicemia. Pequenos ganhos em tempo em faixa-alvo, quando sustentados e reproduzidos em larga escala, podem ter impacto cumulativo na redução de complicações microvasculares e melhora da qualidade de vida. 

Conclusão e mensagem prática

O estudo discutido mostra que a integração precoce entre educação estruturada, tecnologia e exercício físico deve ser parte fundamental do tratamento do diabetes tipo 1 desde o diagnóstico. Os resultados reforçam que o benefício do exercício físico vai além do gasto calórico ou da melhora cardiovascular. Mesmo curtos períodos de atividade vigorosa (a partir de 10 minutos) são capazes de melhorar as métricas glicêmicas nas 24 horas seguintes, promovendo maior tempo em normoglicemia e menor variabilidade glicêmica, elementos diretamente associados à prevenção de complicações crônicas. 

O fato de a intervenção educativa ter aumentado o TIR independentemente do aumento do tempo total de exercício indica que o conhecimento sobre como manejar a glicemia durante a atividade física é, por si só, terapêutico. O programa 4T mostra também que, quando os pacientes e suas famílias compreendem como ajustar insulina, alimentação e monitorização ao praticar atividade física, eles retomam a confiança necessária para se manter ativos, com menor medo de hipoglicemias e melhor qualidade de vida. Uma limitação para o nosso contexto brasileiro é, infelizmente, a dificuldade no acesso a ferramentas tecnológicas como os CGM e bombas de insulina, que não estão ainda amplamente disponíveis. 

Por fim, a atividade física deve ser abordada como uma ferramenta essencial no tratamento do DM1. O sucesso do programa 4T reside na sua capacidade de devolver ao jovem diabético recém-diagnosticado a segurança para se mover, praticar esportes e viver de forma plena, melhorando por tabela o seu controle glicêmico. 

Autoria

Foto de Luiz Fernando Fonseca Vieira

Luiz Fernando Fonseca Vieira

Endocrinologista pelo HCFMUSP ⦁ Telemedicina no Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE) ⦁ Residência médica em Clínica médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) - Faculdade de Medicina de Botucatu

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Compartilhar artigo

Referências bibliográficas

Newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Anúncio

Leia também em Endocrinologia