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Endocrinologia21 junho 2025

ADA 2025: Doença cardiovascular e renal na DM1 e as lições advindas do DM2

Uma sessão especial organizada pelo grupo de interesse profissional debateu a aplicabilidade das abordagens cardiorrenais bem estabelecidas no DM2.

O 85º congresso da American Diabetes Association (ADA) de 2025 está ocorrendo em Chicago e, à altura dos congressos anteriores, vem sendo repletos de novidades e atualizações. Um ponto interessante é que não apenas o DM2 vem ganhando atenção, mas o DM1 também vem recebendo sua parcela de destaque. Em um dos simpósios mais interessantes acerca do tema foram abordados aspectos sobre a prevenção cardiovascular e renal nesse contexto. 

Historicamente, a relação entre o diabetes tipo 1 (DM1) e as complicações macrovasculares costumam ser subestimadas em relação ao diabetes tipo 2 (DM2), até pela prevalência do DM2, idade de instalação e associação de outros fatores de risco cardiovasculares relacionados à síndrome metabólica. No entanto, as evidências demonstram que indivíduos com DM1 também enfrentam risco elevado de doença cardiovascular (DCV) e progressão de doença renal crônica (DRC). 

Durante o ADA 2025, uma sessão especial organizada pelo grupo de interesse profissional debateu a aplicabilidade das abordagens cardiorrenais bem estabelecidas no DM2 — particularmente o uso de agonistas do receptor de GLP-1 (aGLP-1), inibidores de SGLT2 e antagonistas do receptor mineralocorticoide não esteroidais (MRA) — no contexto do DM1. O painel, moderado por especialistas renomados, discutiu a oportunidade de repensar a abordagem terapêutica no DM1 para além da glicemia. 

Redução de risco cardiovascular com agonistas de GLP-1: potencial no DM1 

A Dra. Ildiko Lingvay iniciou o painel abordando o que talvez seja a pergunta mais provocativa da sessão: os agonistas de GLP-1, tão bem consolidados no manejo do DM2 com risco cardiovascular elevado, poderiam oferecer benefícios similares para pacientes com DM1? 

Para responder a pergunta, em primeiro lugar, é necessário entender que indivíduos com DM1 de fato tem um aumento significativo de risco cardiovascular, tanto de eventos ateroscleróticos como de insuficiência cardíaca (IC). Dados de estudos trazidos pela Dra. Lingvay mostram que, comparados à população geral, o risco de eventos cardiovasculares em homens com DM1 é 3,6 vezes maior, ao passo que em mulheres chega a ser 7,7 vezes maior. Quanto à IC, o risco relativo (RR) em mulheres é de 4,9, enquanto em homens, 3,0, o que reforça que precisamos de abordagens direcionadas à mitigação desse risco. 

A fisiopatologia parece ser a mesma que no DM2, envolvendo múltiplos fatores, desde inflamação, estresse oxidativo, hiperglicemia, outros fatores metabólicos como HAS e dislipidema, dieta, etc. Ou seja: apesar de alguns elementos serem mais importantes no DM2, também podem contribuir para o risco cardiovascular no DM1. 

O manejo de tais fatores, como o tratamento da HAS e da dislipidemia, confere redução no risco cardiovascular. Contudo, há um risco residual, assim como no DM2. Evidências em pacientes com DM2 e obesidade mostram redução no risco de MACE e de IC. O mesmo para a doença renal crônica: há evidências como o FLOW, que mostram o papel da semaglutida na redução de desfechos renais. 

Mas a palestrante destaca os problemas: Não temos grandes estudos dedicados para pacientes com DM1 e uso de agonistas de GLP-1. Mais: os pacientes com DM1 costumam ser excluídos ativamente dos ensaios randomizados. Esta falta de evidência direta vem gerando um fenômeno curioso – o aumento da prescrição off label, sobretudo para obesidade. Dados norteamericanos mostram que cerca de um terço dos indivíduos com DM1 e obesidade grau III estão em uso da classe. 

Apesar da falta de evidências atuais, vários dos mecanismos pleiotrópicos dos agonistas de GLP-1 podem apontar para benefícios também em indivíduos com DM1, já que a classe sabidamente promove redução no risco de MACE, efeito que parece transcender o impacto isolado do controle glicêmico no risco cardiovascular. 

Dois estudos “real life”, abordados na apresentação, mostraram não haver riscos associados ao seu uso em pacientes com DM1, com benefícios em peso, apesar de reduções apenas marginais na glicemia. Contudo, o foco aqui são justamente os benefícios secundários, que podem ser interessantes. 

Não há uma resposta óbvia aqui, já que carecemos de evidências e não há medicações da classe (ou iSGLT-2) aprovados pelo FDA para seu uso clínico em indivíduos com DM1, mesmo com o objetivo de redução de risco cardiovascular. Contudo, dois estudos estão em andamento com a avaliação do uso de agonistas de GLP-1 em indivíduos com DM1 para tentar trazer dados mais significativos acerca do tema. O primeiro e maior deles, o SURPASS T1D, que vai avaliar o uso da tirzepatida em pacientes com DM1 e sobrepeso, cujo resultado está previsto para 2027, e o segundo, um estudo de fase 2  de um agonista dual GIP/GLP-1 da Roche (RG6641), com pacientes DM1 e IMC > 25 kg/m². Ainda não há trials com o objetivo específico de demonstrar redução de risco cardiovascular em indivíduos com DM1, visto o desafio que é do ponto de vista de desenho e mobilização para sua organização. 

Redução de progressão renal no DM1: SGLT2 e antagonistas mineralocorticoides não esteroidais 

edução de progressão renal no dm1: sglt2 e antagonistas mineralocorticoides não esteroidais

Na segunda apresentação, o Dr. Hiddo L Heerspink — referência internacional em nefroproteção — discutiu os potenciais renoprotetores dos iSGLT2 e antagonistas não esteroidais de mineralocorticoides (como a finerenona) em pessoas com DM1. 

O principal desafio apontado é que nenhum dos grandes estudos cardiorrenais com essas classes farmacológicas incluiu indivíduos com DM1, criando uma lacuna de evidência. No entanto, diversos dados sugerem que os mecanismos de benefício — hemodinâmicos, anti-inflamatórios e antifibróticos — não dependem exclusivamente da fisiopatologia do DM2, o que levanta a hipótese de translacionalidade dos efeitos para o DM1. Os iSGLT2, por exemplo, reduzem a pressão intraglomerular e albuminúria e conferem efeito hemodinâmico protetor, inclusive em não diabéticos. Apesar de posteriormente excluídos do estudo EMPA KIDNEY pela incidência de cetoacidose diabética (CAD), os cerca de 70 pacientes com DM1 que foram inicialmente incluídos no estudo foram acompanhados e não excluídos do estudo. A análise desses pacientes mostrou uma tendência a redução do slope de queda da taxa de filtração glomerular (diferença estimada para o placebo 2,55 ml/min/ano, comparado a 1,37 de todos os participantes). Devemos, claro, ter cuidado na interpretação por se tratar de um dado especulativo, porém se levanta a hipótese de sua eficácia para a DRD no paciente com DM1. 

Chamando a atenção para a ausência de novas medicações aprovadas para o tratamento da doença renal em pacientes com DM1 já há mais de 30 anos, desde os iECA e BRAs, o Dr. Heerspink chamou a atenção para estudos em fase final de conclusão, que poderão trazer mais evidências acerca do tema. O primeiro é o SugarNSalt, que está avaliando a eficácia da sotagliflozina em pacientes com DRC e DM1, excluindo participantes com DM2 ou história de CAD nos últimos 3 meses. 

Por fim, o estudo FINE-ONE, um estudo de fase 3 que deve ter seus resultados publicados no final do ano, deverá trazer evidências consistentes a respeito do uso da finerenona em pacientes com DM1 e doença renal. A média de taxa de filtração (TFG) e relação albuminúria/creatinúria (RUAC) do estudo foi idêntica ao do FIDELIO-DKD, estudo que avaliou a finerenona na DRD em pacientes com DM2, com clearance médio de 58 ml/min e RUAC de 549 mg/g.  

O objetivo atual, segundo o palestrante, é garantir a condução de estudos formais em DM1 com doença renal incipiente ou moderada, e ao mesmo tempo, fomentar discussões regulatórias a partir de dados advindos de tais evidências. 

Onde estamos e para onde vamos no controle de risco cardiovascular e renal em pacientes com DM1?

A sessão especial do ADA 2025 abriu uma janela de reflexão sobre um dos pontos cegos da diabetologia atual: a falta de evidências na prevenção cardiovascular e renal no DM1. Apesar dos avanços no controle glicêmico com sistemas automatizados e sensores contínuos, os pacientes com DM1 ainda enfrentam altas taxas de eventos cardiovasculares e doença renal — muitas vezes sem opções farmacológicas além da insulina. 

As apresentações dos Drs. Lingvay e Heerspink deixam claro que há mecanismos plausíveis, evidências indiretas promissoras e uma necessidade urgente de inovação. A incorporação de agonistas de GLP-1s, iSGLT2 e MRAs não esteroidais no futuro arsenal terapêutico do DM1 dependerá de ensaios bem desenhados, regulação e visão clínica além da glicemia. Ou seja: chegou a hora de aplicar ao DM1 o mesmo rigor que já transforma o cuidado no DM2.  

Seguimos no ADA 2025 com novidades no tratamento e controle do diabetes e obesidade! 

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