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Endocrinologia1 julho 2021

ADA 2021: SURPASS-2 – comparando a tirzepatida com a semaglutida e mais

O programa SURPASS foi a cereja do bolo do congresso da ADA 2021, com resultados animadores para a tirzepatida. Confira!

Este ano, o congresso da American Diabetes Association (ADA 2021) teve diversas revisões interessantes e apresentação de alguns estudos que serão comentados por um longo período de tempo. Na noite do sábado (26), nos deparamos com a apresentação dos resultados do AMPLITUDE-M (epfeglenatida) e também do SURPASS-1, estudo que avaliou a tirzepatida em comparação ao placebo e impacto no controle do diabetes tipo 2 (DM2), com resultados realmente impressionantes. Falamos desses artigos em outras publicações, não deixe de conferir!

Contudo, a cereja do bolo foi deixada para os últimos dias do congresso com os dois trials provavelmente de maior impacto apresentados e que inclusive tiveram publicação simultânea ao congresso no New England Journal of Medicine (NEJM). Falaremos sobre os dois aqui, começando pelo programa SURPASS, com destaque para o SURPASS-2.

Tirzepatida

A tirzepatida (TZP) é um novo antidiabético de ação dual por atuar como agonista dos receptores de GLP-1 (glucagon-like peptide) e GIP (glucose-dependent insulinotropic polypeptide). Sua base molecular é composta por uma estrutura semelhante ao GIP, porém modificada para ter afinidade também pelo receptor do GLP-1, onde atua como agonista.

O Dr. Daniel Drucker (University of Toronto) trouxe uma introdução ao tema ao abordar as ideias por trás da TZP. O primeiro ponto é que ao se desenhar uma nova medicação para tratamento do DM2 é preciso preservar a melhor característica dos aGLP-1: a redução em eventos cardiovasculares (MACEs).

Reprodução: Kristensen SL, et al. Lancet diab and endocr 2019 doi: 10.1016/S2213-8587(19)30249-9

A ideia em se utilizar um agonista dual é manter os ganhos trazidos pelos aGLP-1 e adicionar um parceiro que possa contribuir ainda mais no controle do DM2 e do peso. Diversos estudos pré-clínicos vinham (e vêm) sendo realizados nesse sentido, e uma molécula se destacou: o GIP.

Sabemos que este possui uma ação incretínica nas células beta pancreáticas porém há evidências conflituosas e modestas sobre a ação do GIP de forma isolada no controle homeostático do apetite e portanto em perda de peso. Porém, estudos em roedores demonstraram que os duais atuam muito bem em conjunto, levando a perda de peso importante e melhora na resistência insulínica. O mecanismo desse sinergismo ainda não está claro.

Após esse início de bancada, estudos fase 2 foram elaborados, com boa resposta aos duais em humanos, inclusive havendo já nessa fase impacto em redução da hemoglobina glicada (HbA1c) em comparação à dulaglutida, outro agonista de GLP-1. O que nos traz ao momento atual: os resultados dos estudos de fase 3 da tirzepatida.

Calma, estamos chegando lá! Para os ansiosos pelos resultados (assim como eu), o Dr. Drucker trouxe já nesta introdução dados sobre o impacto na HbA1c e na perda de peso, que de fato são dados muito impressionantes, levando a reduções de glicada na ordem de até – 2,5% e atingindo perda de peso maior que 15% em até 40% dos pacientes.

SURPASS-2

O SURPASS-2 foi um estudo ousado, pois, nas gírias populares, “chamou pro fight” o que temos de melhor para o tratamento de pacientes com DM2, a semaglutida (que já se provou superior por exemplo à dulaglutida no controle glicêmico e em perda de peso) na maior dose aprovada atualmente para tratamento em DM2 (1 mg semanal).

Foi um RCT open label, controlado, multicêntrico e multinacional. Foram selecionados exclusivamente pacientes DM2, com HbA1c entre 7,0 e 10,5%, IMC maior que 25 kg/m², em uso de metformina 1.500 mg/d ou mais por dia ao menos por três meses. Foram excluídos pacientes com AP de pancreatite aguda, TFG < 45 mL/min/1.73 m².

Os pacientes foram divididos em quatro grupos: semaglutida 1 mg/semana; tirzepatida 5 mg/s, 10 e 15 mg/semana. As doses de tirzepatida foram aumentadas em 2,5 mg a cada quatro semanas, sendo que o grupo 15 mg atingiu tal dose apenas na 20ª semana do estudo. A semaglutida também foi titulada para 1 mg/semana ao longo de oito semanas. O seguimento foi por 40 semanas.

Como não tem bobo nesse mundo, o objetivo primário foi demonstrar a não inferioridade das doses de 10 e 15 mg à semaglutida 1 mg em médias de HbA1c após 40 semanas; os secundários (controlados para erro tipo 1) foram demonstrar a não inferioridade de 5 mg vs semaglutida em média de HbA1c, demonstrar superioridade de qualquer dose em redução de glicada, perda de peso e proporção de pacientes que atingem glicada < 7% e < 5,7%.

Os 1.879 participantes foram randomizados em proporção 1:1:1:1, sendo que entre 94,2 e 96% dos participantes completaram o estudo. Excelente. Vale destacar apenas que dentre os motivos para descontinuação do tratamento, houveram quatro mortes nos grupos 5 mg e 10 mg, três no grupo 15 mg e um no grupo semaglutida (p = 0.567). O apresentador destaca que metade dessas mortes foram devido a Covid-19 e a maioria das demais se tratavam de pacientes de altíssimo risco cardiovascular. Pulga atrás da orelha?

A média de idade dos participantes era de 56 anos, aproximadamente nove anos de duração de diabetes, glicada de 8,3% e IMC de 34 kg/m².

Resultados

Reprodução: Frias JP, et al. New England Journal of Medicine 2021. doi: 10.1056/NEJMoa2107519
Reprodução: Frias JP, et al. New England Journal of Medicine 2021. doi: 10.1056/NEJMoa2107519

Todos os grupos tiveram resultados impressionantes. Ao final de 40 semanas, o grupo semaglutida 1 mg/d teve uma redução na HbA1c de – 1,86%. Nos grupos 5, 10 e 15 mg de TZP, -2,09%, – 2,37% e -2,46%, respectivamente, todos com p <0,001 e detalhe, com a curva abrindo a favor da tirzepatida já na quarta semana de tratamento. Empolgante!

Além disso, uma proporção maior de pacientes atingiu glicadas menores que 7% e que 5,7% nos grupos tirzepatida vs. semaglutida, bem como melhores glicemias de jejum. Acompanhe nos gráficos do artigo original.

Houve uma redução de peso de -6,2 kg (6,7%) no grupo semaglutida e nos grupos 5, 10 e 15 mg, -7,8 kg (8,5%), -10,3 kg (11%) e – 12,4 kg (13,1%), respectivamente, também com diferença estatisticamente significativa. 36% perderam mais que 15% do peso no grupo TZP 15 mg.

Como esperado, houve um aumento nos eventos de náuseas, vômitos e diarreia, sobretudo nas doses de 10 e 15 mg/s, comparado aos outros grupos, com a maioria dos eventos no início do quadro e de grau leve/moderado. Importante: apenas um evento de hipoglicemia grave no grupo TZP 5 mg e nenhum evento nos demais.

Em resumo, a TZP parece ser superior à semaglutida 1 mg em qualquer dose, com efeito dose dependente tanto em termos de controle do DM2 como em perda de peso. Destaque para a proporção de pacientes que normalizam a glicada (< 5,7%): 29 a 51% (comparado a 20% do grupo semaglutida). Resta entender um pouco mais sobre o perfil de segurança cardiovascular (a previsão inicial da Lilly, empresa que detém os direitos da TZP, é que os resultados do CVOT saiam apenas em 2025…)

Outros estudos SURPASS

Ainda foram apresentados outros dois estudos, o SURPASS-3 e o 5, estes com menor destaque. Vamos aos highlights.

SURPASS-3

Um RCT, open label, que comparou a TZP (também nas doses de 5, 10 e 5 mg) vs. insulina degludeca como terapia add on à metformina +/- inibidor de SGLT-2 (apesar de que só 15% da população estudada utilizava esta classe). Os critérios de inclusão eram parecidos com os do SURPASS-2.

O objetivo primário era avaliar a redução da HbA1c em 52 semanas e os secundários eram avaliação de perda de peso, perfil de efeitos colaterais, percentual de pacientes que atingiam o controle da glicada e redução na glicemia de jejum

A degludeca era titulada para glicemia de jejum < 90 mg/dL. A dose média utilizada na semana 52 foi de 48.8U/dia (0,5 U/kg), uma dose alta e bem maior que nos estudos prévios que compararam um agonista de GLP-1 a uma insulina basal, como o SUSTAIN-4, AWARD-2 e LEAD-5.

Foram randomizados 1.444 pacientes, com retenção do estudo de cerca de 90%. Aqui, houve duas mortes no grupo TZP 10 mg e nenhum óbito em todos os outros grupos. Ufa.

A média de idade era de 57 anos, IMC 33 kg/m² e HbA1c de 8,2%, além de glicemia de jejum média de 170 mg/dL.

Resultado: tirzepatida foi superior a degludeca em todos os grupos em redução de glicada (degludeca: -1,34% vs. 5mg: -1,93%; 10mg: -2,2% e 15 mg: -2,37%, com p < 0,001 em todos os grupos) e como esperado, também em perda de peso e na proporção de pacientes atingindo glicada < 7% e < 5,7%.

Outro ponto interessante deste estudo é que a queda da glicemia de jejum foi parecida entre os grupos (aprox. 50 mg/dl), porém ao se avaliar o perfil de glicemia capilar (SMBG) de 7 pontos, houve um controle glicêmico melhor ao longo do dia, sobretudo em períodos pós-prandiais, como esperado pela fisiopatologia do DM2 e mecanismo de ação das drogas.

Houve aumento de reações adversas gastrointestinais, porém não houve aumento de hipoglicemias graves.

SURPASS-5

Comparou a tirzepatida vs. placebo como terapia add-on a pacientes já mal controlados, em uso de insulina glargina +/- metformina em pacientes DM2. O intuito era avaliar eficácia e segurança no uso de um dual em associação à insulina.

Resultado (bem óbvio já a essa altura): tirzepatida muito superior ao controle. Porém, o grande valor aqui talvez seja de fato demonstrar segurança nesta associação em relação a risco de hipoglicemias e demais eventos adversos, objetivo que foi cumprido (não houve diferença na proporção de hipoglicemias e episódios graves nos grupos TZP e placebo).

Agora, resta esperar o estudo de segurança cardiovascular e os estudos do programa SOURMONT (desenhado para avaliação da TZP na obesidade). Caso esta droga se prove segura, será (mais um) divisor de águas no tratamento do DM2 e da obesidade.

Respira fundo que em breve comentaremos o AMPLITUDE-O!

Mais do congresso:

Referências bibliográficas:

  • Frías JP, et al. Tirzepatide versus Semaglutide Once Weekly in Patients with Type 2 Diabetes. The New England Journal of Medicine. June 25, 2021. DOI: 10.1056/NEJMoa2107519
  • Kristensen SL, et al. Cardiovascular, mortality, and kidney outcomes with GLP-1 receptor agonists in patients with type 2 diabetes: a systematic review and meta-analysis of cardiovascular outcome trials. Lancet Diabetes Endocrinol. 2019 Oct;7(10):776-785. doi: 10.1016/S2213-8587(19)30249-9. Epub 2019 Aug 14. Erratum in: Lancet Diabetes Endocrinol. 2020 Mar;8(3):e2. PMID: 31422062.

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