As diretrizes de 2025 da American Thyroid Association (ATA) para o manejo do carcinoma diferenciado de tireoide (CDT) representam um avanço significativo em direção à medicina de precisão. As mudanças envolvem desde a classificação histológica, estratificação de risco, indicações cirúrgicas e de iodo radioativo, até o manejo não cirúrgico de doenças de muito baixo risco e ampliação das terapias-alvo para doença avançada. Após uma década de evidências, a nova diretriz consolida a individualização terapêutica, priorizando o equilíbrio entre eficácia e qualidade de vida. Esses foram os 10 principais pontos com impacto direto na prática clínica.

Abordagem centrada mais personalizada no paciente:
A ATA 2025 inicia a abordagem com a introdução do modelo de framework DATA como eixo de tomada de decisão contínua, desde o diagnóstico inicial até o curso completo da doença. O modelo favorece decisões compartilhadas, ajustadas ao risco-benefício individual, evitando tratamentos desnecessários em pacientes de baixo risco e intensificando o cuidado nos casos mais agressivos.
O acrônimo significa: D (Diagnosis – Diagnóstico), A (Assessment of risk/benefit – Avaliação de risco/benefício), T (Treatment decisions – Decisões de Tratamento) e A (Assessment of response – Avaliação da resposta).
Classificação Histológica:
Incorpora a 5ª edição da Classificação de Tumores da OMS, que distingue os três principais tipos de CDT: Carcinoma Papilífero (CPT), Folicular (CFT) e Oncocítico (COT), este último, antes chamado carcinoma de células de Hürthle, agora tratado como entidade distinta. Além disso, tivemos a introdução da nova categoria de Carcinoma Tireoidiano de Alto Grau Diferenciado (DHGTC), que inclui o carcinoma de tireoide pouco diferenciado (PDTC) e outras formas agressivas, para melhor estratificação de risco de recorrência e tratamento.
Reclassificação de NIFTP:
Em 2015, a Neoplasia Tireoidiana Folicular Não Invasiva com Características Nucleares Semelhantes a CPT (NIFTP) era classificada como câncer. Já na atualização de 2025, a ATA reclassificou e não a considera mais rotineiramente como câncer, em razão do seu potencial muito baixo de malignidade. Assim, tireoidectomia total (TT) e iodo radioativo não são mais recomendados de rotina, evitando diagnósticos excessivos e tratamentos desnecessários.
Nova Estratificação de Risco:
O sistema de estadiamento atual é a 8ª edição do AJCC/UICC TNM. Os ajustes relevantes: a idade de corte elevada de 45 para 55 anos, extensão extratireoidiana mínima deixa de ser critério de T3 e envolvimento linfonodal em menores de 55 anos é classificado como estágio I, refletindo o bom prognóstico. Essas modificações reduziram de forma significativa os riscos, levando a menores taxas de sobrediagnóstico e sobretratamento.
Nova Classificação do Risco de Recorrência:
Agora são quatro categorias, substituindo as três anteriores. Essa subdivisão refina o prognóstico ao incorporar o número e tamanho de linfonodos, extensão extranodal e invasão vascular.
- Baixo Risco (<10%): Tumores de baixo volume (até T2) sem extensão extratireoidiana grosseira, doença linfonodal ausente (N0) e ausência de metástases a distância (M0).
- Intermediário-Baixo (10–15%): Associado a fatores que elevam o risco ligeiramente acima do baixo, como extensão extratireoidiana microscópica (extensão para músculos do pescoço, mas não grosseira) e multifocalidade (em tumores >1 cm).
- Intermediário-Alto (16–30%): Metástases linfonodais clinicamente (cN1) ou patologicamente confirmadas (pN1), especialmente com mais de cinco de linfonodos metastáticos, invasão vascular no carcinoma papilífero, tumores > 4 cm (T3a) e extensão extratireoidiana limitada aos músculos do pescoço (T3b).
- Alto (>30%): Metástases a distância (M1), extensão extratireoidiana grosseira (T4a ou T4b), ressecção incompleta com doença macroscópica residual. Além de, Carcinomas Foliculares ou Oncócitos com extensa invasão vascular (geralmente ≥ 4 focos) e histologia de alto grau ou subtipos agressivos (células altas, células colunares, hobnail).
A estratificação de risco é dinâmica e deve ser continuamente reavaliada com base na resposta à terapia após o tratamento inicial e adjuvantes. Pacientes classificados inicialmente como risco intermediário-alto ou alto podem ser reclassificados como baixo risco se alcançarem uma Resposta Excelente ao tratamento inicial.
Tratamento Cirúrgico:
A indicação fica mais conservadora, pois consolida a lobectomia como tratamento recomendado para tumores < 2 cm, sem invasão local ou metástase linfonodal. Para tumores entre 2 e 4 cm de baixo risco, a lobectomia também é considerada, embora a TT permaneça uma alternativa válida. A lobectomia minimiza o risco de complicações permanentes, como paralisia do nervo laríngeo recorrente e hipoparatireoidismo, e a necessidade de reposição hormonal.
Vigilância Ativa ganha ainda mais força:
A vigilância ativa (VA) é formalmente reconhecida como opção segura para microcarcinomas papilíferos (≤1 cm) de muito baixo risco, enfatizando a tomada de decisão compartilhada com o paciente. A Ablação Percutânea Guiada por Ultrassom, incluindo radiofrequência, surge como alternativa à VA ou à ressecção cirúrgica em casos selecionados, mas ainda com recomendação limitada pelo baixo grau de evidência.
Menos Iodo Radioativo (RAI) de rotina no baixo risco:
A ablação de remanescente com RAI não é mais recomendada rotineiramente após TT em pacientes de baixo risco. No entanto, continua a ser considerado nos casos de risco intermediário-baixo e intermediário-alto, sendo recomendado rotineiramente no alto risco e na doença metastática à distância. O preparo com rhTSH (tireotropina humana recombinante) é preferível à suspensão de levotiroxina, por garantir eficácia semelhante e ter menor impacto na qualidade de vida do paciente, pelo hipotireoidismo induzido.
Acompanhamento e supressão do TSH:
A supressão de TSH passa a ser menos rigorosa, em pacientes de baixo e intermediário riscos podemos manter os níveis dentro da faixa normal, reduzindo efeitos adversos. Níveis de TSH <0,1 mUI/L ficam reservados no alto risco ou doença persistente. Além disso, os pacientes de baixo risco com resposta excelente sustentada (5–8 anos) podem ter o ultrassom cervical de rotina interrompido e os exames bioquímicos podem ser descontinuados após 10–15 anos, visto a baixa probabilidade de recorrência tardia.
Terapia Sistêmica para Doença Refratária ao RAI (RAIR):
Nos casos refratários ao RAI, o uso de painéis genéticos com biomarcadores (NGS) é recomendado para identificar mutações RET, NTRK, ALK, BRAFV600E, entre outras, a fim de guiar a terapia sistêmica. Para pacientes com biomarcadores identificados, os inibidores de quinase específicos, Selpercatinibe (RET) e Larotrectinibe (NTRK), são preferidos em primeira linha, devido à alta taxa de resposta e melhor tolerabilidade em comparação com os inibidores multiquinase (MKI). O Lenvatinibe é o MKI de primeira linha para doença sem mutações-alvo e o Cabozantinibe é terapia de segunda escolha.
Conclusão:
A priorização da Lobectomia para tumores pequenos e da Vigilância Ativa são pontos importantes para minimizar a morbidade cirúrgica e a toxicidade do RAI. No acompanhamento, a adoção do modelo de Resposta à Terapia (DATA) permite que a intensidade da vigilância seja reduzida progressivamente, reduzindo os impactos associados ao diagnóstico de câncer no longo prazo.
Na doença avançada, a oncologia de precisão baseada em biomarcadores garante que o tratamento sistêmico seja mais eficaz e tolerado, sempre com o objetivo de minimizar os impactos na qualidade de vida do paciente.
As diretrizes ATA 2025 consolidam uma abordagem menos intervencionista e mais personalizada no CDT, dado o entendimento de que a maioria dos casos são indolentes e não se beneficiam de intervenções agressivas.
Autoria
Paulo Melo
Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Ceará. Residência Médica em Clínica Médica pela Universidade Federal do Piauí e Residência Médica em Endocrinologia e Metabologia pela Santa Casa de Belo Horizonte. Possui título de especialista pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. É mestrando e professor da área de endocrinologia na Afya Educação Médica.
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