No terceiro dia do congresso da American Diabetes Association (ADA) 2025, uma das apresentações mais relevantes foi o estudo QWINT-1, sobre a insulina semanal Efsitora alfa. O início da insulinoterapia no diabetes tipo 2 é sempre problemático, mesmo frente à elevações persistentes de HbA1c, devido a múltiplas barreiras, como medo de injeções diárias, preocupação com hipoglicemia, aumento de peso, e dificuldade para realizar ajustes frequentes de dose. A inércia terapêutica, nesse contexto, compromete o controle glicêmico e perpetua o risco de complicações.
Nos últimos anos, novas formulações de insulinas ultra-longas vem sendo desenhadas, capazes de manter níveis basais por até uma semana. Uma delas é a insulina efsitora alfa — uma nova classe de insulina basal de ação ultra prolongada, com uma estrutura molecular composta por uma única cadeia de insulina ligada ao domínio Fc da IgG2 humana. Essa engenharia confere à molécula uma meia-vida longa, com liberação mais sustentada e absorção estável no tecido subcutâneo.
Estudos prévios com a efsitora demonstraram sua eficácia em diferentes cenários clínicos. No QWINT-2, que comparou efsitora com insulina degludeca em pacientes com diabetes tipo 2 já insulinizados, a insulina semanal mostrou-se não inferior em termos de controle glicêmico, com risco semelhante de hipoglicemias. Já no QWINT-5, conduzido em pacientes com diabetes tipo 1, a eficácia glicêmica foi novamente comprovada, embora com um leve aumento no risco de hipoglicemias clínicas (níveis 2 e 3), exigindo vigilância adicional nesse perfil de pacientes.
Contudo, até então, faltava uma evidência robusta sobre o uso de efsitora no início da insulinoterapia — uma etapa crítica em que a aceitação do tratamento e a facilidade de titulação são fundamentais. Foi nesse cenário que se desenhou o estudo QWINT-1, apresentado no congresso da ADA 2025 e publicado simultaneamente no New England Journal of Medicine (NEJM).
Diferente de estratégias tradicionais com ajuste semanal e algoritmo baseado em glicemias diárias, o QWINT-1 propôs um modelo inovador de ajuste fixo de dose, escalonado a cada 4 semanas com base apenas na média das três últimas glicemias de jejum (mas com doses fixas). O objetivo foi testar se esse regime simplificado seria suficiente para alcançar o controle glicêmico, com segurança e adesão, em pacientes ainda virgens de insulina.
O ESTUDO
O QWINT-1 foi um ensaio clínico de fase 3, aberto, randomizado e controlado, desenhado para não inferioridade com um comparador ativo (glargina) e conduzido em 71 centros na América do Norte e América Latina. Foram incluídos adultos com diabetes tipo 2 (excluídos os DM1, estudados à parte), HbA1c entre 7,0% e 10,0%, em uso estável de até três antidiabéticos orais, e que ainda não haviam utilizado insulina. Os participantes foram randomizados para dois grupos:
- Um grupo recebeu insulina efsitora uma vez por semana, iniciando com 100 unidades (lembrando que se trata de uma insulina semanal), com possibilidade de ajuste escalonado para 150, 250 e até 400 unidades por semana, conforme a média das três glicemias de jejum mais recentes. Se o alvo glicêmico de 80–130 mg/dL não fosse atingido com 400 U, a dose passava a ser ajustada de forma individualizada.
- O outro grupo recebeu insulina glargina U100 em dose diária, iniciando com 10 U/dia, com titulação semanal de acordo com um algoritmo padrão.
Ambos os grupos mantiveram o uso de antidiabéticos orais, sendo a maioria dos pacientes em uso de metformina. O período de tratamento foi de 52 semanas. A média de idade da população foi de 56 anos, com duração média do diabetes de 9,4 anos e Hba1c média inicial de 8,2%. O IMC médio era de 31,9 kg/m². Quase 85% dos participantes eram de origem hispânica e 10% estavam em uso concomitante de agonistas do receptor de GLP-1.
RESULTADOS
A principal análise do estudo mostrou que a insulina efsitora foi não inferior à insulina glargina na redução da HbA1c ao final de 52 semanas. Em termos absolutos, a HbA1c caiu de 8,2% para 7,05% com efsitora, e de 8,28% para 7,08% com glargina. A diferença entre os grupos foi de apenas −0,03% (IC95% −0,18 a 0,12), dentro da margem pré-especificada para não inferioridade.
Porém, mais importante do que a equivalência glicêmica foi o impacto clínico em termos de simplificação terapêutica. Os pacientes que utilizaram efsitora precisaram, em média, de apenas um a três ajustes de dose ao longo do estudo, contra nove no grupo glargina, sendo que ao final, a maioria dos pacientes estavam estáveis em doses fixas. A proporção de pacientes que permaneceram em doses fixas de efsitora até o final foi expressiva:
- 24% mantiveram-se com 100 U/semana;
- 9% ajustaram para 150 U;
- 29% para 250 U;
- 21% para 400 U;
- Apenas 18% necessitaram passar para o regime de titulação individual acima de 400 U/semana.
A maioria, portanto, atingiu controle glicêmico satisfatório com um a três ajustes simples, reforçando o valor de uma abordagem escalonada padronizada e menos dependente de monitoramento intensivo.
BENEFÍCIOS CLÍNICOS E SEGURANÇA
Além do controle da HbA1c, o estudo avaliou outros desfechos secundários. A glicemia de jejum caiu de aproximadamente 182 mg/dL para 127,7 mg/dL com efsitora (valor final praticamente idêntico ao grupo glargina), e 41% dos pacientes atingiram HbA1c <7% sem episódios de hipoglicemia clinicamente significativa, contra 33% no grupo glargina.
A dose semanal final de insulina foi, em média, 43 unidades menor com efsitora em comparação com a glargina. Isso sugere uma eficiência maior por unidade, o que pode refletir estabilidade farmacocinética superior e menor variabilidade no efeito hipoglicemiante.
Hipoglicemias clinicamente significativas (glicemia <54 mg/dL ou sintomas graves) foram menos frequentes no grupo efsitora: 0,50 eventos por paciente-ano, contra 0,88 no grupo glargina, uma redução relativa de 43%. Apenas um episódio grave de hipoglicemia foi registrado em cada grupo durante o período de 52 semanas. Os eventos adversos foram, em geral, leves a moderados e comparáveis entre os grupos. Ganho de peso ocorreu em ambos os braços: 3,9 kg com efsitora e 3,3 kg com glargina. A taxa de eventos adversos graves foi semelhante: 6,5% e 5,3%, respectivamente.
O QUE PODEMOS APRENDER COM ESTE ESTUDO E COMO ELE INFLUENCIA NOSSA PRÁTICA MÉDICA
O QWINT-1 oferece uma contribuição significativa ao campo do tratamento do diabetes tipo 2. Ele demonstra que uma insulina basal de uso semanal, com escalonamento simples, pode alcançar eficácia glicêmica semelhante à de uma insulina basal diária tradicional, com menor incidência de hipoglicemias, menor dose média total e muito menos ajustes de titulação.
A estrutura molecular da insulina efsitora, com sua meia-vida prolongada e perfil farmacocinético estável, permite a aplicação semanal sem perda de eficácia, o que representa um enorme avanço em termos de conforto e adesão. Mais ainda, o esquema de dose fixa escalonada se mostra viável e eficaz para a grande maioria dos pacientes, podendo ser particularmente útil em contextos com menos acesso a monitoramento frequente de glicemia capilar ou menor acompanhamento ambulatorial.
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