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Endocrinologia22 junho 2025

ADA 2025: Efeito de CagriSema na perda de peso em obesos não diabéticos

O estudo REDEFINE-1, parecido com o REDEFINE-2, foi apresentado durante uma sessão do congresso ADA 2025 e aborda os efeitos em não diabéticos.

O terceiro dia da 85ª edição do congresso da American Diabetes Association (ADA) começou com duas apresentações contínuas sobre o impacto da CagriSema, uma combinação de semaglutida e cagrilintida, na perda de peso em pacientes com sobrepeso e obesidade (REDEFINE-1) e para a perda de peso e controle metabólico em pacientes com diabetes (REDEFINE-2). 

A obesidade é, atualmente, uma das principais ameaças à saúde pública global. Afeta aproximadamente 46% da população adulta no mundo, número que deve ultrapassar 50% até 2035. A condição, por si só, aumenta o risco de complicações metabólicas (como hipertensão, dislipidemia e diabetes), limitações físicas e sofrimento psicológico, e reduz a expectativa de vida. Apesar dos avanços recentes no tratamento farmacológico, a maioria das abordagens ainda não é capaz de promover perda de peso suficiente para reverter complicações clínicas relevantes. 

A semaglutida, um agonista do receptor de GLP-1, revolucionou a abordagem da obesidade ao atingir perdas de peso de até 17% e reduzir eventos cardiovasculares. Já a cagrilintida, análogo da amilina de ação prolongada, demonstrou reduções de quase 10% do peso corporal em estudos iniciais. Ambas as moléculas atuam em vias cerebrais distintas, mas sinérgicas, envolvidas na regulação do apetite. 

De acordo com os autores, o estudo REDEFINE-1 investigou o impacto da combinação semanal de cagrilintida 2,4 mg e semaglutida 2,4 mg (coadministradas em aplicação subcutânea única semanal, combinadas) em adultos com obesidade ou sobrepeso associado a comorbidades, mas sem diabetes. O racional era claro: utilizar mecanismos complementares de supressão do apetite e indução de saciedade para alcançar níveis superiores de emagrecimento. Pelo impacto dos achados, o estudo foi publicado concomitantemente no NEJM e sua apresentação contou com uma platéia que literalmente saiu pelas portas do anfiteatro principal do centro de convenções de Chicago.  

Estudo

O REDEFINE-1 foi um ensaio clínico de fase 3a, multicêntrico, duplo-cego, com controle ativo e placebo, conduzido em 22 países. Adultos com IMC ≥30 kg/m², ou IMC ≥27 kg/m² com pelo menos uma complicação relacionada à obesidade (como hipertensão ou dislipidemia), foram elegíveis, desde que não tivessem diagnóstico de diabetes nem uso recente de medicamentos para obesidade ou hipoglicemiantes. 

Os participantes foram randomizados por um sistema eletrônico, numa razão pouco ortodoxa: 21:3:3:7, para receber uma das seguintes intervenções por 68 semanas: 

  • CagriSema (cagrilintida 2,4 mg + semaglutida 2,4 mg) 
  • Semaglutida 2,4 mg isolada 
  • Cagrilintida 2,4 mg isolada 
  • Placebo 

A randomização foi estratificada, e o escalonamento da dose foi progressivo, a cada quatro semanas, iniciando em 0,25 mg de cada fármaco até atingir a dose-alvo na semana 16, seguidos por uma fase de manutenção de 52 semanas. A administração foi subcutânea semanal, utilizando um dispositivo de aplicação em dose fixa combinada. Todos os participantes receberam orientação padronizada de estilo de vida e puderam permanecer com doses submáximas conforme tolerabilidade, seguindo julgamento clínico do investigador. 

Foram utilizadas duas formas de análise de dados, o “treatment-policy estimand”, refletindo a eficácia na população total randomizada independentemente de interrupções ou tratamentos de resgate (princípio intention-to-treat), e o “trial-product estimand”, focando na eficácia conforme o tratamento realmente recebido. Destacamos aqui os resultados em de acordo com a política de tratamento (ou “treatment-policy estimand”) 

A população incluída era composta majoritariamente por mulheres (67,6%) e brancos (72%), com média de 47 anos de idade, peso médio de 106,9 kg e IMC médio de 37,9 kg/m². Mais de 32% apresentavam pré-diabetes. 

Resultados

A combinação de cagrilintida e semaglutida demonstrou resultados absolutamente notáveis em relação aos dois desfechos primários do estudo: a variação percentual do peso corporal e a proporção de indivíduos com perda ≥5% do peso em 68 semanas. 

Na estimativa treatment-policy, a redução média de peso foi de −20,4% com CagriSema, em comparação com −3,0% no grupo placebo, o que representa uma diferença de −17,3 pontos percentuais (IC95% −18,1 a −16,6; p<0,001). Em termos absolutos, isso correspondeu a uma média de −21,6 kg de peso perdido. 

A proporção de participantes que atingiram ≥5% de perda de peso foi de 91,9% com CagriSema, comparada a apenas 31,5% com placebo. Esses resultados posicionam a combinação como uma das intervenções farmacológicas mais potentes já estudadas em obesidade em estudos de fase 3. 

A PROPORÇÃO DE INDIVÍDUOS QUE PERDERAM MAIS QUE 20% DO PESO FOI MUITO SIGNIFICATIVA 

O estudo, como de praxe nas avaliações em obesidade, avaliou também a proporção de pacientes que atingiram perdas de ≥10%, ≥15%, ≥20%, ≥25% e ≥30% do peso inicial. Com a CagriSema, 53,6% atingiram perdas ≥ 20%, 34,7% ≥ 25%, e 19,3% ≥30% de perda de peso – números extraordinários para uma intervenção medicamentosa. Para comparação, essas mesmas metas foram atingidas por apenas 1,9%, 1,0% e 0,4% dos participantes no grupo placebo, respectivamente. 

Em relação às terapias isoladas, a semaglutida atingiu −14,9% de redução de peso e a cagrilintida −11,5%, confirmando a superioridade da combinação. Ao final do estudo, 54% dos indivíduos com obesidade (IMC ≥30) passaram a apresentar IMC <30, superando em muito os 11% observados no grupo placebo. 

Composição corporal 

Em um subgrupo submetido à análise por DXA, a perda de peso com CagriSema refletiu-se em uma redução média de 17,0 kg de gordura corporal e 8,4 kg de massa magra, correspondendo a uma proporção de 67% de perda de gordura e 33% de massa magra, compatível com tratamentos gerais para obesidade. 

Parâmetros metabólicos 

Os benefícios não se limitaram à balança. Houve reduções significativas na pressão arterial sistólica (–9,9 mmHg) e diastólica (–5,1 mmHg), além de melhora nos perfis lipídico e inflamatório (proteína C-reativa). Entre os participantes com pré-diabetes, 87,7% alcançaram normoglicemia, enquanto apenas 32,2% fizeram o mesmo no grupo placebo. 

Qualidade de vida e função física 

A melhora na qualidade de vida e na funcionalidade física, baseada em análises de escores, também foram marcantes. O escore IWQOL-Lite-CT aumentou em 25,9 pontos com CagriSema (vs. 11,9 com placebo), e o SF-36 aumentou em 7,1 pontos (vs. 3,6). Esses benefícios foram ainda mais expressivos nos participantes que apresentavam função física comprometida na linha de base. 

SEGURANÇA 

O perfil de segurança foi considerado aceitável. Eventos adversos foram reportados por 92,3% dos participantes com CagriSema, sendo os mais comuns gastrointestinais leves a moderados (náusea, constipação, diarreia, vômitos), com pico durante a fase de titulação. A taxa de descontinuação por eventos adversos foi de 5,9%. 

Foram registrados dois óbitos no grupo CagriSema (um suicídio e um câncer de origem desconhecida). Eventos graves ocorreram em 9,8% dos pacientes. Avaliações sistemáticas de saúde mental (PHQ-9 e C-SSRS) não indicaram alterações significativas ou riscos aumentados nos grupos ativos. 

Conclusão e mensagem prática

O REDEFINE-1 estabelece a CagriSema na “primeira prateleira” de eficácia no tratamento farmacológico do sobrepeso e obesidade, com resultados equiparáveis aos observados com a tirzepatida. Ainda que não tenhamos comparações head to head entre as duas, no estudo SURMOUNT-1, de desenho similar, a tirzepatida nas doses de 10 mg levou a perdas de peso de 19,5% e na dose de 15 mg a perdas médias de 20,9%, números próximos aos vistos neste estudo. A combinação de cagrilintida e semaglutida atingiu perdas de peso que se aproximam das obtidas com cirurgia bariátrica em muitos casos, com metade dos participantes perdendo mais de 20% do peso corporal e aproximadamente um terço perdendo cerca de 25% de peso corporal. O impacto clínico vai além do peso: reversão de pré-diabetes, redução da pressão arterial, melhora de perfil lipídico, além da função física e da qualidade de vida.  

Um detalhe é sobre a liberdade que os investigadores tiveram em reduzir as doses caso os pacientes não tolerassem doses máximas. 74,7% dos participantes chegaram em algum momento em doses máximas, mas apenas 57,4% estavam em uso da dose de 2,4/2,4 mg ao final, sobretudo por motivos de tolerância. Logo, por um lado, a média de perda de peso encontrada no estudo já reflete a prática clínica no sentido de que nem sempre teremos doses máximas alcançadas. Por outro lado, dados relativos ao percentual de perda de peso estratificados de acordo com as doses não foram avaliados. 

Ao lado do REDEFINE-2, que avaliou a mesma combinação no tratamento da obesidade em pessoas com diabetes tipo 2, o REDEFINE-1 demonstra que a coadministração semanal de cagrilintida + semaglutida representa uma nova e poderosa ferramenta para o manejo da obesidade, seja na prevenção do diabetes, seja no tratamento metabólico mais amplo.

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Referências bibliográficas

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