Apresentado durante o congresso da ADA 2025, o estudo de fase 1b/2a com amycretin inaugura (mais) uma nova classe terapêutica: uma molécula única que combina, em uma única estrutura, ação agonista sobre o receptor de GLP-1 e sobre o receptor de amilina (AMY1). A proposta desta combinação decorre de uma compreensão fisiológica integrada do eixo insulinoamilínico, já que ambas as substâncias são co-secretadas pelas células beta pancreáticas e desempenham papéis complementares no controle do apetite, motilidade gástrica e regulação da glicose pós-prandial.
A ativação do receptor de amilina amplifica os efeitos sobre saciedade e esvaziamento gástrico, promovendo um impacto metabólico potencialmente superior ao alcançado por incretinas isoladas. Essa estratégia resgata o racional das terapias com pramlintida, mas agora reformulada sob a potência e conveniência de uma única molécula injetável semanal, com vida média estendida. Os primeiros dados clínicos apresentados neste estudo oferecem uma visão preliminar da eficácia e segurança dessa nova abordagem em adultos com sobrepeso ou obesidade sem diabetes, com foco em perda de peso e tolerabilidade.
O estudo
O estudo foi um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, controlado por placebo, conduzido em centro único (San Antonio, Texas, EUA), registrado sob o número NCT06064006. O estudo foi dividido em cinco partes:
- Parte A (SAD – single arm): dose única ascendente (0,3 mg, 0,6 mg, 1,0 mg) com 24 participantes.
- Partes B a E (MAD – multiple arm): administração semanal de doses múltiplas ascendentes e por resposta (B: 0,3 a 60 mg por 36 semanas; C: manutenção de 20 mg por 36 semanas; D: 5 mg por 28 semanas; E: 1,25 mg por 20 semanas).
No total, 125 indivíduos foram randomizados entre setembro de 2023 e abril de 2024 (101 para amycretin, 24 para placebo). Os critérios de inclusão exigiam idade entre 18–55 anos e IMC entre 27–39,9 kg/m². Foram excluídos pacientes com HbA1c ≥6,5% ou qualquer condição que comprometesse segurança ou adesão.
Os participantes apresentavam peso basal médio entre 83,6 kg e 99,1 kg, com IMC entre 30,0 e 33,1 kg/m². A distribuição etária variou de 28 a 42 anos nos grupos de tratamento. Houve uma ligeira predominância do sexo feminino e representação significativa de indivíduos hispânicos e afro-americanos.
Resultados
Ao longo de até 36 semanas de tratamento em diferentes coortes de dose semanal subcutânea, amycretin produziu perdas de peso significativamente superiores ao placebo, de forma rápida, progressiva e sem sinal de platô mesmo após meses de uso. Na coorte de dose-alvo de 60 mg, a redução média de peso corporal foi de 24,3%. Isso representa uma perda ponderal rara para um estudo de fase tão precoce e posiciona amycretin entre os agentes com maior potência já documentada.
A consistência do efeito foi observada em todas as faixas de dose avaliadas:
- Com 20 mg semanais, o peso foi reduzido em média 22%;
- Com 5 mg, a perda foi de 16,2%;
- Mesmo na menor dose de 1,25 mg, houve uma redução média de 9,7%;
- Em contraste, os grupos placebo apresentaram discreto aumento de peso corporal.
Além da magnitude, a velocidade da resposta impressionou: nas primeiras semanas, já era evidente um padrão de perda progressiva, sustentada até o final do período de observação (20 a 36 semanas, conforme o braço).
Segurança e tolerabilidade
Como esperado para agonistas com ação em GLP-1 e amilina, eventos adversos gastrointestinais foram os mais comuns, especialmente náuseas, vômitos e diarreia. Houve uma taxa elevada de participantes que abandonaram o estudo (cerca de 33%), porém com uma alta proporção (59%) ocorrendo por eventos não relacionados à droga em si e em linha com outros estudos de fase similar para agonistas de GLP-1. A maioria dos eventos foi classificada como leve ou moderada, com incidência crescente nas doses mais elevadas. Apesar disso, o perfil de segurança foi considerado aceitável.
Do ponto de vista farmacocinético, a amycretin apresentou meia-vida média de aproximadamente 4 dias, sendo apropriado para administração semanal, com perfil de acúmulo estável após algumas semanas de tratamento.
O que podemos aprender com este estudo e como ele influencia nossa prática médica
Os resultados deste estudo pioneiro com amycretin indicam que a combinação de um agonista de GLP-1 e do receptor de amilina em uma única molécula pode oferecer um novo patamar de eficácia no tratamento da obesidade. Com perda de peso superior a 13% em apenas 12 semanas, mesmo sem intervenção dietética formal, o potencial clínico dessa abordagem se torna evidente. Essa magnitude de resposta, alcançada em um estudo de fase 1b/2a e com curta duração, demonstra um desempenho comparável ou superior ao de outras terapias de ponta já disponíveis e em desenvolvimento, como tirzepatida e retatrutida, ainda que não tenhamos feito uma comparação adequada “head to head”.
O racional fisiológico da amycretin é particularmente interessante. Ao atuar simultaneamente em dois sistemas reguladores do apetite e da homeostase energética, a molécula consegue reforçar os efeitos anorexígenos sem aparentes perdas em tolerabilidade. A atividade agonista sobre o receptor de amilina parece agregar um componente adicional de saciedade e retardo do esvaziamento gástrico, que pode ser particularmente útil na fase de manutenção da perda de peso — uma das maiores dificuldades terapêuticas atuais.
Do ponto de vista prático, moléculas como a amycretin poderão futuramente preencher uma lacuna importante no manejo da obesidade em pacientes sem diabetes, bem como ser integradas em regimes combinados com agentes que atuem sobre outros eixos metabólicos. Os trials de fase 2 em indivíduos com DM estão em andamento.
Estudos em andamento de fase 2 e futura fase 3 serão essenciais para confirmar a durabilidade dos efeitos, o perfil de segurança em populações com comorbidades e a eventual comparação direta com terapias atualmente consagradas. Se os achados preliminares se mantiverem, o amycretin poderá consolidar-se como uma das moléculas mais eficazes da nova geração dentre as tantas novas e bem vindas terapias antiobesidade. Por sua relevância, apesar de ser um estudo de fases precoces, o mesmo já foi publicado em concomitância no Lancet.
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