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Endocrinologia21 junho 2025

ADA 2025: Futuro do tratamento da obesidade: ingestão calórica vs gasto energético

O foco deve continuar sendo o controle do apetite, mecanismo comum às terapias atuais ou o gasto energético deve passar a ter um papel mais preponderante? 

O 85º congresso da American Diabetes Association (ADA) 2025 começou no dia 20 de junho com a promessa de manter o mesmo nível dos últimos anos: Grandes publicações nas áreas de tratamento do diabetes tipo 2 (DM2) e obesidade, avanços significativos na tecnologia para suporte e tratamento do diabetes tipo 1 (DM1) e apresentações dos maiores especialistas do mundo em diabetes sobre revisões de temas importantes e necessários para nossa prática.  

Uma das novidades anunciadas na palestra de abertura do congresso foi a oficialização da criação de uma subdivisão na ADA, a Obesity Care, voltada para melhor direcionamento ao estudo e tratamento da obesidade. E a primeira palestra relevante do dia trouxe uma discussão justamente acerca do futuro do tratamento da obesidade: O foco deve continuar sendo o controle do apetite, mecanismo comum às terapias atuais, ou o gasto energético deve passar a ter um papel mais preponderante? 

Para isso, o Dr. Paul M Titchenell, PhD (Perelman School of Medicine/University of Pennsylvania) mediou um debate entre os Drs. Shingo Kajimura, PhD; (Beth Israel Deaconess Medical Center), que defendeu o maior direcionamento à regulação periférica do balanço energético, ao passo que o Dr. Randy J Seeley, PhD (University of Michigan) ficou incubido de defender o padrão atual, direcionado aos mecanismos centrais do balanço energético. 

obesidade

Mecanismos centrais são os grandes mediadores do balanço energético 

O  Dr. Randy J Seeley deu início ao debate com um exemplo bastante simples sobre o papel da regulação central no balanço energético, sem necessariamente revisitar conceitos clássicos como as vias da POMC/CART e AgRP/NPY. 

Seu exemplo incluiu uma banheira, que representava o balanço energético, enquanto o ralo era o gasto energético total e a torneira, o sistema nervoso central. No caso, a torneira seria o mediador que regula a quantidade que entra de calorias para o balanço; o conteúdo da banheira, a quantidade de calorias totais, e o ralo, o gasto. No modelo, o Dr. salienta que a importância da torneira é maior por diversos aspectos, que foram abordados baseados em evidências advindas tanto de modelos animais como de resultados de estudos já publicados sobre o tratamento da obesidade em humanos.  

O primeiro aspecto a se compreender é que, como tudo em nosso organismo saudável, o objetivo maior é a homeostase, ou seja, a manutenção adequada do peso. Vemos que a média de ganho de peso anual na população vem sendo de cerca de 0,5 kg ao ano, que corresponde a aproximadamente 4050 calorias num ano. Em um ano, é estimado que, para um balanço neutro, um ser humano ingira cerca de 900 mil calorias. Ou seja: Um desbalanço de cerca de “0,4%” nesse sistema pode levar a um ganho de peso populacional. 

O segundo aspecto é perceber o papel que tais regulações tem. Em um experimento muito simples, a restrição calórica em ratos leva a perda de peso comparado aos não restritos, porém ao se suspender tal restrição, o animal retorna ao peso original, comparável aos que não foram submetidos à restrições. Tal ponto é reforçado quando vemos estudos com pacientes em uso de agonistas de GLP-1, uma vez que a redução na ingestão alimentar ocorre logo nos primeiros dias e seu efeito é mantido majoritariamente enquanto o uso da droga é mantido. Quando a medicação é suspensa, existe uma tendência à hiperalimentação, que junto a outros fatores, promove reganho de peso. Somam-se a isso fatores comportamentais, como o reforço positivo que as drogas que levam à alterações no consumo alimentar podem ter ao gerar saciedade precoce ou náuseas, levando a reduzir o comportamento de busca alimentar. 

O Dr. Seeley ainda traz um contraponto ao foco no balanço energético periférico, afirmando que “tirar a água da banheira seria mais difícil” – ou seja – indicando o menor papel que a regulação periférica através do gasto energético tem na perda de peso e a dificuldade em aumentá-lo. 

Para tanto, traz dois exemplos interessantes: Animais no frio consomem mais calorias para ajustar o gasto energético de forma mais importante do que a energia que geram para a produção de calor, compensando suas perdas. Além disso, indivíduos em uso de iSGLT-2, que eliminam açúcar e calorias pela urina em uma taxa de aproximadamente 300 kcal/dia, apresentam apenas uma pequena perda de peso devido também a uma compensação central, que leva a um aumento proporcional no consumo de calorias, que acaba compensando parcialmente as perdas urinárias. 

Não bastassem esses sinais da compensação central ao gasto energético periférico, é sabido que medicações idealizadas até o momento com o intuito de aumentar o gasto energético não obtiveram sucesso, sobretudo devido aos riscos associados. O DNP, por exemplo, foi proibido pelo FDA devido ao risco elevado de hipertermia e riscos cardiovasculares. 

Mecanismos periféricos impactam o balanço energético 

Para iniciar sua apresentação, o Dr Shingo Kajimura concorda com o Dr. Seeley – o mais importante de fato no balanço energético é o controle central – porém há pontos muito importantes em se compreender no gasto energético e na sua relação com a obesidade. Para tanto, trouxe uma breve revisão acerca dos aspectos mais importantes da regulação periférica do balanço energético.  

O gasto energético é determinado basicamente por aproximadamente 20% advindo da atividade locomotora (atividade física), 10% da termogênese adaptativa (ex: digestão de alimentos, exposição ao frio – mediado por UCP-1) e cerca de 70% advindo da taxa metabólica basal. Logo, mais de 70% do gasto energético é UCP-1 independente, dependendo portanto da proporção individual de massa muscular e também da eficiência bioenergética.  

O termo eficiência bioenergética pode parecer complexo, mas basta interpretarmos como uma lâmpada. A mesma é mais eficiente quando não dissipa calor e é mais “econômica”. Em nosso organismo, as mitocôndrias podem ser mais ou menos eficientes. A UCP-1 é uma forma de tornar as organelas mais ou menos eficientes, porém também há formas UCP-1 independentes, como ciclos de ATP “fúteis”. O detalhe é que no tratamento da obesidade, ao olhar para a eficiência energética, estamos buscando justamente a “ineficácia”, ou seja, uma menor produção de ATP e maior dissipação de calor com a mesma quantidade de calorias, para que mais calorias sejam necessárias para se executar uma mesma tarefa, por exemplo, já que a eficiência bioenergética na obesidade parece ser maior. 

Um grande desafio é que estados como jejum, restrição alimentar, endurance/jogging e até mesmo durante o tratamento com agonistas de GLP-1, vemos um aumento na eficiência bioenergética, o que pode ser um desafio a se superar para o tratamento da obesidade. Logo, a redução da ingesta calórica leva também a uma redução de gasto energético. 

Mas será que isso contribui para manutenção ou perda de peso em humanos? Na opinião do Dr, Kajimura, sim. O reganho de peso parece estar ligado a um aumento na eficiência energética e redução do metabolismo basal.  

Por que os mecanismos periféricos e o gasto energético devem ganhar mais atenção? 

Na visão do Dr. Kajimura, apesar de concordar que claramente os mecanismos centrais são os mais importantes no tratamento da obesidade e no controle do balanço energético, os mecanismos periféricos e o gasto energético também deveriam ganhar mais atenção no estudo e tratamento da obesidade devido sobretudo ao papel que a eficiência energética e o metabolismo basal impactam o reganho de peso e sua modulação pode promover perdas de peso superiores aos tratamentos atuais. Um exemplo é a demonstração do impacto de um agonista triplo GIP, GLP-1 e glucagon, a retatrutida. Tal medicação, em estudos de fase 2 (apresentados no ADA em 2023) foi capaz de levar perdas superiores de peso aos agonistas GLP-1 ou duais (GIP e GLP-1), sendo que um dos principais motivos estimados para esse resultado impactante é que o glucagon parece, em estudos experimentais, ter um impacto importante em manter o gasto energético intacto, por mecanismos não UCP-1 dependentes. O mesmo vale para o GIP, que parece também ter um papel na eficiência energética. 

Conclusões: foco deve continuar a regulação central do balanço energético? 

Ambos os apresentadores concordam que não faltam motivos para se continuar a entender e endereçar a regulação central do balanço energético, visto os alvos moleculares e avanços recentes no entendimento da obesidade e sua terapia, já que são os mecanismos preponderantes no tratamento da obesidade, por muito. Porém abrem-se as portas para uma melhor compreensão sobre o papel do gasto energético na manutenção do peso e em atingir resultados ainda mais expressivos em termos de perda de peso. 

Na prática, há grandes perspectivas vindas de ambos os lados. Um exemplo é a investigação da associação entre o Bimagrumab (um anticorpo monoclonal que bloqueia os receptores de activina II, inibindo a miostatina e portanto a “regulação negativa” do músculo esquelético, levando a preservação de massa magra) a semaglutida, cada um direcionado a um dos mecanismos. O estudo BELIEVE, que investigou tal associação, será apresentado também nesta edição do congresso do ADA. 

Continue a acompanhar a cobertura do ADA 2025 em nosso portal! 

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