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Endocrinologia21 junho 2025

ADA 2025: ACHIEVE-1: Orforglipron em pacientes com diabetes tipo 2

O ACHIEVE-1 foi um ensaio clínico de fase 3, multicêntrico, randomizado, duplo-cego e controlado por placebo.

O segundo dia do congresso da American Diabetes Association (ADA) começou com uma das apresentações mais importantes: o estudo ACHIEVE-1, ensaio randomizado de fase 3 que avaliou o orforglipron no tratamento do diabetes tipo 2 (DM2). O estudo marca um novo capítulo no desenvolvimento de agonistas do receptor de GLP-1, com a introdução de uma formulação oral inovadora: o orforglipron. Trata-se de uma molécula pequena, não peptídica, que atua como agonista parcial seletivo do receptor de GLP-1, promovendo ativação enviesada da via intracelular – ou seja, favorece a sinalização via proteína G com reduzido recrutamento de β-arrestina. Esta característica farmacodinâmica pode influenciar positivamente sua eficácia clínica prolongada, evitando por exemplo taquifilaxia por internalização do receptor. 

A relevância dessa nova abordagem se insere no contexto da crescente adoção dos agonistas de GLP-1 como pilar no tratamento do diabetes tipo 2, com benefícios amplamente documentados na redução da hemoglobina glicada, do peso corporal e do risco cardiovascular. Contudo, até o momento, a maioria dos agentes disponíveis exige administração subcutânea, o que ainda representa uma barreira para muitos pacientes. Mesmo a única opção oral aprovada até então (semaglutida oral) requer condições específicas de jejum para administração. 

O orforglipron busca superar essas limitações: apresenta biodisponibilidade oral de até 40%, meia-vida longa (25–68 horas) compatível com uso diário, e independência do estado prandial. Além disso, traz a vantagem de teoricamente ser mais prático e simples de produzir, com menores custos. Tais propriedades o tornam um candidato promissor para expandir o acesso a terapias incretínicas em larga escala. 

O estudo

O ACHIEVE-1 foi um ensaio clínico de fase 3, multicêntrico, randomizado, duplo-cego e controlado por placebo, desenhado para avaliar a eficácia e segurança do orforglipron em pacientes com diabetes tipo 2 recente, não controlado com dieta e exercício. A duração do estudo foi de 40 semanas, com 559 adultos recrutados em cinco países (EUA, México, Japão, Índia e China), refletindo uma amostra etnicamente diversa e globalmente representativa. 

Os critérios de inclusão exigiam: idade ≥ 18 anos, HbA1c entre 7,0% e 9,5%, IMC ≥ 23 kg/m² e estabilidade ponderal nos 3 meses anteriores. Os participantes foram randomizados (1:1:1:1) para receber orforglipron nas doses de 3 mg, 12 mg ou 36 mg, ou placebo. A administração foi oral, uma vez ao dia, e os indivíduos alocados ao orforglipron seguiram um escalonamento de dose progressivo, iniciado em 1 mg com aumentos a cada 4 semanas até atingir a dose-alvo. Não foi permitida reescalonagem para doses menores após titulação, mas interrupções temporárias eram autorizadas em caso de sintomas gastrointestinais intoleráveis. 

O desfecho primário foi a variação da HbA1c entre o início do estudo e a semana 40. Entre os principais desfechos secundários, destacam-se: percentual de pacientes que atingiram HbA1c <7,0%, ≤6,5% ou <5,7%; perda de peso corporal absoluta e percentual; melhora de lipídios não-HDL e triglicérides; e o perfil de glicemia capilar de 7 pontos. 

Quanto às características da população, a média de idade foi de 53 anos, e aproximadamente metade da população era composta por mulheres (48%). A duração média do diabetes era de 4,4 anos, refletindo uma população em fase precoce da doença. O valor médio da hemoglobina glicada no início do estudo era de 8,0%, sendo que cerca de 58% tinham HbA1c < 8% na randomização. Todos os participantes apresentavam índice de massa corporal (IMC) igual ou superior a 23 kg/m², com média em torno de 33 kg/m², caracterizando uma população com sobrepeso ou obesidade. 

Do ponto de vista étnico, a coorte foi diversa e geograficamente ampla, incluindo indivíduos recrutados em países como Estados Unidos, México, Japão, Índia e China. Cerca de 44% dos participantes eram asiáticos, 26% brancos e 26% indígenas americanos ou sul-asiáticos. Aproximadamente 40% se autodeclararam hispânicos ou latinos. Em relação ao tratamento prévio, vale destacar que 61,7% dos participantes nunca haviam feito uso de nenhuma medicação antidiabética, enquanto os demais haviam utilizado fármacos como metformina, mas estavam em washout medicamentoso havia pelo menos três meses. 

O orforglipron apresentou um impacto significativo no controle do diabetes 

Após 40 semanas, todos os grupos que receberam orforglipron apresentaram reduções significativas na HbA1c comparadas ao placebo (análise por Eficacy Estimand): 

  • −1,24% (3 mg), 
  • −1,47% (12 mg), 
  • −1,48% (36 mg), 
  • vs. −0,41% com placebo (P<0,001 para todas as comparações). 

A média da HbA1c ao final do estudo em todos os grupos orforglipron foi de 6,5-6,7%.Ao final do estudo, 68–73% (a depender da dose usada) dos participantes no grupo orforglipron vs. 33% no grupo placebo alcançaram uma Hba1c < 7%. 57–62%  (vs. 15% no grupo placebo) atingiram uma HbA1c ≤6,5%, enquanto basicamente um quarto dos indivíduos em uso do orforglipron (vs 4% no grupo placebo) atingiram HbA1c <5,7%, ou seja, normoglicemia. Vale destacar que a média de HbA1c no início do estudo era de 8%, mostrando uma população que comumente vemos no dia a dia e que normalmente tem impactos mais discretos advindos do tratamento medicamentoso que pacientes com HbA1c mais elevadas. 

As reduções na glicemia de jejum também foram expressivas: de −31 a −37 mg/dL com orforglipron, vs. −11 mg/dL com placebo. 

A perda ponderal também foi interessante, apesar de ser um desfecho secundário 

A perda de peso corporal foi dose-dependente e também muito relevante para um estudo desenhado para diabetes (onde o desfecho primário não é o peso), comparável à semaglutida 1 mg SC e aparentemente superior à semaglutida oral no estudo PIONEER-1. Os percentuais atingidos foram: 

  • −4,2 kg (−4,5%) com 3 mg 
  • −5,2 kg (−5,8%) com 12 mg 
  • −7,2 kg (−7,6%) com 36 mg, 
  • vs. −1,5 kg (−1,7%) com placebo. 

43–61% dos pacientes com orforglipron atingiram perda de ≥5% do peso, enquanto até 30% alcançaram perda ≥10%, e 10% com 36 mg atingiram ≥15% de perda.
Também houve melhora significativa nos lipídios, principalmente triglicérides e colesterol não-HDL com as doses maiores. A pressão arterial sistólica caiu até −5,7 mmHg e observou-se um aumento leve da FC (+2,2 a +4,8 bpm). Nenhum caso de pancreatite, câncer de tireoide ou hipoglicemia grave foi registrado. 

Os eventos adversos mais comuns foram gastrointestinais leves a moderados (diarreia, náusea, dispepsia, constipação), predominantes nas fases iniciais de titulação. A taxa de descontinuação por efeitos adversos foi de 4,4 a 7,8% com orforglipron e 1,4% com placebo. O que chamou atenção foi a maior incidência de diarréia, chegando a níveis próximos de 24% nas doses maiores. Vejamos como isso será na prática. 

O que podemos aprender com este estudo e como ele influencia nossa prática médica

O ACHIEVE-1 traz evidências robustas de que o orforglipron, um agonista oral de GLP-1 não peptídico, é eficaz e seguro como monoterapia em indivíduos com diabetes tipo 2 recente. A magnitude da redução de HbA1c (aproximadamente −1,5%), aliada a perdas ponderais substanciais e melhora de múltiplos parâmetros cardiometabólicos, posiciona o orforglipron como uma alternativa terapêutica altamente promissora. A comparação futura com a oral semaglutida no estudo ACHIEVE-3 será fundamental para compreender seu posicionamento clínico. 

Do ponto de vista da prática médica no Brasil, onde há múltiplas barreiras de acesso aos análogos de GLP-1 injetáveis (custo, prescrição, armazenamento e adesão), o orforglipron surge como uma possível inovação estratégica. Seu formato oral facilita a logística em serviços públicos e privados, permite maior escalabilidade em programas de saúde populacional e pode ampliar a elegibilidade de pacientes que antes recusavam ou não tinham acesso aos injetáveis. Isso, claro, se de fato a medicação chegar com menores custos. 

Aguardamos outros resultados da série ACHIEVE, que investiga o orforglipron no tratamento do diabetes e também dos estudos ATTAIN, prometidos para o final do ano, também de fase 3, mas investigando seu impacto na obesidade. 

O estudo foi publicado no NEJM simultaneamente à apresentação no congresso e deixamos a referência do texto. Continue acompanhando nossa cobertura do ADA 2025 e outras novidades sobre o tratamento do diabetes e obesidade. 

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Referências bibliográficas

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