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Endocrinologia28 junho 2023

ADA 2023: Papel do CGM no pré-diabetes mellitus tipo 2 e obesidade

Palestra durante a ADA 2023 discutiu o uso de Continuous Glucose Monitors (CGM) na pré-diabetes, na obesidade e no DM2 sem uso de insulina.

O congresso da American Diabetes Association (ADA) 2023 foi marcado por diversas palestras interessantes. Além, claro, da apresentação de estudos impactantes quanto a novas oções terapêuticas no diabetes (DM), aconteceram como de praxe diversas sessões de discussões de temas com subespecialistas. Um dos temas mais interessantes foi sobre as perspectivas futuras do uso dos Continuous Glucose Monitors (CGMs), que estão cada vez mais em voga no controle do DM e parecem de fato ser o futuro da avaliação desses pacientes.

Apesar de não ser uma tecnologia 100% nova, os monitores vem evoluindo ao longo dos últimos anos em precisão e cada vez mais surgem novas opções no mercado. No Brasil, entretanto, contamos apenas com a versão flash Libre 2.0, da Abbott, enquanto nos EUA já estão disponíveis opções como o Dexcom, Eversense, entre outros, e mesmo o Libre 3.0, que não é flash mas sim real time. Isso é importante pois minimiza a perda de dados já que o próprio aparelho é capaz de detectar a glicemia a cada 5 minutos e salvar os dados, com maior precisão que a geração anterior.

Atualmente, na prática, acabamos utilizando mais os CGMs em pacientes com DM1 ou DM em uso de insulinoterapia. Mas a interessante palestra, que contou com especialistas como o Dr. Ronnie Aronson (LMC Diabetes and Endocrinology, Toronto), discutiu o possível papel desses monitores em outros cenários, como no pré-DM, na obesidade e no DM2 sem uso de insulina. Será que já temos evidência ou estamos caminhando para isso?

ADA 2023: Semaglutida oral no controle da diabetes é tema do PIONNER PLUS

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Papel do CGM no pré-diabetes

É sabido que a prevalência do pré-diabetes vem aumentando no mundo e que medidas para evitar sua progressão são importantes. Na visão do Dr. Anders Carlson (International Diabetes Center), poderíamos até mesmo dar um passo atrás — será que o CGM poderia nos auxiliar num diagnóstico mais preciso do pré-DM?

Mesmo a definição de pré-DM hoje é feita por diferentes métodos, que não tem uma superposição de 100% entre si, ou seja, é possível (e frequente) encontrarmos pacientes que fecham critérios para pré-DM pelo TOTG 75g mas não pela hemoglobina glicada, por exemplo. Logo, é bem possível que encontremos um perfil no CGM que nos sinalize mais precocemente alterações sugestivas de desbalanços no metabolismo glicêmico. Para isso, é importante entender o que é um CGM normal, e existem estudos nesse assunto. Dados publicados no Journal of Clinical Endocrinology and Metabology (JCEM) de 2019 mostram que o perfil normal de glicemia no CGM é diferente do que temos como objetivo para um paciente com DM. Numa avaliação de 153 indivíduos não diabéticos, de 7 aos 80 anos que utilizaram o sensor Dexcom G6, a média encontrada foi de um tempo no alvo (Time in Range, ou TIR) entre 70 e 180 mg/dL de aproximadamente 98%, sendo apenas 2% de hipoglicemias (menores de 70 mg/dL) e < 1% de hiperglicemias, com coeficiente de variabilidade de 17%. Ainda não temos um método diagnóstico baseado em CGM, mas esta pode ser uma perspectiva futura, tanto utilizando menores percentuais de tempo no alvo como talvez utilizando um corte diferente de Time in Range (120, 140 mg/dL), que possa ter maior correlação de fato com o risco de progressão para diabetes ou complicações.

CGM para auxiliar na promoção de mudanças de estilo de vida

Num estudo publicado também em 2019 no Journal of Diabetes Science and Technology, os autores avaliaram estudos que olharam o impacto do uso do CGM real time em mudanças de estilo de vida em pacientes com DM e pré DM. Em 6 estudos, com duração média de 3 meses, foi possivel observar reduções na hemoglobina glicada (de -0,6% a -1,1%), peso (-6,2 a -7,2%), além da opinião positiva dos pacientes que utilizaram. Ainda, outro estudo que avaliou o uso do CGM em 15 pacientes com pré-DM em dieta low carb (< 100 g/dia de consumo de carboidratos) mostrou maior aderência e que 100% dos pacientes recomendariam a dieta para outros com pré DM.

CGM e nutrição de precisão

Quem nunca viu no consultório um paciente afirmar que um alimento, por mais que composto por carboidratos complexos, faz incursões importantes em sua glicemia? Ou o contrário — um alimento composto por carboidratos simples não traz qualquer impacto — e não conseguimos explicar?

Pois bem — isso acontece. Estudos pilotos (Zeevi et al, Cell 2015; Hall et al, PLOS Biol 2018, Berry SE et al, Nat Med 2020) mostram que diferentes indivíduos podem ter diferentes padrões de resposta à ingestão de um alimento, os chamados “glucotypes”. Mesmo dentro de uma mesma refeição, até a ordem em que se consome os diferentes macronutrientes pode ter influência sobre o pico glicêmico pós-prandial.

O CGM, mesmo que não utilizado de forma contínua, pode ser uma ferramenta útil para assegurar aos pacientes as respostas sobre bons hábitos e mesmo sobre autoconhecimento, guiando para uma nutrição mais precisa e individual.

E na obesidade?

Apesar de menos estudado, ainda assim existem mais de 30 estudos publicados sobre o tema. Um deles avaliou 36 pacientes masculinos não diagnosticados como tendo pré diabetes ou diabetes e encontrou que 100% apresentava glicemias pós-prandiais maiores ou iguais a 140 mg/dL e 47% maiores que 200 (voltando ao potencial do uso para diagnóstico, talvez em populações de mais alto risco) e que a inatividade física e snacks foram os fatores mais associados a hiperglicemias. Outro estudo de 2020 apontou que mais pacientes com obesidade em uso de CGM saíram da fase pré contemplativa para estágio de ação quanto à prática de atividade física após 10 dias de uso do monitor e uma aula sobre atividade física, possivelmente observando impactos na glicemia com seu uso.

Papel do CGM no diabetes tipo 2

De acordo com o Dr Ronnie Anderson, existem evidências que sugerem um impacto positivo do uso do CGM também na população com DM2. Alguns estudos de população mista (com e sem usuários de insulina) mostram, como o IMMEDIATE study, melhora da hemoglobina glicada em -0,3 a -0,5% sem qualquer intervenção específica, além de maior Time in Range (9,9% maior) e importante – sem aumento do estresse relacionado a monitorização constante. Em 2 ensaios clínicos randomizados (RCTs), GEM e COMMITED, houve redução de glicada de -1,1% e -0,2% (mas este sendo apenas um estudo piloto). Logo, parece que mesmo em pacientes que não utilizam insulina, o CGM pode ter um papel.

Ainda, é possível que o simples uso do CGM em pacientes com DM2 possa reduzir até mesmo o risco de complicações agudas. Isso foi demonstrado num estudo francês apresentado pelo Dr. Anderson, publicado em 2021, observacional, que avaliou 10.282 pacientes, 61% não usuário de insulina, que utilizaram um CGM por 6 meses. O resultado foi muito interessante: houve uma redução de risco de 32% de internações por complicações agudas de diabetes (hipo e hiperglicêmicas) com um HR 0,68 (0,58 – 0,80, IC 95%, P < 0,001), e 15% de TODAS as causas (HR 0,85; 0,77 – 0,94; IC 95%; p = 0,002).

Conclusões

Apesar de não ser usual utilizarmos o CGM nessas outras situações, é interessante saber que já existem estudos e até mesmo evidência de trazer benefícios. Particularmente na prática clínica, sobretudo pacientes com DM2 que não usam insulina e estão iniciando o tratamento, essa ferramenta pode trazer um impacto positivo no sentido de facilitar a educação em diabetes, empoderar os pacientes e permitir um tratamento mais “hands on”, com maior participação do indivíduo e menor inércia terapêutica, já que não é preciso aguardar 3 meses para reavaliar a glicada e sim alguns dias para entender o impacto que uma nova medicação adicionada ou a MEV trouxe para aquele paciente. Assim como as terapias incretínicas, o futuro do tratamento do diabetes passa também pela tecnologia.

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Reveja os estudos que foram destaques no ADA 2022 e ADA 2021

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