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Endocrinologia24 outubro 2025

Agonistas do receptor de GLP-1 e transtorno por uso de álcool: o que saber?

Apesar dessas limitações, os GLP-1RAs representam uma das linhas de pesquisa mais promissoras no campo da medicina de adições.
Por Ícaro Sampaio

O abuso de álcool continua sendo um dos maiores desafios de saúde pública, com repercussões clínicas, sociais e econômicas expressivas. Infelizmente, as opções farmacológicas disponíveis ainda são limitadas e pouco utilizadas: menos de 2% dos pacientes com transtorno por uso de álcool (AUD) recebem medicação específica. Nesse contexto, uma atualização relevante foi publicada recentemente: uma revisão abrangente sobre o tema, publicada em outubro de 2025, no Journal of the Endocrine Society, destacou o papel emergente dos agonistas do receptor de GLP-1 (GLP-1RAs), medicamentos já consolidados no tratamento do diabetes tipo 2 e da obesidade, como potenciais ferramentas terapêuticas no manejo do AUD. 

 

Métodos 

Diversos estudos pré-clínicos têm demonstrado resultados consistentes. Em modelos animais, fármacos como liraglutida, dulaglutida e semaglutida reduziram a ingestão voluntária de álcool, a preferência por bebidas alcoólicas e o comportamento de busca da substância. Em alguns casos, houve também redução na liberação de dopamina no núcleo accumbens e diminuição de comportamentos relacionados à recaída.  

 

Resultados 

Relatos espontâneos de pacientes tratados com GLP-1RAs para diabetes ou obesidade apontaram para uma redução involuntária no consumo de álcool. Estudos observacionais confirmaram essa tendência: coortes populacionais demonstraram menor incidência de eventos relacionados ao álcool, menos hospitalizações e menor risco de diagnóstico ou recorrência de AUD entre pessoas em uso de GLP-1RAs, em comparação com aquelas tratadas com outras classes de medicamentos. Os ensaios clínicos randomizados ainda são escassos, mas já há resultados promissores. Um estudo com semaglutida em baixa dose demonstrou redução do consumo de álcool em ambiente laboratorial, diminuição do número de doses ingeridas e menor desejo pela substância. Curiosamente, esse mesmo estudo observou redução no número de cigarros fumados entre participantes com tabagismo concomitante. 

 

Considerações 

A ação dos GLP-1RAs no comportamento relacionado ao álcool envolve mecanismos centrais complexos. Além de sua conhecida função no controle glicêmico e na regulação da saciedade, o GLP-1 atua no sistema nervoso central em áreas críticas para o processamento de recompensa e comportamento aditivo. Receptores de GLP-1 estão expressos em regiões-chave do circuito mesolímbico, como a área tegmental ventral (VTA) e o núcleo accumbens (NAc), que participam da liberação de dopamina e da formação de comportamentos reforçadores. A ativação desses receptores reduz a sinalização dopaminérgica induzida pelo álcool e diminui o “valor hedônico” associado ao seu consumo. Ao mesmo tempo, o GLP-1 modula a atividade de neurônios anorexígenos e orexígenos no hipotálamo, o que influencia diretamente impulsos ligados ao desejo e à recompensa.  

 

Conclusão e mensagem prática 

No momento, o número de ensaios clínicos é pequeno, e muitos aspectos permanecem indefinidos, como a dose ideal e a duração do tratamento. Além disso, alguns pontos precisam ser cuidadosamente considerados: 

  • A tolerabilidade e os efeitos colaterais gastrointestinais comuns aos GLP-1RAs, especialmente em pacientes com desnutrição ou sarcopenia associadas ao uso crônico de álcool. 
  • O custo elevado e o acesso restrito, que podem limitar o uso em populações vulneráveis. 
  • A necessidade de estratégias de combinação com terapias farmacológicas clássicas, como naltrexona, que potencialmente aumentariam a eficácia do tratamento. 

Apesar dessas limitações, os GLP-1RAs representam uma das linhas de pesquisa mais promissoras no campo da medicina de adições. Embora ainda seja cedo para incorporá-las rotineiramente nessa indicação, os dados atuais justificam um olhar atento. 

 

Autoria

Foto de Ícaro Sampaio

Ícaro Sampaio

  • Graduação em medicina pela Universidade Federal do Vale do São Francisco
  • Residência em Clínica Médica pelo Hospital Regional de Juazeiro - BA
  • Residência em Endocrinologia e Metabologia pelo Hospital das Clínicas da UFPE
  • Título de Especialista pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia
  • Médico endocrinologista no Hospital Esperança Recife e Hospital Eduardo Campos da Pessoa Idosa

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